Os Katukina vieram
debaixo da terra. Logo que surgiram não havia mulheres, somente homens. Vieram caminhando
e cantando o mariri. Não tinha canto, era só hi, hi, hi. Vieram cantando na
beira do rio. Aí disseram:
–
Pra onde nós vamos morar? Vamos procurar um lugar para morar. Vamos embora
procurar uma ponte para atravessar do outro lado do rio.
Os
Katukina não usavam roupas, só usava a tanga. No caminho, encontraram duas
mulheres. Essas mulheres só carregavam um paneiro. Só usavam tanga e chapéu de
pena de arara, de taboca, pena de japó. Usava um enfeite no nariz. Aí foi um
mês procurando para atravessar o rio. Aí falaram:
–
Vamos subir, aonde a gente achar uma ponte a gente atravessa pro outro lado.
Todos
falaram:
–
Vamos embora. Seguindo e cantando hi, hi, hi.
Vieram
debaixo e encontraram o Juruá. No Juruá encontraram um jacaré muito grande. Ele
afundava e subia. E era só mato nas costas dele. Aí eles disseram:
–
Será que esse jacaré serve de ponte para atravessarmos para o outro lado?
Ali
fizeram um tapiri para todo mundo. No outro dia de manhã o jacaré falou:
–
Como eu sou grande, vou dar passagem para vocês atravessarem para o outro lado.
Mas se vocês querem passar para o outro lado, limpem as minhas costas.
Passaram
três dias limpando as costas do jacaré. Ele mandou as cabas, aranha, tucandeira
e formigas picarem os pés do pessoal para pararem de limpar. Mas mesmo assim
limparam. Então, o jacaré falou:
–
Vou avisar vocês para comerem somente carne de macaco. Não comam filhote de
jacaré. Eu vou dar passagem, mas vou olhar os dentes de todos vocês para ver se
não comeram jacaré. Agora eu vou avisar vocês que não tem nome, vocês prestem
atenção que eu vou dizer os nomes, cada qual vai ter seu nome: Taramachê roapá,
Taratecá roapa, Tarawani roapa, Taramesi roapa. Já que eu dei nome para vocês,
eu vou atravessar vocês do outro lado.
Assim,
o pessoal começou a passar. O jacaré falou:
–
Podem ir passando em cima das minhas costas. Se comerem meu filhote, eu vou largar
vocês.
Até
que apareceu um homem que tinha no dente carne de jacaré. Logo que ele (o
jacaré) viu a carne de jacaré ficou triste e abaixou um pouco na água. Em
seguida falou:
–
Eu vou atravessar só os que estão nas minhas costas. Os outros eu não vou atravessar
mais não.
Esse
homem que tinha comido jacaré estava no meio daqueles que ainda poderiam
atravessar. O jacaré foi então até o meio do rio e virou. O pessoal que estava
em cima do jacaré caiu no rio e as piranhas comeram todos.
Aí
ficou dividido: metade em cada lado do Juruá. Quem ficou do outro lado foram os
Marubo. Estes que passaram do outro lado, começaram a perguntar o nome de
todos. Cada um dizia seu nome. O jacaré tinha dito para eles que era para
continuarem usando os nomes que tinha dado para cada um.
Os
homens só usavam lança de pupunha para matar os bichos, por isso eles não
tinham nada. Não sabiam fabricar panelas, nem roupas. Os Katukina tinham
mulher, mas não sabiam fazer filhos. Não sabiam fazer relação com a mulher.
Faziam relação no joelho e no sovaco da mulher. Até que um dia apareceu um
macaco macho, um cairara. Aí o macaco disse assim:
–
Desse jeito vocês nunca vão ter filhos.
Eles
deram uma mulher para esse macaco para ele fazer relação sexual com essa
mulher. O macaco falou:
–
Vocês têm que ter relação com as mulheres de vocês. Assim vocês nunca vão
acabar, vai aumentar a população de vocês.
O
macaco reuniu o pessoal, falou para a mulher deitar no chão e teve relação com
ela. Todo mundo ficou olhando para aprender. Dali para frente os Katukina
aprenderam a ter relações com as mulheres, para ter filhos.
Até
hoje.
Quando
começaram a fazer filhos pensaram em fazer copixawa, shobo, uma casa grande para morar, para criar os filhos. E ficaram
morando ali.
Naquele
tempo não tinha caça, macaxeira, não existia nada. Só existia a floresta, mas
dentro da floresta não tinha nenhum tipo de bicho. Um dia, uma mulher chamou
seu marido para colher pama no alto do pé. O marido estava lá em cima e a
mulher ficou embaixo esperando ele quebrar o galho para jogar para ela... Lá em
cima do pau ele imitou macaco-preto. Assim que ele imitou, tinha um pau grande
perto da pama, a mulher estava embaixo e viu esse pau mexendo e de lá saiu só
uma pessoa. Era do pessoal que mora embaixo da terra, maeyuxinvo. Essa pessoa saiu com uma zarabatana. Então, mulher se
escondeu. O marido dela, lá em cima, imitou de novo o macaco-preto. O homem que
saiu debaixo da terra assoprou com a zarabatana e acertou na perna e depois no
peito dele. O marido imitou de novo o macaco-preto e o homem assoprou novamente
com a zarabatana e acertou no pescoço dele. Ele começou a vomitar e caiu no
chão. A mulher estava escondida vendo o que o outro estava fazendo com o marido
dela. Quando ele caiu, o homem o colocou nas costas e entrou de novo no pau,
para debaixo da terra. A mulher dele saiu correndo para avisar seus parentes
como foi e quem foi que matou o marido dela. Quando chegou na maloca ela contou
pro pessoal. Ela falou que havia sido um homem que mora embaixo da terra. No
outro dia, todos se reuniram e decidiram matar o homem debaixo da terra, queriam
vingar o parente morto. Saíram todos e foram observar o pau de onde o homem
tinha saído. Havia umas formigas pretas carregando o cabelo do homem para fora.
A mulher do homem morto falou que tinha sido ali mesmo. O pessoal começou a
cavar buraco para debaixo da terra. Todos homens e mulheres se reuniram,
limparam em volta do pau para cavar. Só tinha um homem velho que colocou nome
nos bichos todinhos. Achou um bicho e colocou o nome de paca. Cavaram mais e
saiu um tatu, saiu tatu canastra. Esses bichos que foram para debaixo da terra.
A paca não conseguiu ir. O tatu-canastra fez um buraco bem grande embaixo da terra.
Faltava só um pouco para chegar no maeyuxinvo,
que é o povo que mora embaixo da terra. Aí os Katukina reuniram todos. O tatu
fez um buraco bem pequeno para atravessar para a aldeia deles. Mandaram um
calango para ver se o homem estava em casa. O calango foi lá e encontrou
somente uma velha. O calango avisou ao tatu canastra que só tinha uma velha lá.
Aí mandaram o jabuti. Jabuti foi para debaixo da terra e só viu a velha. Aí
mandaram o veado ir olhar. O veado foi e só viu a velha. Aí mandaram a
tartaruga e o homem ainda não estava lá, só a velha.
Nesse
tempo, a onça não estava pintada. O pessoal reuniu e resolveu pintar a onça e o
gato. Pintaram ela com jenipapo e ela ficou toda malhada. Aí a cotia que tinha
pintado uma outra onça, ficou com preguiça de pintar com jenipapo e colocou só
urucum, por isso que existe essa onça vermelha. Aí mandaram a onça para debaixo
da terra, ela viu e matou a velha. A onça subiu e avisou que tinha matado a
velha, que o homem não tinha chegado. Aí o homem da tribo dos maeyuivo não era homem, era um gavião do
tamanho de um avião. Aí pensaram: a gente tem que tomar cuidado que esse homem
vai querer matar a gente. Koka pinho
txari, avisou que esse homem era gavião grande. Koka pinho txari fez as pessoas virarem veado, paca, anta, macaco-preto,
cotia... Ele que deu nome aos bichos. Por isso, quando a criança está doente
não pode comer carne de caça.
Aí
o gavião grande chegou. Logo que chegou viu a mãe dele morta no terreiro e
falou:
–
Foi o pessoal de cima que matou minha mãe, eu vou lá matar tudinho.
O
pessoal escutou a zoada do gavião. Koka
pinho txari avisou:
–
Corre logo senão o gavião vai pegar vocês todos.
O
gavião espantou todos os bichos. Aí os homens viraram veado, outro virou
queixada, paca... Só tinha bicho de 4 patas, não tinha ave de pena. Aí Koka pinho txari arrancou os cabelos da
perna e assoprou. Virou jacamim, jacu, nambu, tucano, arara...
Noke Shoviti – História
da Criação
Tradução e escrita:
Maurício da Silva Ni’i
Narrador: Baía
Paixão Mae e João Assis Me’o
Referência
KATUKINA, Benjamin
André; SENA, Vera Olinda [et al.]. Mito Katukina: Noke Shoviti. Rio Branco:
Editora Poronga, s/d. p.10-16
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