sábado, 12 de agosto de 2017

COM A LUA

Guilherme de Almeida (1890-1969)


Para os poetas és tudo: – és Salomé dos sete
véus; és gôndola, alfanje, hóstia, tulipa, anzol;
cabeça de Yokanaan ou Pierrot de Willette...
Para mim, és somente a saudade do sol!

Quando passa no céu a caravana suja,
sonâmbula e infeliz das nuvens cor de spleen;
quando a insônia amarela abre o olhar de coruja
e fica fixamente olhando para mim;

mil e uma  vezes eu te chamo, ó desolada!
E, talvez sem sentir ou sem querer talvez,
mil e uma noites, vens, minha Scheherazada,
contar-me entre divãs de névoa: – Era uma vez....

Lua, eu te amo porque és noturna como tudo,
tudo aquilo que eu tinha o costume de amar
e que ficava além do meu quarto de estudo:
a música... a neblina... os amigos... o bar...

Eu te amo porque és boêmia e porque és inconstante,
porque mudas de forma, e de nome, e de amor,
como as mulheres que eu amei por um instante,
quando eu era um rapaz ingênuo e sonhador...

Eu te amo porque és boa, eu te amo porque és bela!
Quando escrevo, de noite, uma estrofe qualquer,
tu sobes devagar e espias da janela:
e eu ponho no meu verso um nome de mulher.

Eu te amo porque sei que é no teu disco que há de
encontrar meu olhar o triste olhar irmão
dos que vivem de amor e morrem de saudade,
Nossa Senhora Azul da minha devoção! 


ALMEIDA, Guilherme de. Encantamento, Acaso, Você: seguidos dos haicais completos. Campinas: Unicamp, 2002. p.76-77



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