Meu outro mundo
Há entre mim e o mundo que me cerca
um outro, diferente, mais perfeito,
cheio de coisas simples, puras, – rosas,
estrelas e crianças saltitantes.
Nele não cabem marcos, nem bandeiras
que justifiquem ódios e agressões,
nem tambores de guerra, nem canções
para marcar o passo de assassinos;
porque meu mundo é um supermundo, reino
dos que encontraram a fonte e se banharam
de amor, de graça e se fizeram puros;
dos que têm o poder, pela renúncia,
de receber um golpe e devolvê-lo
sob a forma de um beijo ou de uma flor! p. 67
Canto negro
Este Clamor que o vento traz na voz
e chega a derramar-se no silêncio;
este sacolejar de mãos ossudas
crispadas sobre o tempo e sobre os mundos;
este berrar de pequeninos seres
grudado nesses peitos que já foram;
este bater de corpos mulambentos
chafurdando na lama dos prostíbulos;
este, é o canto dos injustiçados!
Tremei, senhores donos do universo,
que ele, vindo do bojo dessas noites
que dormem, podres, nos porões da história
vos tragará, para explodir, depois
na madrugada nova, que já tarda... p. 68
O maior Poema
O maior poema do mundo
é este que estou ditando
pela boca que não tenho
ou se tenho ninguém vê.
Vale a palavra muda
que inventei mas não disse.
Vale o anjo nadando
com asas sujas de nada
o nada que sabe a tudo
mas que esta boca que tenho
não pôde ainda provar.
Onde estará minha boca
não esta, porém a outra
que o meu Senhor me mandou
quando eu sem ser já me ia
fazendo o que agora sou
e que teimo em não saber?
Fica a palavra muda
ficam as asas do anjo
e fica o céu por escrito;
olhos, se existem
que leiam!
CARVALHO, Farias de. Pássaro de cinza. Manaus: Valer, 2000.
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