domingo, 15 de agosto de 2021

TRÊS POEMAS DE KEILAH DINIZ


Viver,

vivi.

E sobrevivi até hoje.

Mas eis a encruzilhada,

e já passei por tantas!

E cada uma é como a única

e a mais cruel, a mais sangrenta,

a maior de todas elas – a fatal.

 

Agora é pra valer!

As outras foram experimentos

do jogo da vida.

Acabou o jogo, acabou o sonho

e todas as fantasias pueris.

O fruto está maduro

(se houver fruto)

e a colheita não negará o seu sabor real:

o que se planta, colhe-se. É a lei.

 

Enquanto isso, mergulho na dor e

na aventura de continuar sendo

apesar de tudo. Porque

além de mim e dos caminhos cruzados

existe luz

que inflama os desejos

e conduz para a saída X. p. 9

 

IMAGENS DO RIO

 

Sou um barco

parado num porto qualquer.

E as águas que passam sob mim

não me levam

também não me tragam

apenas vão me machucando levemente

cada dia um pouco mais

apenas vão me lavando docemente

cada dia um pouco mais

até que eu fique liso, limpo

não de pureza,

mas de vazio, de solidão.

Inútil

como um barco parado.

 

Sou um rio

que passa sob um barco parado.

E minha força é pouca

tão pouca que não consegue

pelo menos

balançar esse barco

nem ao menos

manchar o seu casco de barro.

Sou um rio limpo

puro e sereno

como água de rio

que passa sob um barco

sem deixar marcas.

 

Sou a ponte

sobre o rio de barco parado.

E só me aproximo das águas

Quando elas se alvoroçam amedrontadas

e chegam até mim

depois de já terem engolido o barco.

Só assim tomo consciência

de sua existência

– quando me atacam!

E só assim também

tomo consciência

de sua existência

– quando sou atacada

diretamente!

Sou a ponte parada

sobre o rio de barco morto.

 

Mesmo que eu quisesse

não seria possível me aquietar.

Aqui onde estou,

nessa prancha sobre as águas,

as ondas me levam.

E quanto mais eu quero me segurar

ficar duro, rijo

mais elas me arrastam

para onde não quero ir.

Melhor mesmo é encontrar um remo

remar remar remar

Assim pelo menos

Posso tentar encontrar um caminho

Ou então me afogar de vez. p. 18-19

 

BUBUIA

 

Se a vida não me exigisse tanto

eu queria viver só de rede e bubuia.

Amar, olhar o céu, as estrelas

vadiar...

sururucar muito...

Sentir o cheiro da mata e correr pelos campos

no meio do roçado: milho, macaxeira, bananeiras.

Descer o subir o rio

pelo simples prazer de viajar

sentindo o vento leve nos cabelos.

Ou então

andar pelas pedras e sentir o peso

das cachoeiras dos saltos de Corumbá

e de Itiquira. p. 70

 

DINIZ, Keilah. Viver, vivi. Brasília: Ed. Especial, 1996.