CHEGA DE PRESSA!
É bom mastigar os dias
com a lentidão do tempo,
tempo lento e inalterado.
Viver os dias com a lerdeza de chuva fina
na demora, até tocar o chão...
O tempo resume-se no agora,
requer o abandono da avidez
dos dias servidos e devorados
em mesa faminta, sem perceber,
nem auroras, nem ocasos.
- Tempo de pouco caso.
É bom perder a pressa e rever
o arrumar e desorganizar das nuvens.
Ter a paciência de aguardar a florada
e comer a fruta do tempo.
Aguardar a piracema subir os rios
e não pescar o futuro.
É bom deixar o hábito de cobrar-se
do que se deixou de fazer
quando o dia finda.
EM BUSCA
Em busca de respostas
Rompi a rocha, raspei musgos
Desfolhei camadas
Furtei pigmentos.
Desintegrada, a rocha é pó
Princípio e fim da vida.
Depois de mover montanhas
Vejo-me ainda, no ponto de partida.
UM POEMA DE AMOR
O amor escreve poemas
com a ponta do dedo, sulcando
a areia morna e úmida
na margem do rio.
Quando a canoa cheia de melancia,
movida a motor de rabeta passa,
o banzeiro invade a praia
e desfaz os feitos do amor.
A magia é desfeita e renascida
a cada curva do rio,
onde espraiam-se ramas
de jerimum, maxixe, melancia...
Frutos colhidos e carregados
nos barcos que sacodem as águas,
para não deixar o amor morrer.
SABEDORIA SABIÁ
Ela é sábia
entre espinhos,
o ninho.
Gravetos selecionados
ambiente perfumado
ovinhos guardados
e tantos outros inhos
no universo de carinho
de passarinho.
Ocupação alada,
em cada galho que salta
com seu canto, cantinho
de laranjeira.
A GRAVIDADE DA GUERRA
A gravidade da guerra
é a solidão da trincheira,
onde o soldado observa o orvalho
na ponta do galho, resistente
à lei da gravidade.
TRANSFORMAGEM
(Para Danilo de S’Acre)
Íris, cores do olhar dos deuses.
Imagens de outras formas
de visão. Divisão das partes
que se aglomeram no espaço
concreto do abstrato.
Pinturas: Lili F.
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