segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

ELIANA CASTELA: Alguns Poemas


CHEGA DE PRESSA! 

 

É bom mastigar os dias

com a lentidão do tempo,

tempo lento e inalterado.

Viver os dias com a lerdeza de chuva fina

na demora, até tocar o chão...

O tempo resume-se no agora,

requer o abandono da avidez

dos dias servidos e devorados

em mesa faminta, sem perceber,

nem auroras, nem ocasos.

- Tempo de pouco caso.

É bom perder a pressa e rever

o arrumar e desorganizar das nuvens.

Ter a paciência de aguardar a florada

e comer a fruta do tempo.

Aguardar a piracema subir os rios

e não pescar o futuro.

É bom deixar o hábito de cobrar-se

do que se deixou de fazer

quando o dia finda.

EM BUSCA

 

Em busca de respostas

Rompi a rocha, raspei musgos

Desfolhei camadas

Furtei pigmentos.

Desintegrada, a rocha é pó

Princípio e fim da vida.

Depois de mover montanhas

Vejo-me ainda, no ponto de partida.

UM POEMA DE AMOR

 

O amor escreve poemas

com a ponta do dedo, sulcando

a areia morna e úmida

na margem do rio.

 

Quando a canoa cheia de melancia,

movida a motor de rabeta passa,

o banzeiro invade a praia

e desfaz os feitos do amor.

 

A magia é desfeita e renascida

a cada curva do rio,

onde espraiam-se ramas

de jerimum, maxixe, melancia...

Frutos colhidos e carregados

nos barcos que sacodem as águas,

para não deixar o amor morrer.

SABEDORIA SABIÁ

 

Ela é sábia

entre espinhos,

o ninho.

Gravetos selecionados

ambiente perfumado

ovinhos guardados

e tantos outros inhos

no universo de carinho

de passarinho.

Ocupação alada,

em cada galho que salta

com seu canto, cantinho

de laranjeira.

A GRAVIDADE DA GUERRA

 

A gravidade da guerra

é a solidão da trincheira,

onde o soldado observa o orvalho

na ponta do galho, resistente

à lei da gravidade.

TRANSFORMAGEM

                         (Para Danilo de S’Acre)

 

Íris, cores do olhar dos deuses.

Imagens de outras formas

de visão. Divisão das partes

que se aglomeram no espaço

concreto do abstrato.


Pinturas: Lili F.

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