O QUE UM FILME PROVOCA NUMA CRIATURA ALIENÍGENA COMO EU
- João Veras
11/06/23
Foto: Edison Vara/ Agência Pressphoto |
Notes alienígenas - Seguem aqui algumas pequenas e poucas notas pelas quais intento dialogar com o filme Noites Alienígenas, de Sergio de Carvalho. Muitas outras ficaram de fora. Nada de análises técnicas e teóricas sobre uma obra fílmica. Só pretendo demonstrar a dimensão reflexiva que o filme operou em mim. A questão não é definir o filme, mas dizer o que ele me provoca, me faz pensar, o que eu (não) pensava antes dele e passo a (não) pensar depois e com ele. Se altera, acrescenta, tira, não diz nada. É parte do meu particular plano de provar/provocar que os alienígenas existem, de não ignorá-los. Alienígenas como a obra e o cinema ditos acreanos e como eu mesmo (seu viv-ente cria-observa-dor), tão alienígena quanto qualquer alienígena acreano nesse mundo.
Vamos esperar a resenha sair - Passei grande parte da minha vida sendo ensinado que o conhecimento esperto, superior e autorizado vem de longe daqui de onde estou. Quando estudei letras, me ensinaram que vem pelos cânones nacionais da literatura e também das teorias linguísticas e literárias internacionais (as categorias de nacional e internacional nas quais não estamos inseridos). Na música, vem pelos astros, gênios e celebridades, do clássico e do popular da mpb ao rock and roll tudo fora de meu alcance criativo, senão tão só auditivo. Quando estudei ciências jurídicas, pelos doutos engravatados da doutrina, da teoria e da jurisprudência que nos chegam pelos seus festejados e caros livros e revistas especializadas. Nenhuma referência local. Aprender com eles e lhes reproduzir, eis a reza do saber para um bom estudante aplicado e futuro profissional competente. Partir de si frente a isso, questionar, remexer, negar, problematizar, inventar, criar, seriam empresas que não são um bom negócio para quem já nasceu sem o pedigree do saber, posto que sem as ditas moral e racionalidade moderna-colonizantes. Pressuposto um.
A indiferença da opinião - Por aqui, falo de Rio Branco - como falaria de todo lugar não reconhecido como lugar em si, senão em relação a um centro, aquele outro acima, superior – os acontecimentos artísticos frutos de criações locais, como o lançamento de um livro, a estreia de um filme, de uma peça de teatro, de um show, a abertura de uma exposição de artes plásticas... não são tidos como fatos históricos a merecerem registros, quiçá reflexivos. Nem reclamo que seja com algum entusiasmo, mas uma merecida efusão social ante um fato cultural que não é nada corriqueiro em um lugar como o nosso. Mas a coisa acontece como se não tivesse acontecido. Há muita pressa. Passam a página muito rápido, deixam de ver e sentir, quando as coisas são da cultura, como se a reduzissem ao entretenimento e suas operações negociais fugazes. Isto é de uma perversidade no sentido cultural contra e (só sentida por) quem é personagem desse enredo, o autor da obra ignorada. É por este quadro que tenho dito que somos, os do presente, criadores póstumos. Como foram os do passado. Parece existir uma vontade de viver a existência somente sobre o que já morreu. O que fazermos não é para o hoje, a forma sutil que encontraram para o desdém. Já vi esse filme. Vejo-o o tempo todo.
Não me refiro a falta de público. Público tem. Não é o da massa da indústria. Do tipo feito para o consumo pelo consumo. É o local. Qualquer dois e três serve. Ponto. Falo mesmo da ideia de um registro critico a merecer reflexão e diálogo com o tempo e lugar de sua criação. A obra se lança e não é percebida, não fica registro de como a sua geração vivente a recebeu, sentiu, a que lhe é imediatamente contemporânea. Registro de percepção/recepção que poderia advir também dos profissionais da academia, estes consagrados espaços de produção dos estudos e da critica estética (A Ufac tem potência para isso, os cursos de letras, música e teatro...), que parecem mais, quando se viram para este lado, adoradores de catacumbas e obituários, com seus heróis mortos. Adoram olhar as coisas de muito longe, o que um dia talvez tenha existido, lendas e mitos. Me refiro também aos meios de comunicação como a imprensa local e revistas especializadas. Falo do que não existe, mas que já existiu. Pressuposto dois.
O filme como uma obra de arte - Como um poço fundo de sentidos e(m) símbolos, signos, a compreensão de uma obra de arte, como um filme por exemplo, pode ir muito além dela em si como um artefato de narrativas, isto é, do seu enredo e também da sua forma que se nos apresentam na cara, expressos. É quando tudo nela está além dela e tem a ver, às vezes em uma profundidade estonteante, com o seu contexto cultural, político e social. É preciso assistir a um filme como se lida não com um objeto inerte e imperturbável, mas com um ser vivo do tipo complexo e enunciador a ocupar nossos sentidos com ideias de modo a remover eles das ralas superficialidades com que são manipulados ou até mesmo das suas inusualidades. É preciso tá cheio, mas de tampa aberta. Pressuposto três.
A invenção do nosso gosto dos outros - O gosto estético não é algo que brota natural, é uma aquisição cultural, uma montagem social. Aprendemos a gostar de cinema, a lidar com a sua linguagem, sua estética e discursos, se assistimos cinema. Saber que tipo de cinema é bom, interessante, provocador nos faz distinguir este tipo daquele que aprendemos a apontar como ruim, desinteressante, sem gosto. A objetividade da aprendizagem monotemática audiovisual se impõe à nossa subjetividade de potência pluritemática. Uma só cor é o que somos levados/ensinados a ver, enquanto a paleta fica esquecida na infância dos desenhos animados.
Pelo senso comum de certo tipo de ensino estético, tudo passa a ser ou isto ou aquilo. Isto que nos é familiar, aquilo que nos é estranho. Seguimos na reta do mono par opositivo, como nos tem sido ensinado: Ou é o bem ou é o mau. Ou é bom ou é ruim. Ou é feio ou é bonito. Ou é claro ou é escuro.
Não aprendemos a considerar juntos isto e aquilo tirando daí outra possibilidade como a do nem isto nem aquilo, mas outra compreensão, outra perspectiva, algo a se elaborar. Custamos a criar dentro dessa amarra pré conceitual, senão pré reflexiva, falo em um nível mais aprofundado de pensar, viver.
É que o isto - sempre em relação a algo como aquilo - já está formatado em nossa mente como a concepção a qual devemos ter firme e inabalada fé, como uma segura reprodução do tipo que nos guia, nos dar segurança, nos dando prazer.
Um filme sem o artista, o mocinho, o herói do bem (isto) em relação ao bandido, anti herói, do mau (aquilo) nos tira do esquadro da qualidade de uma narrativa fílmica ideal. Um filme sem um e outro não é filme. É uma coisa manca sem sustentação. Por isso, tanto sucesso a versão mais radical desse tipo que se impõe como ideal, que são, por exemplo, os blockbuster, os holiwodianos filmes grifes espetáculos de super heróis.
E assim, como expectadores devidamente programados, vamos ao cinema (saindo ou não de casa) para saber se a película se amolda à fôrma instalada em nosso formado gosto estético.
É que nos viciaram em arquétipos (no sentido mesmo de modelo originário), certos tipos massificados que nos uniformizam, a pensar a partir do cânone, do paradigma, do padrão, da referência a qual deve representar a nossa concepção estética, que caminha e se atualiza na moral (do bem contra o mau), de um mundo que advém exatamente desse aprendizado circular que não sai do mesmo lugar, da mesma cor.
Nesse sentido, o gosto estético mono moralizado se impõe quando o “dentro” se enrola com o “fora” se indistinguindo. Para ser mais exato arquetipicamente falando, é quando o “dentro” perde o duelo para o “fora”, sem alguma problematização. E a indistinção se formaliza quando a estética não redutora perde para a moral. Bingo! The end feliz!
Talvez isto possa explicar, em boa parte, o que vende na indústria do cinema e o que não. O que significa distinguir o que é produto da indústria e o que não é.
Não estou querendo com isso separar o bom do ruim. Não é isto que estou tentando dizer. Vou voltar ao começo. Seja o que for, o gosto estético é uma invenção social profundamente compromissada, nos tempos em que vivemos, com a indústria cultural de massa. Essa que costuma – esse é o seu negócio – formatar gostos, o que significa nos formar por arquétipos imagéticos, sonoros e narrativos para sermos consumidores e reprodutores de seus paladares. Pressuposto quatro.
O Pacha mama - O que fazemos aqui no Acre nesse campo do audiovisual não cabe no formato do artefato que a indústria se interessa e negocia. Esse princípio é válido em relação a todas as demais linguagens artísticas. Alguns atribuem a isso a incompetência de não se conseguir conformar-se ao padrão do colonizador. Coisa de péssimos copiadores, conscientes ou não. Isso é coisa que ora procede e ora não procede.
O Festival Pachamama se propunha a divisar – não à toa (é) era um festival que se diz(ia) de fronteira – no sentido de nos fazer perceber a existência de uma outra fílmografia que não à europeia e norte americana, a latino americana, cujos traços estéticos se apresentam distintos (inclusive intra território), fora do curso, do modelo, especialmente pela temática (coisas da vida latina) e objetivo (fazer pensar essas coisas sem distrair).
Já falei sobre isso que vou só tocar aqui: esse dito formato latino americano serviu ao longo do Pachamama também como um padrão ou sub padrão colonizador cuja estética o chamado cinema acreano ainda não conseguiu alcançar porque está condenado a carregar a velha alcunha de atrasado. É que estamos diante de uma cadeia colonizadora na qual o mais colonizado das espécies, o último marginal dela, não sobrevive pela visão dos centros das atenções. Muito embora vivo fora dele segue e teima. Pressuposto cinco.
Olhando as noites alienígenas - Ufa, consegui assisti ao consagrado filme vencedor do festival de gramado de 2023 – o Noites Alienígenas, de Sergio de Carvalho. Essa obra que tem sido tratada como acreana ou não.
O filme nos chega depois de passar pelos festivais mundo afora e Brasil não tão adentro e estrear em merecida noite de gala para seus convidados vips em uma das salas de cinema do shopping da cidade de Rio Branco e também no único espaço local da resistência do chamado cinema de arte, o Cine Recreio. Ufa, de novo.
Nunca uma obra de arte feita aqui levou tanto tempo para circular por aqui. O normal é estrear aqui e nunca mais tirar o pé justamente daqui. Mas o anormal é coisa do produto cinema quando está disposto e em condições de ocupar algum espaço comercial no mundo da indústria. É compreensível, por esta lógica, este guardado de tanto tempo para os locais, os ditos colonizados dependentes de reconhecimento externo de si e do que se apresenta como o gosto abençoado pelos expertos dentro e fora do mercado cultural. É comum por aqui se esperar o carimbo de qualidade de quem se diz saber mais.
Muito se discute - minto: não se discute quase nada por aqui – sobre a condição de um produto de arte ser ou não ser acreano. Se contém em sua substância o estatuto da acreanidade. Que é em parte folclorizada por governos ditos de esquerda, de centro e direita (os antigos e atuais lados colonizadores). O velho uso eleitoral das cores. O trivial se impõe e assim caminhamos para o óbvio: saiu daqui é produto local. Nasceu aqui já pode registrar como natural. E assunto encerrado. Por esse prisma, se pode defender naturalmente que a música de João Donato é acreana, do mesmo modo que as novelas de Glória Peres, as crônicas literárias esportivas de Armando Nogueira, as piadas do José Vasconcelos... só para citar os aclamados acreanos que despontaram no mundo das artes para além das fronteiras do aquiry. Será? Penso que não.
Na verdade, esse estatuto de pertencimento só é talvez reclamado daqui para lá. É de mão única. De lá para cá, nenhum deles é e cria arte acreana. Os personagens sabem disso. Todos fazem arte nacional. Lá tudo se universaliza e elimina o lugar que esteja fora do centro. Tornam-se ditos universais cria do brasilcentrismo das praças cariocas e paulistanas.
Outros consideram essa discussão uma bobagem. São os que defendem um caráter universal da obra de arte feita aqui, sem o qual não há qualidade. E o artista local, um cidadão do mundo. Localidade para eles é coisa de provincianismo e coisa e tal. Acontece que essa universalidade advém de algum lugar que se auto intitula universal. Vive-se em território dado e não no espaço acultural. Ou a cultura é o que transcende e paira no ar acima de tudo? E assim, como estamos circunscritos a um território dado (brasileiro), a uma língua única tornada oficial (a portuguesa) e a um povo (dito brasileiro a junção das três raças do colonialismo), a palavra de ordem é brasilidade, isto é, nação brasileira. Muito embora subsumido a isso grandioso estejam línguas, territórios e povos não reconhecidos (pelos marcos temporais que os expulsam da história), na prática, exatamente como constituinte da nação, da tal brasilidade. Pressuposto seis.
O coro e a grita dos descordantes - Alguém me disse que o filme foi salvo pelos atores. Que o enredo tem problemas. Que os personagens não estão maduros suficientes. Acho que posso senti falta de atores acreanos. Os atores e atrizes do teatro acreano, para ser mais preciso. Não servem para o cinema? Porque Karla Martins não fez a mãe? Onde está a música acreana dentro da sonoridade do que se assiste? É porque não existe ou não é boa? Como os filmes, as artes plásticas, a literatura, as fotografias... Porque Pia Vila não cantou sua própria música, a única representante da “cultura vira-lata” que toca quando passa os letreiros finais? A sonoridade da trilha tem a ver com o que se tem feito aqui nestes termos? Uma paisagem sem som? Para ficar só no que se considera inaudível. Mas não se pode reclamar do rap, do slam e do brega, suas atualizações locais, senão expressões acreanizadas e coisa e tal.
Assim como da leitura do outro sobre uma possível sonoridade local. Tudo é legítimo. Mas nada mais original que o ritual indígena (com a sua música, a sua língua, as suas imagens), se é para não reclamar da falta de algo tão próprio por estas bandas.
O personagem Alê canta Raul Seixas, acrescentado na letra nomes de povos indígenas do território acreano. Isso é música acreana? “Todo jornal que eu leio me diz que a gente já era...” – se é que foi! Eu sei que o desejo não é ser música acreana. Mas a adaptação passa a ideia de que não é possível cantar o aqui se não for pela dicção do outro. Uma tradução da adaptabilidade cultural com sucesso, ou melhor, montado no sucesso. “Eu conheço bem a fonte que desce daquele monte, ainda que seja de noites...”.
Cinema acreano? Por falar nisso - Noites Alienígenas se quer ser um filme acreano não pode fazer de conta que o cinema acreano não existe, isto é, não pode deixar de tocar nesse assunto que ele toca justamente pelo gesto da indiferença – quando nada do que diz respeito à história desse cinema invisível é colocado em questão na obra, como se quisesse inaugurar por si esse cinema aqui. Como se fosse o toque de midas a instaurar o cinema no Acre. Em termos, nesse sentido, vejo razão em Noites.
Talvez a afirmação do tipo cinema acreano ainda deva muito ao tempo para se firmar, se justificar. Como produto industrial, nem se fala. Como produto cultural ainda é um longo caminho. Como produto político, uma verdade. Fato. Como artefato da indústria pode ser, sim, o início – um fato isolado – um gesto histórico pelo reconhecimento vindo de fora do maior festival de cinema do Brasil. É a primeira vez que eles assistem algo com esse nome. É possível não se saber a respeito do que ainda se constrói. Do que ainda não se reconhece por dentro pelos de dentro. Do que ainda se evita. Não por isso, sendo isso um gesto de colonizado. É possível afirmar que algo não reconhecido socialmente exista? Para mim sim. Numa sociedade colonizadora sim. Por ela, é justamente o que ela não ver é que queima os olhos.
Um cinema a altura do mercado. Mesmo que seja o mercado limitado do chamado cinema latino americano, cuja circulação ainda se põe no limitado circuito de festivais, “a salvo” agora pelos streamings. O que resta da invenção daqui está acima da altura do mercado, porque não depende dele nem para nascer nem para andar, ora bolas. Por aqui é possível afirmar que o que não existe existe. Os alienígenas só não existem justamente porque existem.
Noites é filho do Festival Pachamama. Tem o seu DNA. Foi gerado ali, é do seu contexto, de sua estética, de seus desejos, muito mais que acreano, é de fronteira mesmo. Como seu autor. E as coisas acreanas não são? Não para lhe ignorar como tem sido usada a categoria universal com o mesmo fim. A fronteira é uma coisa e o Acre é outra. Não procuremos indistinguir para eliminar, tá bom?
Arte e poder na tela – Para a minha percepção, o cinema local é pouco afeito à história das relações de poder locais. A imaginação e a reflexão políticas não são os seus fortes tampouco os fracos, nem implícito nem explícito. O que se assiste nas telas daqui é um desviar determinantemente fugidio nesse aspecto.
De tal modo que a história do poder no Acre não pode ser possível tocada pela audiovisualidade. Nem mesmo os fatos mais gritantes (de apelo popular, espetacular), como a folclórica e bem manipulada politicamente narrativa da tal revolução acreana, também a do movimento dos seringueiros na década de 70 e a morte trágica de Chico Mendes, para ficar em três exemplos os mais impossíveis de se ignorar. Todavia se ignora. Quem faz cinema no Acre pouco se dispõe a enfrentar grandes narrativas como estas. Seja pelo apelo mítico, seja pelo crítico. O que não acontece com o teatro e a literatura, por exemplo. O teatro seria o melhor exemplo de uma arte que enfrenta a mentira oficial colonizadora de frente.
À Rede Globo foi dada a incumbência da ocupação e gestão, pela via do audiovisual, da historiografia oficial local. Para um pensamento critico local, a minissérie Amazônia: de Galvez à Chico Mendes, seria um belo contraponto. Todavia, quase todo mundo ficou na fila do marmitex ansiando participar da superprodução - sustentada financeira e ideologicamente em parte pelo Estado - para ser mero soldado coadjuvante das cenas de guerra contra os bolivianos. E o silêncio a respeito do audiovisual dessa obra continua a imperar lá se vão mais de 20 anos.
Para não dizer que não falei de qualidade ou a falsa questão da técnica - Ainda se acredita por aqui que no cinema a técnica está acima de qualquer coisa. Ela tanto possibilita como impede. Sem dinheiro para bancá-la, nenhum movimento, nem uma versão, nada, enquanto os celulares se prestam a ótimas selfies. O mais importante que o registro e o olhar crítico é o feito com os equipamentos de última geração, pelos quais se tem ótima luz, cor, brilho, som, efeitos... Armadilha de hollywood. Não é possível fazer cinema se não for como lá se faz. Armadilha da academia. Não é possível fazer cinema se não for pelas técnicas e teorias consagradas, inclusive no mundo underground do meio. Suponho que a história passa e a audiovisualidade local não vê.
A fuga do outro lado do rio da realidade – Nas noites, Rio Branco é reduzida a espaços a-estatais. Seja para o bem seja para o mal. Rio Branco é um mundo de bandidos sem polícia. É um mundo de desvalidos sem qualquer assistência social. Os problemas sociais parecem ser só conjunturais a se resolverem ali na miração (do indígena) ou na morte (do menino), no slam da comunidade do gueto da poesia marginal a se batalhar entre si. Não são estruturais, não são históricos. Tudo é no agora. O estado e o seu aparato policial, social, cultural e econômico não se apresenta na obra como personagem. O estado, esse dinossauro branco sentado no sofá da sala de tv é um ente inexistente na narrativa. As questões de todos os personagens não passam pelo crivo do poder (nem do politico, nem do capital, se é que podemos separar), senão pelos interesses personalíssimos e intrapessoais a se resolverem como se não existisse regra social (política e econômica), mas só aquelas produzidas por eles próprios.
Invariavelmente, os personagens sonham em sair, ir embora. Porque aqui, diz Alê, aqui é só solidão. Lugar do vazio? Tudo acontece porque tem que acontecer. Mãe e filho se acusam de nada fazerem diante de suas solidões. De seus vazios? A salvação indígena na cidade ou é a miração (do filho) ou é a igreja evangélica (da mãe) ou é um mundo alienígena (de Riva) ou é o slam dos jovens condenados à condição periférica. E as culpas são de quem participa dos eventos relacionados ao tráfico e as facções, senão dos alienígenas. Da “...solidão que fica e entra arremessando (todos) contra o cais.” Daí as condenações às peias e mortes entre si. Pá, pá, pá! Ainda vão continuar me ignorando, a dizer que eu não existo? Essa criatura verde e insustentável de tão profundamente alienígena?
Um comentário:
Um debate sócio-cultural-político, necessário no fazer artístico, no viver local, para quem está nos palco e na plateia.
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