domingo, 25 de agosto de 2024

O SACERDOTE ENTENDERA

Romeu Jobim (1927-2015)

 


Pelo menos uma vez por ano, vinha ao seringal. Quando chegava, era uma festa. Tiros se disparavam e, logo depois, os interessados em batismos, crismas, casamentos e outros ofícios religiosos iam também chegando.

Os serviços sacerdotais duravam cerca de uma semana. Às vezes, sendo grande a demanda, um pouco mais. Se a procura excedia à expectativa, ou alguém, por motivo sério, não podia comparecer, até pelo rumo casamentos e batizados se realizavam.

Pelo rumo? Sim, o simpático reverendo se certificava do local da morada do solicitante e, a mão estendida na direção indicada, praticava o ato pleiteado.

Ao fim de cada encontro com o rebanho, embrenhava-se na mata, em caçada que envolvia uma noite, pelo menos, em espera de caça grande, de hábitos noturnos. Sim, o dinâmico sacerdote, além da paixão pelo ofício, tinha outra: a das caçadas. Sem aquele e sem estas, não sabe se conseguiria sobreviver.

Uma feita, eu era garoto, vi, no campo, que alguém, de batina, provocava o touro. Era o padre, chegando. Como o animal partisse para o ataque, resolveu tourear, usando a própria batina. Mas o touro, que era manso, parece que o reconheceu e desistiu do confronto. Estava-me divertindo com ele, explicou.

Querido por todos, nunca faltava à assistência periódica. Mas uma vez não veio. Adoecera. Em seu lugar veio um padre desconhecido que, de saída, descartou a possibilidade de atos pelo rumo. Um absurdo!, disse. E duvidava muito de que seu colega os praticasse. Não parou por aí: por isso ou por aquilo, casamentos e batizados deixariam de ser feitos. No tocante ao batismo, por exemplo, queria saber a religião do padrinho.

Informado de que um padrinho era espírita, estrilou: não batizava o guri! Ora, o escolhido para padrinho era o próprio dono do seringal. Mas Pedro Félix (este o nome do pai da criança), falou ao candidato a compadre:

– Não se preocupe. Eu converso com ele e resolvo o caso.

Abordado, o sacerdote se manteve irredutível. Isso, enquanto outras dificuldades criava para os interessados nos atos sacros. Pedro era um homem quieto, mas decidido. Foi até o interior da casa e, na volta, teve nova conversa com o reverendo.

Falou-lhe ao pé do ouvido e o padre substituto logo se rendeu a seus argumentos, celebrando o batizado. Foi mais longe: praticou todos os atos que estava dificultando. Cumprida a pauta, não esperou o dia seguinte. Caçada? Nada disso. Deu uma desculpa e nunca mais retornou ao seringal.

Restabelecido, o padre preferido voltou à rotina de suas viagens e caçadas. Adolescente, fui estudar na cidade próxima e, nesta, pude conhecê-lo melhor. Seu fã clube, ali, também era grande. Mas era famoso, ainda, pelas histórias que contava, de caçadas e pescarias.

Anos decorridos, em uma volta que o mundo deu, tornei à cidadezinha de meus pagos. Perguntei pelo velho sacerdote. Fora para os Estados Unidos e ali se dedicava à publicação de histórias fantásticas, relacionadas com índios, caçadas e pescarias, que vivenciara na selva amazônica. Alguns livros seus me foram, então, mostrados. Também nos States tornara-se celebridade.

Curioso, talvez o leitor queira saber o dito por Pedro Félix ao sacerdote que, uma feita, o substituiu. Pedro nunca revelou. Mas D.ª Marocas, velha danada para ouvir atrás das portas, costumava contar que, calibrado por generosa dose de pinga, Pedro simplesmente abotoou o padre substituto pelo colarinho da batina, mostrou-lhe o punhal à cinta e segredou-lhe:

– Escuta, padre podre, vai já batizar meu filho, com o padrinho que eu escolhi, senão meu punhal vai ver o que há por baixo dessa batina fedorenta, está entendendo?

Prudente, o sacerdote entendera.

 

JOBIM, Romeu. Entre crônicas e contos. Brasília: Centro Editorial, 2011. p. 126-128

domingo, 18 de agosto de 2024

AVELINO DE MEDEIROS CHAVES

Avelino de Medeiros Chaves in A Exploração da Hévea no Território Federal do Acre, Rio de Janeiro, 1913

Filho do coronel Guilhermino José de Medeiros Chaves e D. Antonia Gracindo de Medeiros Chaves, nasceu a 4 de novembro de 1875 no povoado Sítio do Meio, município de Propriá, e faleceu no dia 2 de junho de 1919 em San Sebastian, no reino da Espanha. Muito moço entregou-se à vida ativa do trabalho. Aos 17 anos retirou-se para o Pará, em cuja capital se empregou no comércio; mas atraído pela carreira militar, abandonou o balcão para verificar praça no Rio de Janeiro, tendo como aluno da Escola Militar prestado relevantes serviços ao Governo na revolução federalista de 1893.

Promovido a oficial por decreto de 8 de novembro de 1894, desligou-se das fileiras do Exército em 1899 por ter sido reformado no posto de 1º tenente, deixando de moto próprio de receber daí por diante os vencimentos da reforma. De volta ao Norte do país, concluiu o curso de agrimensura em Belém do Pará, de onde pela primeira vez partiu em viagem para o território do Acre. Dotado de distintas qualidades, cativante no trato social, acessível e generoso, facilmente insinuou-se no espírito do povo acreano, em cujo seio contava dedicados amigos e muitos admiradores Nas lutas pela reivindicação acreana contribuiu com o melhor do seu esforço para, de armas na mão ao lado dos patriotas Plácido de Castro, Gentil Norberto e outros, libertar do domínio estrangeiro grande parte do território brasileiro. Terminada a patriótica aventura e restituído à vida pacífica de sua profissão, internou-se na região do Jacó, onde após perigosa exploração fundou a margem direita desse rio a vasta propriedade Guanabara, na qual se estabeleceu definitivamente em 1900, resolvido a empregar toda a sua atividade na indústria extrativa da borracha. Foi demarcando terras e cultivando seu extenso seringal que chegou a acumular uma avultada fortuna superior a 2 mil contos, e destarte tido como o mais rico proprietário daquela zona.

Incansável advogado na defesa dos legítimos interesses do território, dirigia-se anualmente à capital do país para pugnar junto aos seus amigos do Congresso pela autonomia do Acre. Por três vezes prefeito do Departamento do Alto Purus, promoveu na sua profícua administração notáveis melhoramentos, tais como a criação da Escola Agrícola “Assis Brasil”, a estrada entre Sena Madureira e a Boca do Macauã e daí a São Bento, a disseminação do ensino público, a construção do varadouro da estrada do Xaburena ao rio Caeté e outros. Como prêmio pela sua ação benéfica em prol do desenvolvimento progressivo da Amazônia, apenas recebeu dos poderes públicos a patente de coronel da Guarda Nacional e da política regional a presidência da Comissão Executiva do Partido Republicano do Alto Purus.

Escreveu:

– A exploração da hévea no Território Federal do Acre: monografia apresentada à Exposição Nacional da Borracha. Um volume com várias fotografias, a carta geográfica do Acre, segundo o Atlas Homem de Melo, e um Anexo. Rio de Janeiro, 1913, 112, XX págs. in. 8º. Lth. Turnauer & Machado

– Memorial em favor da redução dos excessivos impostos que atualmente gravam a borracha do Acre, apresentado à comissão de finanças da Câmara dos Deputados pelo proprietário de seringais naquela região. No “Jornal do Comércio”, Rio de Janeiro, de 28 de setembro de 1915.

– Necessidades capitais da Amazônia: conferência realizada na Sociedade Nacional de Agricultura do Rio de Janeiro na sessão de 18 de novembro de 1918, sob a presidência do Dr. Miguel Calmon. Rio de Janeiro, 1918, 1-6 págs. in. 8º. Tipografia da “Revista da Época”. Publicada anteriormente no “O País”, de 21 de novembro, no “Estado de Sergipe” de 8 a 15 de dezembro do mesmo ano, no “Jornal do Comércio” de Manaus, de 18 de janeiro e na “Gazeta do Purus” de Sena Madureira, de 30 de janeiro a fevereiro de 1919.

 

GUARANÁ, Armindo. Dicionário Biobibliográfico Sergipano. Rio de Janeiro: Pongetti, 1925.