terça-feira, 31 de agosto de 2010

O LEGADO DE CRAVEIRO COSTA AO ACRE ANTIGO

Isaac Melo


Hospital de São Vicente. Maceió. O relógio da sala marcava 10 horas e 30 minutos. O dia era 31 de Agosto. 1934 era o ano. Naquela manhã, Craveiro Costa havia saido, como de costume, para o trabalho. Encontrava-se no Gabinete do Tesouro do Estado de Alagoas. Sentiu um desconforto no peito, uma nuvem turva a lhe envolver. Momentos depois, no hospital, familiares e amigos choravam ante o corpo desfalecido do então diretor do Departamento de Produção e Trabalho do Estado.

A história do Acre é uma miscelânea de outras pequenas histórias, cujos protagonistas vão de gentes simples e anônimas a personagens marcantes da história brasileira. Pessoas que por motivações diversas ali foram se estabelecer. Nessa amálgama de gentes e histórias se sublinha o nome do alagoano João Craveiro Costa.

Craveiro Costa
Nascido em Maceió, a 22 de Janeiro de 1871 (4?), Craveiro Costa se inscreve na história daqueles que ao descender de família pobre consegue alcançar um alto prestígio social. Ao perder o pai muito cedo, teve que deixar os estudos para ajudar a mãe e o fez como caixeiro-servente de uma casa comercial. Era estudioso, afeito à leitura. E logo ascendeu profissionalmente. Ainda jovem começou a escrever nos jornais de Maceió tornando-se um jornalista audacioso, planfetário que nas páginas do famoso e histórico jornal alagoano “Guttemberg” tomaria a defesa do que os seus opositores chamavam de “Oligarquia Malta”.

Aos 26 anos teve que deixar seu estado. Estabeleceu-se, primeiramente, em São Paulo, e logo após Rio de Janeiro. Passou a trabalhar como guarda-livros em vários estabelecimentos comerciais. Retornou a Alagoas para novamente deixá-la, a 19 de Fevereiro de 1903, com destino à Manaus. Ali demora pouco e retorna mais uma vez a seu estado. Devido seus conhecimentos em Contabilidade passa, então, a trabalhar, respectivamente, na Contadoria da Recebedoria Central, e na Contadoria Geral do Estado. É a partir de então que Craveiro Costa passa a ser uma referência em relação a temas como Economia e Estatísticas.

Laura Guimarães Passos e Craveiro Costa
A relação de Craveiro Costa com o Acre se afirma, ainda mais, a partir de 1910 quando recém-casado com sua conterrânea Laura Guimarães Passos destinam-se à cidade de Cruzeiro do Sul, onde estabelecem residência. Todavia, dois anos depois a senhora Laura Passos viria a falecer ao conceber o primeiro filho. Tempos depois, Craveiro Costa contrai segundo matrimônio, a 11 de dezembro de 1915, com a também viúva Adelaide Sampaio Figueiredo, acreana, com quem viveria até os últimos dias.

Os anos em que permaneceu no Acre, Craveiro viveu-os com intensidade na vida pública, política e intelectual. Num tempo em que escola era artigo de luxo e dela poucos podiam desfrutar e quase inexistia Craveiro Costa ajudou a fundar os primeiros grupos escolares do Juruá. Da educação, no Acre antigo, muito se ocupou o alagoano. Assim, em 05 de Março de 1907 era nomeado Inspetor Escolar do Departamento do Alto Juruá; em 29 de Dezembro se tornaria lente de História Universal e diretor do Liceu Afonso Pena; também ocuparia, entre Março de 1912 a Abril de 1913, o cargo de Secretário Geral do Governo do Departamento; de 1913 a 1917 desempenharia a função de Inspetor de Instrução Pública; e em 15 de Outubro de 1919, assumia a direção do Grupo Escolar Brasil.

Adelaide Sampaio,
segunda esposa de Craveiro Costa
Assim que o Acre foi incorporado ao Brasil iniciou-se a luta pela sua autonomia política, o que se tornaria uma realidade muitas décadas depois, junho de 1962. Com esse fim, em 1907, foi fundado o Partido Autonomista Acreano, do qual mais adiante Craveiro Costa iria fazer parte. Integrando o Partido Autonomista do Alto Juruá Craveiro funda o jornal O Estado – órgão oficial do Partido e do qual permanece como diretor até deixar o Acre. O primeiro número saiu a 12 de Agosto de 1916, com conteúdo político, noticioso e literário. Craveiro Costa também esteve à frente, como redator, do jornal O Cruzeiro do Sul, o segundo jornal na história de Cruzeiro do Sul, que havia sido fundado pelo então prefeito coronel Thaumaturgo de Azevedo, como órgão oficial do governo Departamental, em 1906.

Craveiro foi uma ardorosa voz que se ergueu a favor da autonomia acreana. E assim o veremos, em Junho de 1910, quando se torna o advogado do Departamento do Alto Juruá ao compor a célebre comissão da qual fazia parte também Francisco Riquet e Alfredo Teles de Menezes, cuja missão era esclarecer as autoridades brasileiras a respeito da situação acreana.

Muitos outros fatos e contribuições se registram da presença de Craveiro Costa em terras acreanas. Mas aquele, sobretudo, pelo qual será lembrado e merecerá figurar na historiografia acreana se dará a partir de 1922, ano em que retorna, definitivamente, para Alagoas a convite do então governador Fernandes Lima. Na bagagem, Craveiro leva a experiência dos anos vividos no Acre e a profunda dedicação e identificação com o povo e sua causa, que será expresso de modo admirálvel em O Fim da Epopéia, assim chamada a primeira edição, de 1924, de A Conquista do Deserto Ocidental.

O livro surgiu a partir de uma série de artigos intitulados “A Conquista do Deserto Ocidental”, publicados por Craveiro a partir de 1922 no Jornal de Alagoas. Não se trata de uma interpretação, propriamente, é antes uma apresentação de fatos históricos que o autor realiza. Uma apresentação apologética à causa acreana e um discurso ferrenho e combativo às autoridades federais que deixavam o povo acreano à mercê do descaso e abandono.

É comum olhar desconfiado para certos “defensores” do Acre antigo, pois geralmente visavam seus próprios interesses ou a consolidação e monopolização do poder. No entanto, é necessário que se faça justiça a Craveiro. No Acre não fez fortunas. Chegou, permaneceu e retornou pobre para sua terra. Morava numa modesta casa construída sob um morro, tão comum na geografia de Cruzeiro do Sul. Não possuía terras, nem seringais. Fora no Acre tão somente educador, funcionário público, literato, jornalista. Afeito a família como era, quis apenas retribuir à terra que gerou seus filhos um pouco de sua gratidão.

Muitos ignoram, todavia, é Craveiro Costa uma das primeiras vozes a se levantar no Acre em defesa do seringueiro escravisado e a denunciar a formação de grandes latifúndios que exploravam e provocavam a fome, a morte e o desespero de famílias humildes. Ele é vibrátil na defesa do Acre. Paulo Silveira, que esborçou uma biografia do autor, ressalta que o livro é um hino que canta a liberdade, impugna a injustiça, combate a corrupção.

Era um homem afeito às letras. Escreveu obras de grande valor histórico como a obra biográfica “O Visconde de Sinimbu” (1937), uma verdadeira lição de história brasileira, sem exageros e paixões, cujos exemplares logo se esgotaram e hoje é raridade. O mesmo se pode dizer de “História das Alagoas”, considerado um dos melhores trabalhos já feitos sobre o Estado. Enfim, Craveiro deixou uma obra de grande valor histórico, sociológico e humanístico demonstrado por um acurado senso de pesquisa e por uma sensibilidade aos problemas sócio-econômicos.

Assim foi Craveiro Costa, um homem que se dedicou ao jornalismo, a literatura, ao serviço público, deixando-se guiar sempre pela ética e os valores, os quais expressou na defesa dos camponeses do Acre (seringueiros) e de Alagoas (colhedores de algodão). Quando de sua morte era um nome de referência em assuntos relativos à Economia, Estatísticas e Contabilidade em todo o Estado. É tanto que, ali, ao redor de seu féretro encontravam-se gente simples e as mais eminentes autoridades da intelectualidade e da política alagoana.

O menino que começou a vida como caixeiro-servente se tornaria um personagem relevante na história de dois estados, e ajudaria a escrever um capítulo importante na história, tanto de Alagoas como na do Acre. O pensamento de Craveiro Costa resiste como testamento e testemunho. Testamento de amor as duas terras que habitou e defendeu. Testemunho de uma época que ficou registrada por meio de seus escritos, e que nos permite, hoje, contemplá-la, tal como filme antigo, saudoso e pujante.

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REFERÊNCIAS

SILVEIRA, Paulo de Castro. Craveiro Costa. Maceió: Sergasa, 1983.
COSTA, Craveiro. A Conquista do Deserto Ocidental. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974.

6 comentários:

Palazzo disse...

Meu amigo, que resgate. Valeu pela informação. Adorei.
grande abraço
Palazzo

Unknown disse...

Caríssimo Isaac,

Esse teu trabalho é belíssimo, precioso. Fiquei feliz ao lê-lo, está escrito com muita propriedade, sabedoria, denotando pesquisa, zelo, responsabilidade com a informação, a história. Você deveria está escrevendo para um grande jornal. Talento não te falta. Depois, você escreve muito bem.
Sou tua fã, estou encantada com a matéria. Linda!!!

Abraços,
Profa. Luísa Lessa

Unknown disse...

Caríssimo Isaac,

Esse teu trabalho é belíssimo, precioso. Fiquei feliz ao lê-lo, está escrito com muita propriedade, sabedoria, denotando pesquisa, zelo, responsabilidade com a informação, a história. Você deveria está escrevendo para um grande jornal. Talento não te falta. Depois, você escreve muito bem.
Sou tua fã, estou encantada com a matéria. Linda!!!

Abraços,
Profa. Luísa Lessa

Unknown disse...

Gente, eu sou tataraneto do João Craveiro Costa. Resido no RJ atualmente. Como faço para entrar em contato para visitar?

Unknown disse...

Ao tataraneto, entre em contato pelo pelo meu e-mail almaacreana@gmail.com, a partir daí te repasso o meu contato telefônico.

Paulo José da Costa disse...

estou com exemplar de O FIM DA EPOPÉA, Notas para a história do Acre, da Typographia Fernandes, de Maceió, e a data é de 1926. Com um abraço aqui do Paraná.