sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

INSONDÁVEIS MISTÉRIOS

Profª. Inês Lacerda Araújo*


O título acima é um pleonasmo, todo mistério é insondável ou não seria mistério. O adjetivo "insondável" acentua o traço essencial de tudo o que é misterioso: a impenetrabilidade. A filosofia indaga sobre a origem de todos os seres, as respostas dos filósofos servem para satisfazer em parte nosso desejo por verdade, por sentido, pela vontade de imprimir a nossos atos e nossa vida de modo geral, algo de mais estável, que preencha vazios, que alente nosso cotidiano e que inspire prosseguir, sem esmorecer.

Alguns conseguem essa plenitude, o mistério é por eles absorvido pela fé em Deus, pela resolução de problemas da matemática, pela reflexão filosófica, pelo empenho em realizar um projeto social, pela busca interior de um tipo de ajuste entre seus desejos, prazeres, emoções, frustrações e perdas.

Um empresário se ocupa de seus negócios, tem uma responsabilidade enorme em suas mãos. Um médico se preparou para uma missão, cuidar da vida. Um motorista de ônibus precisa de habilidade (e sorte) para conduzir vidas até seu destino. Mas pensem em uma manicure! Ela lida com algo aparentemente banal e superficial, mas também ela tem uma habilidade, e como em tudo na vida, precisa que séries de variáveis contribuam para o bom resultado de seu trabalho - desde os produtos que ela usa, até chegar todo dia no emprego e para isso depender de horário, de transporte, de disposição, de planejamento, etc., etc.

Todos precisamos lidar com o dia a dia e para todos há uma espécie de busca de sentido. O matemático acima referido, que resolve intrincados cálculos, e o povo de uma tribo que precisa contar dias e noites, suas colheitas, o número dos animais que possui, em que eles diferem?

O empresário e a manicure, em que eles diferem?

O médico e o motorista, em que eles diferem?

Ou seria preciso buscar os pontos pelos quais todos nos assemelhamos?

Somos alma cujas ideias estão aprisionadas a um corpo (Platão); animais racionais, animais políticos (Aristóteles); somos capazes de uma luz, de uma iluminação interior (Sto Agostinho); porque pensamos, existimos (Descartes); alçamos à condição de livre decisão (Kant); nossa vida é dor e sofrimento (Schopenhauer); a existência humana é sem razão, ainda assim somos condenados às livres decisões (Sartre); em cada ato nosso, há a marca de uma cega pulsão (Freud). Quem somos e o que fazemos de nós, esses "caniços pensantes" (Pascal)?

Para todos, em toda a parte, nasce o sol, o dia começa, e mistério dos mistérios, quer se resolvam ou não grandes ou pequenos problemas, ninguém sabe ao certo se e como esse dia terminará.

Sequer se sabe com certeza se o sol nascerá, diria Hume. Então, para que tanto corre corre?

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* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e doutora em Estudos Linguísticos.

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