Salvador – Bahia –
1945
Para Cléo Braga, Ruy Barata e
Clóvis Ferro Costa,
meus camaradas de
Terra Imatura
de homens sufocados
Emergindo na
folhagem
Suores ardentes
e gelados
nos braços amantes.
As árvores gigantes
de longa ramaria
e cortinas de cipó
Estão velando
a terra e água
dos frios igapós.
As lutas escondidas
dos homens
inocentes
e vidas inquietas.
Nasceu sensível
o canto que vem
da mata
para o meu coração.
Nos braços tremendo
no arrepio
misterioso
da febre fatal.
Nos gritos
das terras caídas
se dissolvendo nas
águas.
Na seiva invisível
crescendo
nas forças
inúmeras.
O perfume da selva
entranhado perfume
do teu corpo, com o
cheiro
Das coisas
primitivas,
das frutas que não
matam fomes
e que germinam para
a terra.
Os sonhos doentes
inquietos
sofridos,
delirantes.
Adolescente
meu olhar seguiu a
marcha
do grande rio.
Descansou
na tranquilidade
dos imensos lagos
perdidos.
Penetrou na terra
descobrindo o
mistério
das matas escuras.
Meu olhar se perdeu
com todos os tons
de todas as cores
na plumagem dos
pássaros
nos céus
Nas escamas dos
peixes
de todos os rios.
Meu olhar seguiu
até a origem das
lendas
mais antigas
Pousou no teu rosto
de menina com todos
os segredos
Via as grandes
árvores
como braços inúteis
se levantando
As grandes árvores
antigas
que me fascinavam
E o deserto verde
em longo sono
de força
adormecida.
Ouvia soar o
acalanto
na voz da seiva
O canto da sombra
seduzindo
os meus ouvidos.
Escutava a tristeza
do canto da terra
soando obscuramente
A sedução
da sombra tranquila
ao corpo cansado.
Sem repouso
estava na terra
verde
o caminho
inevitável.
Os homens
solitários
chegavam de longe
dos confins
Nas bocas traziam a
sede
e no olhar apenas
aflições.
Solitários homens
na floresta
homens esquecidos.
A imensidão da
terra
grande demais nos
passos
lentos que
caminham.
Os donos das matas
ficaram donos
dos homens.
No sacrifício
primitivo
ofertaram o sangue
das árvores.
Era o ritual selvagem
da extração
continuando pelo
tempo.
Das árvores feridas
escorre o sangue
branco
Latex, leite amargo
derramado.
***
O Rio correndo
e a terra caindo
nas águas que vão
no rebojo rolando
a terra afunda
e tudo se perde
no rio que inunda
As casas, trapiches
canoas, marombas
levadas na correnteza
no banzeiro boiando
os troncos
arrancados
canoas perdidas
resto das casas
destroços
arrastados
das terras caídas.
A batida vem vindo
dos pontos diversos
vem vindo ecoando
nos galhos fechados
O homem na mata
na grande mata
enorme, escura
Tão só, tão cheio
de pavor
Em cada ramo
em vão procura
o trágico sinal
do Batedor
De onde vem?
Não vem dos
pássaros
Não vem da terra
Não vem dos ares
porque nasceu das
águas
De onde vem?
Mal silencia
a última batida
Ouve-se ainda
o estrondo solene
da terra caída.
***
O grande frio
chegou violentamente
O grande frio
que fará escorrer
pelo corpo todo
o suor umidecente,
Estendido,
delirante
Na hora do calor
na onda de fogo
Na terra quente
o tremor convulso
do homem abandonado
e sem remédio
E em ele que seria
da paisagem
como terra
abandonada?
Os novos rumos
vão nascendo
das suas vidas.
Múltiplos os braços
o mistério das
selvas
ficará apenas na
memória.
Desceu na sombra
misteriosa
e seguiu os
líquidos
caminhos
e chegou aos bordos
do grande mar.
A poesia
das distâncias
apagadas
O clamor das águas
despenhadas
A voz dos
precipitados rios
nas quedas das
cocheiras
cavando os leitos
dos rios profundos
rios perdidos
serão caminhos
encontrados
de todos os navios.
Águas múltiplas
que nascem
Águas todas
de todas as cores
Águas negras do Rio
Negro
Águas brancas do
Rio Branco
Águas amarelas do
Amazonas
Correndo apagadas
nas eternas sombras
No abandono das
distâncias
Rolando clamam
as forças
desperdiçadas
Vencidas enfim
as águas todas
se confundem
Absorvidas do mar
No grande mar
final.
***
O rio é um grande
braço
estendido
envolvendo a terra
As canaranas
murmuram
monótonos gemidos
O silêncio pelos
estranhos
ruídos perturbado
Em tudo espalha
a tristeza
das coisas
abandonadas
E porque esqueci
a tua lenda
e teus mistérios
Eu escrevo a grande
profecia
Sei que serás
um rumo na terra
E que visíveis
caminhos
para ti conduzem
E sei que
permanecerás
E que à claridade
real
de um novo dia
a outra vida está
nascendo.
As velhas lendas
inúteis
estão esquecidas
todo o mistério
está morrendo
As cidades
apagarão o verde
do grande deserto
Do Inferno Verde
a outra vida
surgirá
na planície
transformada.
ROCHA, Carlos
Eduardo da. Poemas de Vário Tempo 1945-1985. Salvador: Edições O ViceRey, 1985.
p.3-20
Carlos Eduardo da
Rocha nasceu em Brasiléia, no Acre, em 1918. Professor de história das artes,
crítico e incentivador das artes plásticas, Carlos Eduardo atuou em várias
frentes: fundou uma importante galeria de arte que, por muitos anos, foi centro
constelar da arte moderna na Bahia, dirigiu o Museu de Arte da Bahia, então
instalado no Solar Góes Calmon, hoje sede da Academia de Letras. Descendente de
uma família de jornalistas, artistas e criadores, Carlos Eduardo da Rocha foi
acolhido pelo mundo intelectual baiano. Odorico Tavares, o poeta e então todo
poderoso comandante dos Diários Associados na Bahia, Luís Viana Filho, Jorge
Amado e outros foram apenas algumas das amizades que asseguraram a Carlos
Eduardo um lugar de destaque na vida intelectual baiana. Conselheiro de Cultura
do Estado, durante mais de vinte anos, Professor Emérito da Universidade,
Membro do Instituto Geográfico e Histórico, imortal da Academia de Letras da
Bahia, personalidade agraciada com a Medalha Machado de Assis, da Academia
Brasileira de Letras.
Mais sobre CARLOS
EDUARDO DA ROCHA aqui:
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