Edmilson Figueiredo
O balcedo desce o
rio.
Os pássaros fogem
atemorizados.
Nem a onça pintada
resiste ao impacto,
olha espritadamente
e foge mata a dentro.
Junto a eles, a
escuma desce dando sinal de vazante.
O boto acompanha a
ubá rio acima;
bigodes d’água saem
da proa pras margens,
concretizando uma
imagem de ornamentação fabulosa.
Os blocos verdes
naturalmente confeccionados,
aqui, acolá,
enfatizam botões amarelos e lilás,
projetando-se
suntuosamente num colorido incandescente,
dando mais beleza
mostrando este encanto ao mundo.
É o pau-ferro,
pau-d’arco, castanheiro, seringueira...
Robustecendo este
palco maravilhoso,
e deixando cair
suas lágrimas nesse rio turbulento e caudaloso,
que o homem agita
com barulho de barcos como acontece.
O eco desta
desgraça de som grave,
que é uma lata
velha apelidada de “motor”;
distancia-se
prolongando por toda parte,
quebrando o
silêncio com o barulho infernal.
Uns macacos se
coçam impacientemente,
outros, penduram-se
nos cipós jogando-se galho a galho.
Bem fazem eles em
não poder falar,
e somente com
gestos transmitem a mensagem dirigida.
Papagaio,
periquito, sanhaçu, anum, uirapuru...
Espantadamente piam
sem cessar.
É a figura não
harmônica que passa,
uma fera
conscientizada: O HOMEM!
Fico atento a todo
sacado,
na sensação de ver
o sol declinar no horizonte;
mas, nesse mundo
fascinante nem percebo,
que há momentos
atrás era noite.
O barco entrou num
remanso a toda velocidade,
e o rebojo jogou-nos
pra cima da gargalhada do arvoredo espesso.
O barco subiu
bruscamente na vertical,
e a água sucumbiu à
popa com ar de esfomeada.
E na esperança de
prolongar a vida,
os garranchos
serviram-nos como salva-vidas.
Deste modo então,
tornaríamo-nos autênticos animais,
como realmente
somos, agora como nunca.
A frescura suave
daquela água barrenta,
fez-me sorrir agradecidamente.
Tripulantes nadavam
pras margens,
outros, acompanharam-me
na rota contrária.
A mucura regouga
barranco acima atrás duma presa;
a sucuri chocalha
atemorizando a todos;
a garça gasna
levantando voo...
retornando assim a
natureza impondo seus meios. p.113-114
LIXO EPLODIDO
Raimundo!
Onde está o resto
do mundo?
No brejo que o sapo
ronca,
ou na favela que o
homem berra?
...na lama, sempre
imundo
raimundo... p.37
UNHA DE FOME
Lembrei-me que
existem
os dias
as horas
os instantes...
Sei que existo
existo pra você
você existindo.
Finalmente percebo
que existes
existes para o
mundo
mundana...
Mundana passageira
talvez faceira...
Sinto o espaço
longo
neste tempo
curto...
Findará
escapando...
Água foges sem que
eu queira!
Será minha mão que
não é ágil?
que não tem forma?
que é tão frágil?
que se deforma?
É... É... É... você
água flácida.
Experimentarei
lançar-te em um labirinto
opaco
sólido
rígido
espesso...
Mas, não
aguentará...
colidirá...
até furar.
Não vejo miragem
vejo grande manada
no centro...
Cheguei!... no...
no... CENTRO
broto
urbano
talvez torto
talvez humano...
Broto de semente
esquerda.
Urbano esquerdo
broto,
esquerdo... talvez
torto...
esquerdo talvez
humano.
ILHADO. p.65-66
REALIDADE
FANTÁSTICA
Em
um passo
aperta
um laço,
sem
que ate;
E
o laço
aperta
o passo,
sem
que sinta;
É
sim...
Veja
a realidade
como
tem que ser,
seja
um bom homem
cumpra
o ser dever...
A
gente nasce,
vive
e morre
em
realidade...
Veja
a fantasia
da
felicidade!
Um homem feliz!
E o passo no laço.
Bom homem liberto!
Se falas te ato...
p.69
RAZÃO TURBULENTA
Tirei das grades da
essência,
essa loucura
trepidadora do eu.
E batendo ponta de
prego com a cabeça
do dedo calejado,
com tudo a se suceder.
Tenho sonhos com
serpente e faço-as
minhas musas frenéticas
em fadas.
Vejo o mundo em
forma de homem
e o homem vestido
de mundo.
Tomo por base as
alucinações, dando
sequência a
deformação da vida.
Mas, preocupa-me a
roupa do homem.
Talvez morri ao
nascer. Mas, o gosto arenoso
desse fel
açucarado, que deixa-me saborear:
a letra da folha do
livro que é o mundo. p.75
FIGUEIREDO,
Edmilson. Temas icásticos: poemas. Brasília: Gráfica do Senado, s/d.
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