sexta-feira, 2 de agosto de 2019

TEMAS ICÁSTICOS: poemas de Edmilson Figueiredo

EPOPEIA NA ACRAZÔNIA
Edmilson Figueiredo

O balcedo desce o rio.
Os pássaros fogem atemorizados.
Nem a onça pintada resiste ao impacto,
olha espritadamente e foge mata a dentro.

Junto a eles, a escuma desce dando sinal de vazante.
O boto acompanha a ubá rio acima;
bigodes d’água saem da proa pras margens,
concretizando uma imagem de ornamentação fabulosa.

Os blocos verdes naturalmente confeccionados,
aqui, acolá, enfatizam botões amarelos e lilás,
projetando-se suntuosamente num colorido incandescente,
dando mais beleza mostrando este encanto ao mundo.

É o pau-ferro, pau-d’arco, castanheiro, seringueira...
Robustecendo este palco maravilhoso,
e deixando cair suas lágrimas nesse rio turbulento e caudaloso,
que o homem agita com barulho de barcos como acontece.

O eco desta desgraça de som grave,
que é uma lata velha apelidada de “motor”;
distancia-se prolongando por toda parte,
quebrando o silêncio com o barulho infernal.

Uns macacos se coçam impacientemente,
outros, penduram-se nos cipós jogando-se galho a galho.
Bem fazem eles em não poder falar,
e somente com gestos transmitem a mensagem dirigida.

Papagaio, periquito, sanhaçu, anum, uirapuru...
Espantadamente piam sem cessar.
É a figura não harmônica que passa,
uma fera conscientizada:  O HOMEM!

Fico atento a todo sacado,
na sensação de ver o sol declinar no horizonte;
mas, nesse mundo fascinante nem percebo,
que há momentos atrás era noite.

O barco entrou num remanso a toda velocidade,
e o rebojo jogou-nos pra cima da gargalhada do arvoredo espesso.
O barco subiu bruscamente na vertical,
e a água sucumbiu à popa com ar de esfomeada.

E na esperança de prolongar a vida,
os garranchos serviram-nos como salva-vidas.
Deste modo então, tornaríamo-nos autênticos animais,
como realmente somos, agora como nunca.

A frescura suave daquela água barrenta,
fez-me sorrir agradecidamente.
Tripulantes nadavam pras margens,
outros, acompanharam-me na rota contrária.
A mucura regouga barranco acima atrás duma presa;
a sucuri chocalha atemorizando a todos;
a garça gasna levantando voo...
retornando assim a natureza impondo seus meios. p.113-114


LIXO EPLODIDO

Raimundo!
Onde está o resto do mundo?
No brejo que o sapo ronca,
ou na favela que o homem berra?
...na lama, sempre imundo
raimundo... p.37


UNHA DE FOME

Lembrei-me que existem
os dias
as horas
os instantes...

Sei que existo
existo pra você
você existindo.

Finalmente percebo que existes
existes para o mundo
mundana...

Mundana passageira
talvez faceira...

Sinto o espaço longo
neste tempo curto...
Findará escapando...

Água foges sem que eu queira!
Será minha mão que não é ágil?
que não tem forma?
que é tão frágil?
que se deforma?
É... É... É... você água flácida.
Experimentarei lançar-te em um labirinto
opaco
sólido
rígido
espesso...

Mas, não aguentará...
colidirá...
até furar.

Não vejo miragem
vejo grande manada no centro...
Cheguei!... no... no... CENTRO
broto
urbano
talvez torto
talvez humano...

Broto de semente esquerda.
Urbano esquerdo broto,
esquerdo... talvez torto...
esquerdo talvez humano.
ILHADO. p.65-66


REALIDADE FANTÁSTICA

Em um passo
aperta um laço,
sem que ate;

E o laço
aperta o passo,
sem que sinta;

É sim...
Veja a realidade
como tem que ser,
seja um bom homem
cumpra o ser dever...

A gente nasce,
vive e morre
em realidade...
Veja a fantasia
da felicidade!

Um homem feliz!
E o passo no laço.
Bom homem liberto!
Se falas te ato... p.69


RAZÃO TURBULENTA

Tirei das grades da essência,
essa loucura trepidadora do eu.
E batendo ponta de prego com a cabeça
do dedo calejado, com tudo a se suceder.

Tenho sonhos com serpente e faço-as
minhas musas frenéticas em fadas.
Vejo o mundo em forma de homem
e o homem vestido de mundo.

Tomo por base as alucinações, dando
sequência a deformação da vida.
Mas, preocupa-me a roupa do homem.

Talvez morri ao nascer. Mas, o gosto arenoso
desse fel açucarado, que deixa-me saborear:
a letra da folha do livro que é o mundo. p.75


FIGUEIREDO, Edmilson. Temas icásticos: poemas. Brasília: Gráfica do Senado, s/d.

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