Romeu Jobim nasceu
em Campo Esperança, então município de Rio Branco, Acre, em 25 de fevereiro de
1927, filho de Armando de Oliveira Jobim e Francisca Barbosa Jobim. Cursou o
primário e o ginásio em Rio Branco e Manaus. Depois foi para o Rio de Janeiro,
fazendo o clássico e formando-se em Filosofia e Direito. Redator da Câmara dos
Deputados, por concurso, em 1960, integrou a magistratura do Distrito Federal
desde 1976, aposentando-se compulsoriamente, em 1997, do cargo de Desembargador
da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Lecionou, no Rio e em
Brasília, Filosofia, Psicologia, História e Português. Iniciou-se nas letras
aos quinze anos. Publicou: Boa tarde,
excelência! (1990); Em tom menor (1993);
Amanhã cedo é primavera (2001); Cantos do caminho (2003); Pássaros de meus bosques (2007); Justiça: humor forense (2009); e Entre Crônicas e Contos (2011). Faleceu
em 30 de abril de 2015, em Brasília.
EM TOM MENOR
Romeu Jobim
Morta, gaiola, a
árvore,
que alimentava,
hoje prende,
em seu ventre, o
pássaro. p.21
A saudade é como um
sino
a bater, na tarde
calma.
Só que ele bate lá
fora
e ela bate dentro
dalma. p.22
Numa poça dágua,
a menina pobre
espia
seu rosto no céu.
p.33
Nesta vida há
sempre um rio,
que é preciso
atravessar.
Tem cuidado. Vai
com calma.
Não basta saber
nada. p.38
Como ilude o rio,
parecendo o mesmo,
quando
é outro, a cada
instante! p.39
Veio andando pela
vida,
sem olhar, sempre a
sonhar.
Quando viu, já não
podia
nem parar, nem
acordar. p.48
À noite, em
silêncio,
reconstruo o mundo
e morro
ao amanhecer. p.45
Das trevas da noite
extraio,
pacientemente,
a luz da manhã.
p.75
Ficou parado no
tempo,
olhando a vida
passar.
Quando quis ir, era
tarde.
Não sabia caminhar.
p.50
Tuas mãos, enquanto
falas,
são inquietas
andorinhas
que, a seguir,
quando te calas,
pousam, dóceis,
entre as minhas. p.56
Silenciaram o
último
cão, que resistia.
Agora,
como cães, nos
matam. p.73
Passou a vida
sozinho,
dando quanto
recebeu.
Está velho? Não tem
nada?
Tem o mundo, que
era seu. p.68
O manto da noite
cala e envolve os
homens. Mas
a aurora virá. p.77
Eu vi a feia Boiúna
bebendo as águas do
rio,
para em seguida,
turuna,
virar também o
navio. p.86
À beira do rio,
um bando de
borboletas
e um menino voam.
p.81
Vaga-lume,
pequenina
gota viva de luar!
Tenho um par de
vaga-lumes:
brilha à noite em
teu olhar! p.94
Árvore: morada,
alimento, berço,
esquife...
Salvá-la:
salvar-se. p.91
A palmeira acolhe
o apuí, que a
constringe e mata.
Quanto apuí, entre
homens! p.93
Como chegaste,
partiste:
no cabelo, duas
tranças.
Como em teus fios,
no entanto,
me deixaste mil
lembranças. p.98
No alto da
montanha,
a menina cai,
germina
e ao céu se ergue,
em flor. p.99
Papagaios e homens
falam: aqueles,
contudo,
inocentemente.
p.101
Pássaro ferido
caí à minha porta.
Morro
um pouco com ele.
p.115
Uma rosa esplende,
em sua manhã de
glória.
No efêmero, o
eterno. p.117
Quando parti, tu
ficaste
a me acenar do
barranco.
Mas, gaivota, ainda
me segue,
pelo mar, teu lenço
branco. p.124
No chão dorme o
filho
do operário que faz
tão
esplêndidos berços.
p.135
Encontro de novo as
águas,
tão lembradas, do
Abunã.
Lanço nelas minhas
mágoas.
Não é mais tarde! É
manhã! p.150
Uma criança chora.
Mas um anjo, com
presteza,
reconstrói a noite.
p.153
Pelas ruas hoje
estranhas
de Rio Branco,
sangro, a esmo.
Restam-me só nas
entranhas
as pegadas de mim
mesmo. p.172
Mudas, as cigarras
buscam, no chão, as
raízes.
É tempo de espera.
p.179
Num jacá vovó
mantinha
muitas coisas, a
seu jeito.
Num jacá trago a
velhinha,
bem aqui, dentro do
peito. p.200
Era uma vez um
velhinho,
muito aflito, em
seu destino.
Voltava atrás do
passado,
Voltava atrás de um
menino. p.208
CANTOS DO CAMINHO
Romeu Jobim
SABEM...
Sabem as chuvas
como fertilizar o
solo
e formar os rios,
em cujas águas e
margens
acontece o milagre
da vida.
Sabem as plantas
como retirar da
terra
a seiva bruta,
elaborá-la e
transformá-la
em caule, folha,
flor e frutos.
Sabem as formigas
como, em trabalho
silencioso,
colher, transportar
e guardar
para as gerações
futuras.
Sabem as cigarras
como mergulhar no
chão
e dali surgir, um
dia,
sonoras e
vibrantes.
Sabem as abelhas
como extrair das
flores o néctar
e deste o mel.
Sabem os lírios
como enfeitar os
campos
e embalsamar,
com seu perfume,
as noites de luar.
Sabem os homens,
desgraçadamente,
como transformar
tudo isso,
num instante,
em ruína, dor e
lágrimas. p.62-63
Brasília, DF, 25.2.1989
ONTEM, NA PRAÇA
Um poeta falou de
flores,
mas era proibido.
Aí,
para que não
vingasse o mau exemplo,
proibiu-se também a
poesia.
Aliás,
moveu-se uma guerra
contra essas
extravagâncias.
Não ficou pedra
sobre pedra.
Mas as flores
renasceram
do ventre da terra
e a poesia explodiu
do coração dos
homens.
Ontem, na praça, um
novo poeta
exercitava seu
canto.
Era filho de um
carrasco
e tinha uma rosa na
mão! p.65
Brasília, DF, 1989
SALTO
Saltou, como em
transe,
do alto prédio e,
enquanto
descia
(ou subia?),
Maria
(que nunca soube
de Ismália ou Alphonsus),
por instantes
pássaro,
anjo,
os braços muito
abertos,
como asas,
antes
de tocar o chão
(ou o céu?),
sorria. p.71
Brasília, DF, 1995.
A VOLTA DAS
ANDORINHAS
Voltam as
andorinhas
e, traquinas,
travessas,
tafuis,
pretas as
cabecinhas
(ou azuis?),
ocupam os beirais.
À vontade, aladas,
amadas,
e volúveis
(ou constantes?)
amiguinhas! A casa
é mesmo de vocês!
Sabem? Eu, desta
feita,
posso vê-las
melhor,
em seus voos, as
asas
leves, livres,
ligeiras,
de recortar o céu
e dominar
distâncias.
Retornam, com vocês,
a alegria,
a poesia,
a emoção
(mais: a infância),
pouco importando
se pela breve
instância
de uma hora ou
estação.
Dia desses,
chegando,
vocês
talvez
não me achem ou me
encontrem
dormindo. Não se
acanhem:
sempre à vontade,
enfeitem os
beirais,
em verdade
mais seus
que meus.
Mas, doces
avezinhas,
se, qualquer dia,
ao retornarem,
vocês nada
encontrarem,
fujam! Fujam rápido
e, se puderem,
retornem para o
céu,
de onde vieram
e que a vocês
e aos anjos
pertence.
Mas, ricas, amadas,
suaves
avezinhas,
se, algum dia,
vocês não
retornarem,
fechados ou
perdidos
os caminhos do céu,
de vocês tão
conhecidos,
mortas na travessia
(quem sabe?),
então que tudo
acabe
e desabe,
que, num mundo,
afinal,
sem andorinhas,
nem mundo mesmo há
mais,
nem beirais,
nem céu,
nem nada. p.66-68
Brasília, DF, 6.1994
MENINO NA REDE
Calu, mulher
bonita,
da cidade,
elegante,
foi visitar os pais
do menino. quando
este
a viu, tratou, bem
rápido,
de se esconder na
rede,
armada no salão.
Mas, através de um
furo,
aumentado com o
dedo,
a olhava. Como a
olhava!
À saída, Calu,
que falara com
todos,
quis também
conversar
com o menino. Em
vão. Jeito
não houve de
arrancá-lo
dali. A custo, em
luta
contra ele e a
rede, o máximo
que conseguiu foi
dar-lhe
um beijo na testa e
uma
palmada no bumbum.
Nunca mais o menino
tornou a ver Calu.
Mas, nas matas, nos
campos,
nas cidades, no
mundo
(quanto tempo faz
isso!),
não cessa de buscá-la,
no mais firme
propósito
(senil? Ainda infantil?)
de retribuir-lhe o
beijo
e, por certo, a
palmada. p.80-81
Brasília, DF, 7.1996
PAISAGEM RÚSTICA
Como a vida é
risonha, assim distante
da bulha
interminável das cidades!
Aqui frondeja um
cumaru gigante,
que se ergue,
altivo, em meio às tempestades;
ali se espanta uma
inhambu, errante,
a fugir das
insídias e maldades;
além suspira a
juriti, arfante,
como a embalar as
dores e as saudades.
E quando o sol
descamba, ao fim do dia,
a alma da gente,
leve, se inebria,
num clima bom de
encantamento e festa.
Desce a noite. No
espaço o luar flutua
e, no alto, branca,
muito branca, a lua
semelha um coração
sobre a floresta.
Abunã, 1.1943
ANALOGIA
Árvore, minha irmã
de sofrimentos,
como somos, na
sorte, parecidos!
Alcançamos os dois
grandes momentos,
mas somos, ao
final, sempre esquecidos:
tu – nos sublimes e
íntimos intentos
de escalar o azul,
pelo chão contidos;
eu – malogrado em
meus alumbramentos,
cantando, entanto,
em versos, meus gemidos.
Contra nós ambos
batem as procelas,
a nós ambos do
tempo a ação desfaz.
E presa, como tu,
das vis mazelas
de em torno, vejo
desprenderem-se, a esmo,
arrebatados pelos
vendavais,
um por um, os
pedaços de mim mesmo. p.20
Rio Branco, Acre, 1943
CROMO
A tarde morre. No poente,
todo em chama, o
sol se esvai.
E as árvores,
brandamente,
Sussurram um lânguido
ai.
Hora de sonho,
esta! A gente
em pensamentos se
abstrai.
Sopra brisa. De repente,
o crepe da noite
cai.
A natureza esmaece
e, fatigada,
adormece,
envolta no espesso
véu.
Surgem as estrelas,
bando
de criancinhas
circundando
pelo terreiro do
céu. p.27
Rio Branco, Acre, 1945
CANÇÃO PARA ERNESTO
Foi ali, no sopé
dos Andes,
que ocultaram o
corpo de Ernesto,
o que trocou salvar
vidas
por missão mais
ousada:
a de libertar povos
e dignificar o
Homem.
Depois da Sierra
Maestra,
ao lado de Castro e
Raul,
saiu por outras terras,
a despertar
consciências,
mas, cercado e sem
armas,
o abateu quem
queria libertar.
Ante as
metralhadoras apontadas,
e na ternura que
nunca perdera,
consta que ainda
perguntou
(oh! a fé e a
esperança dos santos e heróis!)
se sabiam quem era,
como resposta os
disparos mortais.
Descobertos os
sítios
onde dispersado seu
corpo,
alcançará, por
certo,
sepultamento
condigno,
em uma de suas
tantas pátrias:
a Argentina, Cuba
ou o Mundo.
mas tanto não
importará
quanto o momento,
fixado ao acaso,
em foto imortal,
a própria Verônica
em versão
contemporânea.
Nem quanto a
semente,
Renutrida em seu
sangue,
a crescer e a
transformar-se,
em tempos que hão
de vir,
na Árvore, sim, na
Árvore
da Liberdade e da
Vida. p.126-127
Brasília, DF, 1999
JOBIM, Romeu. Em
tom menor: quadrinhas e haicais. Brasília: Trianas, 1993.
JOBIM, Romeu. Cantos
do caminho. Brasília: Trianas, 2003.
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