sexta-feira, 22 de maio de 2020

JEFFERSON HENRIQUE CIDREIRA: alguns poemas

Jefferson Henrique Cidreira, natural de Rio Branco-AC. Integra a Academia Acreana de Letras e a Sociedade Literária Acreana. É autor de Os meios de Comunicação do Acre (2015) Discurso e resistência na Amazônia acreana (2016); Poesias cotidianas (com Saint’Clair C. Júnior, 2017); Poesias (des)conexas (com Tanize Tomasi, 2018); (A)proximidades – pontes poéticas do Norte ao Sul (2018); Encantos Geográficos: vivências e experiências (2018); Geo(grafias) poéticas: o eu e o tu (2019) e; Poesias que (não) te fiz (2019). No mundo acadêmico, é doutor em Geografia com ênfase no Ambiente, Território e Sociedade na Pan-Amazônia pela Universidade Federal de Rondônia (2020); Mestre em Letras – Linguagem e Identidade pela Universidade Federal do Acre (2013); licenciado em História pela Universidade Federal do Acre (2005). É professor efetivo do Estado do Acre (2011; 2019).

(DES)APEGO

 

Teus pensamentos, (in)sinceros,

Teus anseios, deletérios,

Tua aproximação inesperada, rebelo

Tua fuga, mistério.

Teu medo de se apegar, controverso,

Ao permitir, confesso,

Meu apego foi sincero,

E ao apegar-me, disperso.

Tu fostes, retrocesso,

Da porta que permiti abrir, flagelo.

A sensação que corta o peito, peço,

Não se aproxime mais, anelo.

Ter a paz, sentimento sincero,

Senão pode roubar-me da solidão por completo,

Afasta-me do teu cálice de gosto amargo, professo,

Não sangre mais meu peito que a ti, foi aberto.

Do sorriso que trazia paz, reflexo,

De algo que escondias, insincero,

Agora partes como se nada tivesse acontecido,

Do abandono dos sonhos antes juntos, (re)construídos.

 

 

ETERNIZANDO O EU E O TU

 

Resolvi poetizar-te,

Dos anos vividos,

Aos reencontros,

Despercebidos.

Resolvi poetizar-te,

Para seres infinito,

O nosso encontro

Um amor nunca vivido.

Resolvi eternizá-la,

Nessa multidão de (des)conhecidos,

Para quem sabe assim tê-la,

Em meu coração enternecido.

Ao certo não sei o futuro,

Apenas o presente dos esquecidos,

Quem sabe uma história,

Pausada no contínuo.

E ao devir, desejos,

Despedidas, desencontros,

Nas voltas do mundo,

Quem sabe (re)encontros.

De almas perdidas,

Neste mundo tão confuso,

O eu e tu, juntos, novamente,

Neste espaço, vagamundo.

 

 

OUTUBRO

 

Eu te via a cada aparição,

Tu sumias a cada solidão,

Te chamava aqui dentro de mim,

Mas sempre esperava ausência de ti.

Hoje é, amanhã não mais,

Depois de amanhã, podes voltar,

Mas no suceder do tempo, nunca saberás.

Eu te via, tu também,

O que sente ou sentia?

O que em tua mente vem?

Amanhã já é outubro,

De tantos outubros que já passaram,

Com eles, passamos também,

Despercebidos, aquéns.

Nesse novo outubro que se apresenta,

O que será de ti e de mim, alguém?

Já é outubro outra vez,

Depois de anos, meses,

Nossa aparição,

Reencontros de almas,

O que faremos então?

O passado ainda tracejado,

Fantasma para tua redenção,

Tua felicidade, o presente, futuro

em tuas e em minhas mãos.

 

 

MORRI POR UM DIA

 

Eu morri por um dia,

Morri por noites,

O escafandro rompido,

O gracejo de mil amores.

Derramei-me em águas do mar,

Salguei caminhos ao procurar,

Pelos dias vindouros,

Que tardavam a passar.

E morria a cada segundo,

Alguns dias, perdas,

Em outros triunfos.

Batiam sempre à porta,

Era hora,

Não podia mais evitar,

A (in)desejada hóspede,

Que tardara a ir, que resolvera ficar.

Seguia a jornada,

Guiando os passos,

O seguir sorrindo,

O adeus no abraço.

Morria a cada dia,

Morria aos poucos,

O sentir-se esvaindo,

A lágrima ao dorso.

Decidi então não ficar,

O morrer por um dia,

À noite a sepultar,

Seguir viagem,

Ao amanhecer,

Me a-mar.

 

 

ENCONTRANDO A SI MESMA

 

Chorar não é sinônimo de fraqueza,

E o esvair da dor e da solidão,

É preparar-se para novas batalhas,

É humanizar-se, preencher o coração.

Cada escolha é um abrir de mãos,

Fechar a porta, seguir caminho,

Enfrentar as consequências

Pôr os pés no chão.

É saber de todos os desafios,

Dos espinhos, das lágrimas que cairão.

Contudo, mesmo sangrando,

É ter certeza que elas não te consumirão.

É enfrentar a si mesma,

É enfrentar a ilusão,

De que sem ele não viveria,

É saber sangrar e ter a confiança que esses dias passarão.

Que o para sempre nem sempre é verdadeiro,

Nem sempre é o melhor para sua alma, coração,

Se se findou, então era questão de tempo,

Não era o momento, hoje é dispersão.

Recarregue-se, não desanime,

Esta é a estrada onde acharás teu medo,

tuas incertezas, dor, esperança, amor, seu coração.

Encararás a si mesma, deserto, dor, desilusão.

E finalmente quando se achares desse manto de perdição,

encontrarás a saída, fortalecida,

Serás tu mesma a brisa e o furacão.

 

 

EXORCIZA-ME

 

Exorciza-me,

Arranque de mim a tua pele,

O teu cheiro que impregnou o meu vestir,

O teu corpo que colonizou os meus gestos,

O teu sangue que ainda corre em mim.

Não me deixa partir,

Arranca-te de mim o teu existir,

Que confunde-se com meus passos,

Cambaleantes, como ei de prosseguir?

Seguir agora meu caminho,

Pois, teus passos rumaram,

Para longe de mim,

Ao partiste, partiu-me,

Meu coração amiúde,

Minha alma sem ti.

Agora rasgo minha pele,

Com que pele ei de me vestir?

Já que foste embora

E embora fui eu de mim.

 

 

ROMARIA

 

As cordas rasgadas a navalha,

Do calibre da arma um tiro,

Ecoa pela floresta,

Sangra entre espinhos.

Os olhos opacos,

O espantalho que andeja grunhido,

Sou teu fruto sagrado,

Dado de comida aos bichos.

A romeira andeja descalça,

Suas lágrimas molham o velho vestido,

A chita suja rasgada,

A hóstia que acerba seu paladar faminto.

Os olhares que cravam-na em vitupério,

Não reconhecem seu sacrifício,

Na sua jornada de flagelos,

O brilho de um olhar esvaído.

 

 

DIAS DE UM (DES) PRESENTE

 

Nas andanças por esse mundo vazio,

A esperança morta a sangue-frio,

Esvaindo dos olhos o brio,

Das gargalhadas de deprecio.

Ora a mãe em meio ao martírio,

Da criança que chora com fome e frio,

Em prantos a mulher desalenta,

Queria dar-te sua vida em troca de opulência.

O ser então desumana-se,

Perdendo toda sua condição humana,

Em decadência, agora profana,

Escraviza, explora, insana.

Se ajoelham, elegem um novo mito,

Desvarios em meio a tantos sacrifícios,

Desperdiçando almas, afetos, carinhos,

Agora restam apenas a dor e a ausência,

lacuna de um grande amor perdido.

 

 

ACRE

Jefferson Cidreira e Ueliton Freire

 

Terra de clima quente e úmido

Que abriga a floresta amazônica

De beleza única

De rios caudalosos

Dos indígenas

De aventureiros

De Plácido de Castro a Chico Mendes

Lugar de povo altaneiro.

Acre que abrigou nordestinos

Itinerários do migrante guerreiro

Que acolheu turcos, sírios, portugueses

E demais estrangeiros.

Lugar ímpar no Brasil

Sustentou sua economia nos tempos áureos da borracha

Paragem de seres que não se extenuam em dizer: “Nasci aqui, e não há outra terra que desejaria nascer”.

Pedaço encantado, outro Brasil

De gente alegre e viril

Região fronteiriça com bolivianos e peruanos

De um povo que segue cantando

Ó, meu Acre, como eu te amo.

Espaço da seringueira, do açaí e da melhor farinha

Produtor de castanha, de gente humilde, mas unida

Onde a vida transita sem cerimônia

Das cidades desenvolvidas às matas

Onde pulsam milhares de vidas e culturas, Babilônia.

Dos rios: Purus, Acre, Juruá e Envira

De praias tão lindas

Da serra do Môa

Das lendas amazônicas

De encantos mil

És meu lugar, és meu Brasil.

Espaço onde se pode contemplar o canto do sabiá

Admirar o azul-celeste dos céus

O verde vívido das matas

O belo pôr do sol refletido nos rios

À noite, o canto cativo dos bichos e as estrelas a iluminarem esse coração acreano enternecido.

 

 

LONGE DE TI

 

Teu corpo me chama,

A chama acesa que queima,

A saudade se torna companheira,

Meu coração quebrantado emudece.

A escuridão se torna refúgio,

O corpo estendido sobre a cama,

Os pensamentos espalhados ao relento,

Tua imagem que vem me encanta.

O grito que não ouço me arrebata,

A saudade que chega profana,

Os olhos entreabertos dispersos,

O cheiro teu que entranha .

No pano que cobre e não aquece,

O frio que na madrugada afana,

Os sonhos de estarmos juntos,

Agora restam lembranças.

Das almas que se tocam em carinhos,

Dos dedos que percorrem em leveza distâncias,

Tracejando meu lugar que em ti se achega,

Meu corpo em teu corpo inflama.

Um comentário:

Jefferson Henrique disse...

Fico lisonjeado de estar entre grandes autores amazonenses e de estar no melhor blog sobre literatura e cultura amazônica.