domingo, 7 de junho de 2020

ROSÂNGELA DARWICH: alguns poemas

Rosângela Darwich nasceu em Belém-PA (1962). É doutora em Psicologia pela UFPA, professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura e do Curso de graduação de Psicologia da Unama, e terapeuta comportamental. Publicou os livros de poesia Quando Fernando Sétimo Usava Paletó (1982) e Levasse as Coisas na Flauta (1988), ambos selecionados para publicação pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Belém do Pará, participou das antologias VIII Antologia Poética de São José dos Campos (Fundação Cassiano Ricardo, São José dos Campos, 1993) e Poesia do Grão-Pará (seleção e notas de Olga Savary, 2001), e das plaquetas literárias 30 Poetas / 30 Poemas (2015), Belém 400 anos (2016) e Impossível Não Te Ofertar (2016), esta última em homenagem ao poeta Max Martins, além de ter publicado poemas em revistas on-line, entre elas Zunái – Revista de Poesia e Debates (21ª edição, 2010) e Mallarmagens: Revista de Poesia e Arte Contemporânea (2012).

Há dias para as palavras

e dias mudos.

 

Celas entre vozes e silêncio,

há dias impenetráveis

e dias cúmplices.

 

Sob profecias e arbítrios,

há dias só para os deuses

e dias que se interrogam como qualquer homem. p. 10

 

.

 

Preocupado com o quanto, ao não dormir, duvido,

queria ter amado como não mais amaria.

 

Tensa,

calço meus olhos como se fossem sapatos.

 

Culpo-me. Cobro-me.

Cubro de palavras que se parecem. p. 47

 

.

 

Há o hoje para a matéria de que é feita a margarida

branca flor pequena as pétalas

a mesma matéria antiga das plantas.

 

Há o hoje que se faz quando anoitece

e estrelas de diferentes épocas convivem pacificamente.

 

Um quadro era feito do que dizias

flores por trás das casas

o rio antes do mar acompanhando a noite –

são palavras

essas estrelas. p. 62

 

.

 

Ainda leio cartas de manhã

escrevo cartas

não sou assim tão complicada

às vezes vislumbro quem sou.

 

Olho pela janela e confirmo coisas como chuva

me preparo para os acontecimentos

alterno os dias com as cores das roupas

gosto mais de preto e de azul.

 

Tento continuamente acompanhar o que penso

é muito bom saber que penso o que penso

algumas dúvidas aceitáveis

preto

azul.

 

Entre o céu e a terra,

olhos descansando sobre um pássaro. p. 66

 

.

 

O lado bom de não querer coisa alguma em especial

é o lado mau.

 

Ouço passos, se ando.

Vejo a cor roxa no roxo.

Sinto medo, sinto frio, sinto saudade.

 

Procuro a utilidade que deveria existir no útil,

pés dentro dos sapatos,

gente a partir dos pés.

 

Procuro a palavra ânsia

e encontro. É o mesmo que aflição e angústia

e parece também desejo. p. 69

 

.

 

Eu quero saber tudo

saber voltar e desaparecer

quero voltar e desaparecer

ter o domínio da ausência

os passos que se contam como histórias e

com todos eles

ir.

 

Por outro lado

andar tendo uma certa segurança

contra caminhos que depois fossem irreconhecíveis.

Não quer estar perdido quem vai saber tudo.

 

Um livro enorme, o mundo aberto,

várias, inúmeras vezes lido. p. 74

 

.

 

Quando a paisagem por trás do teu corpo

em um recorte a partir de ti

ou olho diretamente nos teus olhos

onde na verdade o dia nasce.

 

Oscilo entre as duas possibilidades

já que criei um mundo simples

entre o que parece estar perdido

e o som dos teus passos.

 

Disseste que as palavras eram minhas

e que é de mim que se parte

porque do esquecimento se fazem escolhas

assim sutis. p. 86

 

.

 

Teus olhos refletem o vento entre as árvores,

por isso não te respondo.

Feita de sol, água e cor verde

precisas de silêncio.

 

O que és se demora em semente,

curvas, espaço exato.

De nada servem palavras

diante do que não penso. p. 92

 

.

 

Você caminha em uma linha reta

por onde volta

e eis o seu percurso

indiferente aos círculos

e às borboletas

que realizo com os olhos.

 

Evito perder de vista

o alfabeto que desenha passos

na noite e sua delicadeza

conformando-se em estrelas

algumas poucas esquinas

e assas tantas perguntas.

 

As ruínas e outros rastros

que se escondem nas calçadas

sobrevivem em seus pés

enfeitados como letras

e o meu olhar acima do horizonte

circunda uma vez mais nosso planeta. p. 94

 

.

 

A noite esvazia a casa quando abres a janela

e entre teus dedos desliza o quanto amanhece.

 

Do muito que ainda é sonho permanece o eterno

e nos teus olhos a lua,

duas. p. 100

 

.

 

Destaca-se neste compartimento da casa

um quadro onde nasceu uma flor.

Há muitos anos nos distinguimos uma da outra

por meio do que digo.

 

Não é necessário o que convém às palavras

mas é bonito. p.114

 

DARWICH, Rosângela. Há horas. Belém: ed.ufpa, 2018.

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