Rosângela Darwich nasceu em Belém-PA (1962). É doutora em Psicologia pela UFPA, professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura e do Curso de graduação de Psicologia da Unama, e terapeuta comportamental. Publicou os livros de poesia Quando Fernando Sétimo Usava Paletó (1982) e Levasse as Coisas na Flauta (1988), ambos selecionados para publicação pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Belém do Pará, participou das antologias VIII Antologia Poética de São José dos Campos (Fundação Cassiano Ricardo, São José dos Campos, 1993) e Poesia do Grão-Pará (seleção e notas de Olga Savary, 2001), e das plaquetas literárias 30 Poetas / 30 Poemas (2015), Belém 400 anos (2016) e Impossível Não Te Ofertar (2016), esta última em homenagem ao poeta Max Martins, além de ter publicado poemas em revistas on-line, entre elas Zunái – Revista de Poesia e Debates (21ª edição, 2010) e Mallarmagens: Revista de Poesia e Arte Contemporânea (2012).
Há dias para as palavras
e dias mudos.
Celas entre vozes e silêncio,
há dias impenetráveis
e dias cúmplices.
Sob profecias e arbítrios,
há dias só para os deuses
e dias que se interrogam como qualquer homem. p. 10
.
Preocupado com o quanto, ao não dormir, duvido,
queria ter amado como não mais amaria.
Tensa,
calço meus olhos como se fossem sapatos.
Culpo-me. Cobro-me.
Cubro de palavras que se parecem. p. 47
.
Há o hoje para a matéria de que é feita a margarida
branca flor pequena as pétalas
a mesma matéria antiga das plantas.
Há o hoje que se faz quando anoitece
e estrelas de diferentes épocas convivem pacificamente.
Um quadro era feito do que dizias
flores por trás das casas
o rio antes do mar acompanhando a noite –
são palavras
essas estrelas. p. 62
.
Ainda leio cartas de manhã
escrevo cartas
não sou assim tão complicada
às vezes vislumbro quem sou.
Olho pela janela e confirmo coisas como chuva
me preparo para os acontecimentos
alterno os dias com as cores das roupas
gosto mais de preto e de azul.
Tento continuamente acompanhar o que penso
é muito bom saber que penso o que penso
algumas dúvidas aceitáveis
preto
azul.
Entre o céu e a terra,
olhos descansando sobre um pássaro. p. 66
.
O lado bom de não querer coisa alguma em especial
é o lado mau.
Ouço passos, se ando.
Vejo a cor roxa no roxo.
Sinto medo, sinto frio, sinto saudade.
Procuro a utilidade que deveria existir no útil,
pés dentro dos sapatos,
gente a partir dos pés.
Procuro a palavra ânsia
e encontro. É o mesmo que aflição e angústia
e parece também desejo. p. 69
.
Eu quero saber tudo
saber voltar e desaparecer
quero voltar e desaparecer
ter o domínio da ausência
os passos que se contam como histórias e
com todos eles
ir.
Por outro lado
andar tendo uma certa segurança
contra caminhos que depois fossem irreconhecíveis.
Não quer estar perdido quem vai saber tudo.
Um livro enorme, o mundo aberto,
várias, inúmeras vezes lido. p. 74
.
Quando a paisagem por trás do teu corpo
em um recorte a partir de ti
ou olho diretamente nos teus olhos
onde na verdade o dia nasce.
Oscilo entre as duas possibilidades
já que criei um mundo simples
entre o que parece estar perdido
e o som dos teus passos.
Disseste que as palavras eram minhas
e que é de mim que se parte
porque do esquecimento se fazem escolhas
assim sutis. p. 86
.
Teus olhos refletem o vento entre as árvores,
por isso não te respondo.
Feita de sol, água e cor verde
precisas de silêncio.
O que és se demora em semente,
curvas, espaço exato.
De nada servem palavras
diante do que não penso. p. 92
.
Você caminha em uma linha reta
por onde volta
e eis o seu percurso
indiferente aos círculos
e às borboletas
que realizo com os olhos.
Evito perder de vista
o alfabeto que desenha passos
na noite e sua delicadeza
conformando-se em estrelas
algumas poucas esquinas
e assas tantas perguntas.
As ruínas e outros rastros
que se escondem nas calçadas
sobrevivem em seus pés
enfeitados como letras
e o meu olhar acima do horizonte
circunda uma vez mais nosso planeta. p. 94
.
A noite esvazia a casa quando abres a janela
e entre teus dedos desliza o quanto amanhece.
Do muito que ainda é sonho permanece o eterno
e nos teus olhos a lua,
duas. p. 100
.
Destaca-se neste compartimento da casa
um quadro onde nasceu uma flor.
Há muitos anos nos distinguimos uma da outra
por meio do que digo.
Não é necessário o que convém às palavras
mas é bonito. p.114
DARWICH, Rosângela. Há horas. Belém: ed.ufpa, 2018.
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