quarta-feira, 22 de setembro de 2021

AMÉRICO ANTONY: OS SONETOS DAS FLORES

Américo Antony nasceu em 23 de setembro de 1895 e morreu em Manaus em 18 de agosto de 1970. Estudou na Inglaterra. Pertenceu à Academia Amazonense de Letras e ao Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas.

 “Em nosso século, o insólito se instalou através da postura de um simbolista tardio: Américo Antony (1895-1970), cujo único livro, intitulado Os sonetos das flores, foi publicado em 1959. [...] Situa-se Américo Antony, em termos literários, bem entendido, na fase posterior ao apogeu do ciclo da borracha, quando a Amazônia experimentou forte período recessivo na economia.” Marcos-Frederico Krüger


O DESABROCHAR DA FLOR DIVINA

 

Fechada, era em botão, o olor desconhecido.

E o interno colorido em forma de linguagem

Ninguém lhe compreendia, ou mesmo ouvia... a aragem

Somente prelibava o seu sonho escondido:

 

Mas, ao Supremo Ideal, a fez abrir no ouvido

Do mundo! que a ignorava... E então fez, na ramagem

O Seu Templo Divino! ... E aberto, da folhagem

O Seu Verbo de Luz, – o Idioma Incompreendido!

 

E lenta, lentamente ao descolar dos lábios

Aos sóis que libam sonho, aos siderais ressábios,

Fez em letras de ocaso e de auroras cantar...

 

Cantar, falar com a cor, com o perfume, e com a luz

Que traz no íntimo seu escondida, e traduz

Tudo o que faz Amar, faz sorrir, e chorar! p. 34

 

A FLOR SIMBÓLICA DA MELODIA

 

                                              Para o maestro

                                              Marcos Mecenas Sales, meu amigo.

 

Seu aroma é a lembrança que passou

E que volta animando as mesmas cenas,

Do interior da nossa alma, que chorou,

Volta abrolhando em florações serenas...

 

Volta cantando: é a Lira das Camenas,

Das irmãs da Memória, onde acordou

Os prazeres e as dores, de onde voou

Com sons de rosas, lírios, e açucenas...

 

Cromática Expressão do Tempo! – Ideal

Que tudo ressuscita em seu cristal

Que o Sonho excita, revivendo o Antigo!

 

Ah, Tinta Musical! que faz presente

O que nós já sentimos como um Poente

Que o gozo e a dor replanta em seu jazigo! p. 36

 

FLOR DA CINZA

 

Flor das recordações que anoiteceram,

Resquícios das lembranças apagadas,

Cinzas das noites que se arrefeceram

Das fogueiras de estrelas encantadas!

 

Florestas de emoções carbonizadas

Das verdes solidões que já morreram

Fechando o intuito alegre das estradas

Dos abertos clarões, que escureceram...

 

Porta das trevas aos excessos da alma,

Intransigente aniquilar da calma,

Das labaredas sufocando a vida!

 

Do esfuminhar das brumas da distância

Ergues, da névoa do QUE FOI, tua ânsia,

Flor das Cinzas da Luz! Flor Dolorida! p. 44

 

A FLOR DO ENTARDECER

 

Um invisível pincel esbate o poete

Em tons perdidos de uma estranha flor,

Com a palidez das luzes de um doente

Imprime às solidões a alma da Cor...

 

Suspirando e sorrindo, em gozo e dor,

Pressentimento em pálpebra dormente,

Sonâmbulo no ocaso abre o langor

De um longínquo painel, serenamente...

 

Que lábios falam de um final sem luzes

Dos ramos altos em sequentes cruzes

Num fundo de ouro, da Floresta imensa?

 

Há um segredo que geme nas raízes:

Da seiva, um suplicar de cicatrizes

Na atitude de quem desmaia e pensa! p. 65

 

ROSAS DE ESPETROS

 

Quem diz que árvores secas não dão flores?

Eu vos digo que dão: quando, ao sol-poente,

As colhereiras vêm serenamente

Pousar, num galho morto, a rósea cor:

 

E aí dormem florindo entre o negror

Da árvore-espetro desfolhada, frente

Aos borrões do negrume ocultamente,

Plumas de rosa, ocultas no atro horror

 

De noite imensa de tristezas densas...

Como um jardim alígero, suspensas

Nos braços fantasmais dos bamburrais...

 

Mas, logo ao vir do sol, voam perdidas

Rosas, dos velhos ramos já esquecidas..

Dos berços que embalaram seus rosais! p. 118

 

FLOR SOLAR

                (Para os verdadeiros estetas)

 

A luminosa flor vai-se abrir do Latente:

Pedúnculos de luz vão-se esgalhar no céu,

Em garfos de esplendor do albor que amanheceu,

No etéreo coruscar de um rútilo tridente...

 

São as selvas só de luz no azul claro do Oriente,

Florescência sem-fim aureoladas de um véu,

Talagarça argentada a envolver lentamente

O abismo do terror da noite que a envolveu.

 

Essa planta de luz sobe mais, e mais bela,

Da semente que a fez brotar, do corações

Do infinito, vai alta, até apagar a estrela...

 

Envolve a lua casa, afogando-a o arrebol

De chamas frondejando em robles e clarões,

E abre, em flor gigantesca – o helianto de ouro – o Sol! p. 152

 

A FLOR DAS FLORES

 

Num celeste viver de singelezas,

Num langor de jasmins e de bromélias,

Flores viveste em todas as purezas,

E a morte sugestivas das Ofélias...

 

No invólucro de seda azul, das célias

Lactescências divinas de realezas,

Eras a excelsa flor das mais princesas,

A camélia de todas as camélias!

 

Mas, um dia, o teu ser subiu no aroma

Feito átomos libertos da redoma

Da terra humana, onde floriste em cores...

 

Levando o meu melhor de essência e canto

Dos meus poemas de sonho e céus de encanto,

Ó Flor mais flor que todas as mais Flores! p. 162

 

ANTONY, Américo. Os sonetos das flores. 2.ªed. rev. Manaus: Valer, 1998.

 

Foto de Américo Antony e para mais informações biográficas:

http://catadordepapeis.blogspot.com/2019/10/americo-antony-1895-1970.html

Um comentário:

eliana castela disse...

Acho que vou queimar o meu livro "Carmeliana - a festa das flores" rsrs, depois de ler esses belos poemas.