domingo, 13 de novembro de 2022

A CRIAÇÃO DA BAHIA

Mady Benzecry (1933-2003)

E ASSIM,

NO SÉTIMO DIA,

DEUS CRIOU

O CÉU,

A TERRA

E A BAHIA.

 

CLAMOU O SENHOR:

 

Que caia no mar

o reino de Iemanjá.

E na terra,

um pedaço de céu bem brasileiro

aonde habitarão

em suas mansões de ouro e cantaria

meus enviados

2 – E que haja um santo protetor

para cada habitante da Bahia.

 

BAHIA DE TODOS OS SANTOS

CIDADE DE SALVADOR!

 

E MAIS CLAMOU O SENHOR:

 

3 – Agitada por lutas e conquistas,

que seja heroica a sua história

e glorioso o povo de Salvador;

pois sobre a Terra de Santa Cruz

ávidos repousarão os olhos da ambição:

 

4 – Cobiçada será

por sua riqueza,

invejada há de ser

por sua beleza

e escravizado será seu povo

pelos grandes senhores que a dominarão.

 

MALDIÇÃO!

Para os estranhos pés que a calcarem!

E para as mãos infiéis que a profanarem

MALDIÇÃO!

 

E MAIS CLAMOU O SENHOR:

 

6 – Que mar igual não haja

inigualáveis

sejam suas praias e dunas e coqueiros.

Que não se faça mais cor em outras plagas

nem melhor peixe para os pescadores,

nem melhor brisa para os jangadeiros.

 

7 – E que desça Caymi do meu reino,

levando um entardecer, um banco e um violão

e para ele se faça Abaeté,

Amaralina, Rio Vermelho, Itapoã,

e que Caymi me faça adormecer

ouvindo aqui do céu sua canção.

 

E PROSSEGUIU O SENHOR:

 

8 – Que a noite seja do samba

e o dia da capoeira.

Que as mais faceiras mulatas

ao estremecer de pandeiros,

de berimbaus e violas,

usando sandálias douradas

colares e batas rendadas,

imitem peixes do mar

bamboleando as cadeiras.

 

9 – E que vá Ary Barroso

à rampa do Pelourinho

e ao som de mil cavaquinhos

abafe no mundo inteiro

com “A baixa do sapateiro”

bem informando ao Além

“O que que a bahiana tem...”

 

E MAIS CLAMOU O SENHOR:

 

10 – Preciso de um escrivão.

Que seja homem de letras

além de ser gente “bem”.

Alguém que esteja por dentro

do “modus vivendi” do povo,

que siga “Os pastores da noite”,

que faça farra com Oxum,

que pegue santo em batuques,

que tome pinga com Ogum.

 

11 – Alguém que abrande Iemanjá

em noites de tempestades,

que vibre com atabaques,

que farte a mesa de Exu,

que seja Ogã de terreiro

no reino dos candomblés.

Um escrivão? Ah! Já sei...

 

SARAVÁ JORGE AMADO!

SARAVÁ MEU IRMÃO!

 

E PROSSEGUIU O SENHOR:

 

12 – Para cevar este povo

não pode ser com o “maná”,

envio minha preta Eva

(não Eva mulher de Adão,

mas Eva mãe de um negão

mais forte que Oxumaré)

Chamei-a Eva porque

seu leite materno é de coco,

seu sangue, azeite de dendê.

 

13 – Que chame-se “Estrela do Mar”

à sua casa de pasto

e seja Maria São Pedro,

(que deve ser qualquer coisa

pra Pedro meu bom porteiro)

aquela que deve ocupar

da minha Eva o lugar.

 

14 – E mandem-me a preta de volta,

meus anjos irmão buscar

pois já no céu ninguém passa

sem seu efun-oguedê,

quibebe, acarajé,

efó, caruru, abará.

 

Perdoa, minha preta velha,

tão boa! Mas teu lugar,

não é na terra é no céu,

pra minha mesa fartar.

 

E CONCLUIU O SENHOR:

 

Daremos cor à Bahia.

 

15 – Que acham do azul do céu,

das nuances do entardecer,

das pálidas madrugadas,

do branco-prata da lua,

do límpido alvorecer?

 

Toda essa policromia,

é fria para a Bahia?

 

16 – Vejamos a cor da flor,

dos mornos raios de sol

num cálido meio-dia.

(Mais quente, somente o sangue

do negro ou da Gabriela...)

“Gabriela cravo e canela”,

já li o livro, ela é fogo!

(afiançou-me o escrivão)

 

Gabriela! Até que enfim,

achei a cor que queria!

Vá lá, mestre Carybé,

capaz só você seria;

arranque do fogo as tintas,

do diabo empreste os pinceis,

esboce o “que” desta gente,

pincele o dengo bahiano

e dê a cor À Bahia.

 

E fé, mestre Carybé!

(Perdoa-lhe Santa Maria)

Somente com muita fé!

 

E assim,

NO SÉTIMO DIA,

DEUS CRIOU

O CÉU,

A TERRA

E A BAHIA...

 

 

 

 

 

 

 

                                                      E viu Deus tudo o que fez e eis

                                                      que era muito bom. E foi tarde

                                                      e foi manhã do sétimo dia.

 

                                                                                (GÊNESIS)

 

 

BENZECRY, Madi B.,. Sarandalhas (poemas). Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1967. p. 9-19

* Mady Benoliel Benzecry, artista plástica e poeta amazonense. Nascida em 1933, em Manaus, Mady radicou-se, aos 30 anos, no Rio de Janeiro, onde faleceu, em 2003. Era casada com o entalhador pernambucano Eugênio Carlos de Almeida Barbosa. Seu primeiro livro foi "De todos os crepúsculos", publicado em 1964.

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