NOTURNO
Eu e o silêncio
da sala,
leio e penso.
Ninguém me fala
do luar que há lá fora.
Hora a hora
a vida passa, como uma carícia...
E eu, no silêncio,
da sala...
Silêncio. p. 79
OS JAMBEIROS
No silêncio do arrebalde
A manhã amadurece os jambos
E anima a festa dos pássaros.
E os jambos são tão gostosos
De um gosto ingênuo de ternura
Macio e selvagem,
Gosto de boa terra orvalhado e cheirosa
De água travessa a cantarolar no fundo das
espessuras,
De alegrias anônimas,
De sossegos vegetais pelo mundo,
De infâncias perdidas que ficaram,
Como raízes humanas nas fruteiras.
Quando vais entre os jambeiros
Colher os jambos maduros,
As árvores te cobrem de orvalho
E o céu se veste de sol,
E vens coroada de orvalho como toda
Enfeitada de pérolas
E envolta de luz como se fosse toda
A manhã de verão
Com as mãos cheias de jambos... p. 21
TEMPO DE MENINO
Asa de garça
passou por cima da minha cabeça ao
entardecer...
Chuva encheu a lagoa.
Me lembro de Cachoeira
ao entardecer, no tempo do inverno.
O quintal da casa
cheio d'água,
para minha alegria de menino levado,
doidinho pela água como filhote de pato brabo.
Alegria de brincar com meus navios de miriti
E de espantar as sardinhas.
Me lembro das piaçocas,
Das marrecas,
Dos tuiuiús passando muito alto
indo embora pros lagos desconhecidos.
Me lembro daquele moinho de vento
Parado no meio das águas.
Montarias levando meninos para as escolas.
O Velho Mané Leão, surdo e trôpego,
Subia a torre da igreja para bater a ave-maria.
Gaviões,
Colhereiras,
marrecas, piaçocas,
tuiuiús
passavam por cima da igreja...
Eu não pensava nos reinos encantados
que há nos livros caros dos meninos ricos
(quando eu conhecia os contos de Perrault)
Sabia histórias que a Sabina, cria de casa, me
contava,
Pensava nas canoinhas de miriti bubuiando nas
águas,
nos matupiris que comiam os miolos do meu pão,
nos cabelos verdes da mãe d'água,
no choque dos puraqués,
no ronco dos jacarés,
nos sucurijus que podiam vir
buscar a gente
quando estivesse descuidada
tomando banho no quintal de casa...
(quando eu pensava nas fábulas de La Fontaine).
Eu tinha a Sabina, cria da casa,
Para me ensinar a linguagem dos bichos
marajoaras.
Eu me mirava, horas e horas, no espelho das
águas,
E quando o vento vinha arrepiando as águas,
O meu retrato se arrepiava também, se
desmontava,
[perdia,
o sério de um retrato bem tirado
para ser uma criatura que o vento bolia
no espelho das águas...
Não vejo mais nenhuma asa de garça...
Não vejo mais nenhuma paisagem de água e mururé
[em volta de mim
Infância, tempo de menino,
Sucuriju te levou p'ro fundo das águas
Com todas as histórias de Sabina
As canoinhas de miriti
Os cabelos da mãe dágua
O acalanto da rede no balanço bom demais que
[mamãe me fazia...
É por isso que com meu velho dicionário
Leio os contos de Perrault
E Compreendo a fala dos bichos de La Fontaine. p.
39-41
Velho Mané Grigório
A febre do Arari matou meu amigo Mané
Grigório...
Mané Grigório me contava histórias
De fazendeiros ricos e honrados
Que iam, de noite, marcar o gado
Das “fazendas nacionais”...
Aquela sua mão dura como o couro
Quebrou muito boieco nos dias de ferra!
Peiou garrotes que faziam medo pro “seu”
Guimar!
Curou bicheira dos bezerros
E puxou peito de vaca braba como onça,
Que enchia as cuias de leite espumoso,
Gostoso como luar na noite quieta
da gente, trepada nos paus da porteira,
comer carne com pirão de leite
E ouvir histórias da Mãe de Fogo...
Mestre das malhadas,
Chefes dos embarques,
Chefão na condução,
Sarado na castração!
Novilho ergueu a cabeça na ponta do gado
Vera, diabo, vera!
Que nada, é teimoso!
Trepida o alazão nas terroadais
Atrás do novilho!
Velho Mané Grigório finca o pé no vazio do seu
cavalo
e laça o bruto só na mão virada!
Vaqueiro de brio, feitor como poucos
Lhe dessem a fazenda pra tomar conta
O gado aumentava que nem um milagre!
Cansado, já velho, fez um chalé em Cachoeira...
Era longa a sua carreira!
Fazia, devagar, no remanso das tardes,
os relhos e esticando as cordas com seus netos
Contava pra gente histórias:
Ferras!
Embarques!
Malhadas!
Patrões unhas de fome
Brancas de estimar...
Velho Mané Grigório:
Você foi um santo de tanto vaqueirar!
S. Sebastião lhe deu o lugar que merece,
Muito bezerro chorão pedia por você quando
ficava bom das
bicheiras...
Você que rezava pro santo na tiração das
esmolas.
Beijava, benzendo-se, as fitas azuis, verdes,
cor de rosa do santo...
S. Sebastião, S. Sebastião, santo dos
vaqueiros!
O senhor bem sabe a fama do velho Mané Grigório
por estes campos, S. Sebastião! p. 25-26
JURANDIR, Dalcídio. Poemas impetuosos ou o
tempo é o do sempre escoa. Organização Paulo Nunes. Belém: Paka-Tatu, 2011.
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