Profª. Inês Lacerda Araújo
É possível haver pensamento sem linguagem? Filósofos como Platão, Descartes, Kant, Bergson, acham que a linguagem é manisfestação de algo "superior", o intelecto, as ideias, a mente, a subjetividade, a razão.
Outros, como Peirce, Dewey, Witgenstein, Habermas, Davidson, Rorty, em geral os linguistas e os estruturalistas, consideram que as capacidades de raciocínio, pensamento, recordação, memória, associação, enfim, o que se rotula como "mental", depende do aprendizado de signos, de sinais, de apreensão de imagens, leitura dessas imagens. Enfim, é necessário algum tipo de comunicação articulada, estruturada, para haver processo mental. E, como condição necessária, a fisiologia do cérebro. Mas essa não é condição suficiente, sem aprendizado, não há linguagem, portanto, não há pensamento.
Assim, animais superiores (cachorros, por exemplo) podem aprender que "Cuidado", pelo tom pronunciado e associado a certa situação, exige uma pronta resposta. Mas não podem compreender o aviso "Tome cuidado ao atravessar a rua".
Crianças, sim. Elas aprendem primeiro a se manifestar com balbucios, gestos, visualizam e memorizam pessoas, associam sons e signos a situações, começam a falar e simultuaneamente raciocinam, memorizam, são capazes de afeto, e aos, poucos de julgar, de avaliar, de corresponder com atitudes, reagir, etc.
Sinais são criados, são convencionais, como os de trânsito. Signos linguísticos são articulados, podem ser ditos, compreendidos, transmitidos por escrito, oralmente, por gestos. Atos de fala como uma afirmação, uma ordem, um pedido, são imediatamente interpretados pelo contexto em que são ditos, pelo tom da voz, pelo gesto que eventualmente os acompanha.
A palavra "cão" não morde, quer dizer, o signo não é o objeto que ele indica, expressar pela linguagem algo para alguém, isso é da cultura humana, é aprendido, varia conforme as línguas.
As infinitas variações da linguagem dependem de uma estrutura básica, de um vocabulário, de regras assimiladas pela criança quando exposta à linguagem. Sem essa exposição, ela não pensaria, isto é, não poderia reter significações, portanto, não memorizaria, não faria associações, não entenderia uma mensagem.
Wittgenstein disse que se um leão pudesse falar, não o compreenderíamos. Isso porque falar é usar diferentes jogos de linguagem como contar uma história, rir de uma piada, usar expressões para significar uma infinidade de situações, empregar instrumentos de medida, saber o que significa dizer "meu computador foi comprado a prestação"; "a próxima parada é Praça Tiradentes"; "venha cá!"; "sua doença foi finalmente diagnosticada". Além disso, há textos diversos, como os comerciais, literários, jornalísticos, etc.
Um leão mandaria que o outro se cuidasse ou que se arriscasse? Ou a própria questão é absurda? Ao que tudo indica, cuidar é um comportamento humano, correr risco é algo com significado para culturas humanas, implica, por exemplo, sofrer acidente, morrer. O leão não "sabe" que vai morrer... Ele reage, agride, se defende, mas isso somos nós que dizemos, não ele.
Talvez por isso filmes de ficção científica sejam em sua maior parte tão ridículos! Seres que falam e pensam como nós, isso é simplesmente absurdo! Observe que usei o termo "pensam" no sentido de entender algo, poder agir e reagir em certas situações. E tudo isso pode ser dito em várias línguas, com variações de uso e de significado em cada uma delas!
Obs.: para esta postagem, foi preciso usar a linguagem... Não é incrível?
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*INÊS LACERDA ARAÚJO doutora em Estudos Linguísticos, filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
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