terça-feira, 11 de janeiro de 2011

PEQUENO ENGANO - Leila Jalul*

A Iza era linda e gostosona.   De pequeno, só o nome.  Pai do céu, sua dentadura parecia ter o dobro de dentes! Gargalhava alto, praticamente o dia inteiro. Levava a vida na base da gandaia.
E a bunda? A bunda de Iza deveria ser considerada patrimônio da  humanidade. Um fenômeno! Não estou a brincar. É verdade!
Baiana de Itapetinga, mulher de militar transferido, gabava-se ao dizer que morava na Vila dos Oficiais. O endereço era motivo de orgulho. Afinal, numa cidade pequena, pobre, sem esgoto, sem asfalto, a vila da Iza era a própria Av.  Atlântica, no Rio, ou a Av. Paulista, em São Paulo (claro!).
Uma vez, invocada com essa mania de tanto falar bem da Vila dos Oficiais, ousei perguntar:
- Ô Iza, essa vila tem ruas ladrilhadas com pedrinhas de brilhantes?
- Não, minha filha, mas tem cada homão!!! Ia eu sair da  Bahia, da minha Itapetinga, para morar em qualquer lugar?
- Sim, mas o teu marido também é um homão! Precisas de mais?
- Lá  são muitos, baby,  numa vilinha de nada.  A cidade inteira não tem nem a metade. É um deslumbre, minha filha, é um deslumbre!
- Entendi.
-  Já visse os olhos do Comandante Agenor? Visse, negona?
- Realmente, tens muita razão, são verdes e lindos.
Do que sempre soube, Iza e seu "benzin" viviam em plena felicidade. O capitão tinha lá suas durezas e seriedades próprias da farda, mas,  Iza,   sem meninos para atazanar, dedicava-se a zelar os  jardins da vila para se ocupar com alguma coisa. Tarefa amena e colorida.
Nesse cotidiano agradável, cercada de homão por todos os lados, absorvendo flores por todos os sentidos, que motivos poderia ter para ser triste?
Certo dia fui procurada por Iza. Queria uns conselhos. Estava meio sem graça, capionga e um tanto enfarruscada.
- Olhe, amiga, aconteceu um negócio chato e meu "benzin" tá até falando em separação. É que a pia lá de casa entupiu e pedi pra ele tentar resolver a situação.
- Hum,  e o que há de errado nisso?
- É que deixei ele tentando arrumar os canos e saí para ver o jardim da Flávia. Plantei um pé de cajado de São José e tava doidinha pra  ver se tinha pegado.
- Então, o homem ficou aborrecido por teres ido bater pernas na costeira?
- Não, escuta. Deixa pra fazer perguntas só no final. Pois bem, quando voltei pra casa, ainda estava lá, olhando pra debaixo da pia,   de bunda pra cima e , para fazer uma gracinha com meu bem, vim devagarinho, meti a mão nos ovos dele, garrei com cuidado  e perguntei: cadê os coquinhos de mainha?
- Porra, mulher, o homem deve ter tomado um susto danado!
- Espera, foi isso não! Não era o benzin. Tu sabes que aquele povo anda tudo de camiseta branca e calção azul e eu pensei que fosse ele.
Lembrando da situação, caiu na gargalhada, mas logo voltou a ficar séria.
- E quem era, criatura?
- Mulher, nem te conto. Era o comandante Agenor.  Quase eu morro! Minhas Santas Almas Vaqueiras!  O homem olhou para minha cara, queria rir mas não queria, sabe como é?  Depois, só pra não perder a moral, falou que ia contar para o "benzin". Eu tenho culpa, mulher, se pelas  costas eles serem tão parecidos? quase iguais? Tenho?
- Claro que não! E o que você disse?
- Pedi desculpas, mas ficou o clima ruim. Quando contei pro filhinho, a princípio ele não se mostrou com raiva, e explicou o sucedido. Agenor tinha se prontificado a ajudar no desentupimento daquela joça e  ele, meu mozinho,  saiu para comprar uma conexão de não sei o quê, de meia polegada,  essas coisas de encanação, sabes?
- Iza, qual a razão do teu marido ter ficado aborrecido, mesmo sabendo que foi um engano?
- Imagina, só porque eu disse que os coquinhos  de mainha do comandante eram maiores e mais durinhos!!! Imagina, santinha,  não é uma besteira?
- É...  claro que é... É?
Tempos atrás encontrei Iza e seu "benzin" passeando na praça, tomando sorvete de bacaba. Fiz festa. Demonstrei satisfação em vê-los juntos.  Enquanto ele foi comprar  mais um gelado, lembrei dos coquinhos de mainha e aconselhei a doida a  não mais mexer com os brios do capitão. Me diz a safada, toda reboculosa:
- Mexo mais não.  Agora, minha deusa,  que os de Agenor  eram maiores e mais durinhos, eram sim!  Acho que os coquinhos de painho sempre foram  desunerados...
A gargalhada escandalosa ecoou na praça, atraindo olhares. Hora de sair de fininho.
- Tchau, Capitão. Tchau, Iza.  Tchau.
- Tchau! 

***

* Leila Jalul - procuradora aposentada da Universidade Federal do Acre. Autora de Suindara (Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora LTDA, 2007) e Absinto Maior (2007). Leila é atualmente uma das maiores vozes femininas das letras acreanas, juntamente com Florentina e Robélia.

** Crônica publicada originalmente no site de Lima Coelho.

3 comentários:

Luciane Moraes disse...

Oi! Amigo!

Tudo bem?

Como está Tarauacá?
Tem muito abacaxi, aí?

Bacaba! Nossa faz tanto tempo que eu não tomo, acho que já esqueci o gosto.

Abraços! TUDO DE BOM pra você!

Jalul disse...

MESTRE ISAAC, O SEU TEMPO DE BAHIA FOI BOM MESMO, HEIN?
GOSTOU DA IZA? ELA ERA DOIDONA.
CADÊ OS COQUINHOS DE MAINHA? PODE?
MEUS SINCEROS AGRADECIMENTOS PELA PUBLICAÇÃO E PELOS ELOGIOS.
OBRIGADÍSSIMA!

Simone Bichara disse...

Adorei o texto! Maravilhoso.

E em tempo, obrigada por estar sempre conosco, Isaac.
Minhas sinceras admirações!

Grande abraço,
Simone