Profª. Inês Lacerda Araújo
Não faltam receitas e conselhos para viver bem. Em geral se referem à saúde física e mental. A maioria das pessoas já leu sobre isso, há fartura de livros de auto-ajuda, sites, informação na TV e nos jornais: faça exercício, procure seu médico, não se estresse, durma, coma isso e não aquilo, etc.
Mesmo a filosofia tem sido usada com esses propósitos.
É possível, entretanto, apontar para campos pouco explorados, com ajuda de alguns filósofos.
No século I de nossa era os estóicos, filósofos romanos, se voltam para a vida concreta, para os valores que ensejam aceitação, simplicidade, confiança, sobriedade, moderação. Há que desprezar o caráter fraco, "bestial, infantil, indolente, desleal, de histrião, de mercador, de tirano", escreve Marco Aurélio, "a vida é breve; é preciso defrutar o presente com prudência e justiça, ser sóbrio folgando", nada de ficar lastimando, ser como o promontório que permanece firme com o vai e vem das ondas.
Difícil, em uma sociedade que prega o sucesso a qualquer preço e o imediatismo. Resolver tudo já, cumprir metas, devorar e devolver, de preferência sem precisar pensar muito.
É pena, deveríamos ter as malas prontas para partir, o navio mesmo longe, um dia chega. Ser leve para ir embora, não precisamos de bagagem alguma...
(Ilustração de S. Dali para "Ensaios" de Montaigne) |
Outros filósofos ensinam a desconfiar de mitos, de crenças arraigadas, riem dos presunçosos e criticam as pessoas que se têm alta conta. A meta que os orgulhosos perseguem é a glória. Mas também o oposto, crer-se inferior ao que se vale, é viver na sombra, de sobras.
Montaigne (século 16) não teme ferir os orgulhosos e nem teme desprezar os fracos e subalternos. Chegar à velhice, aceitar doenças, sem temor. "É impossível que alguém tenha descanso enquanto temer a morte", diz ele.
O homem oscila entre a animalidade e a racionalidade. Não se deve ignorar nem uma nem a outra: semelhança com os animais e ao mesmo tempo capaz de grandeza; algo de monstruoso (vilanias e violência), algo de gradioso (criatividade e atos livres). É isso que Pascal (século 17) chama de "duplicidade do homem". Talvez levar em conta essas facetas e disparidades sirva para mostrar porque ainda há fome no Sudão e fartura em shoppings. "Praça de alimentação" não é algo bizarro?
Alargar o horizonte e ver mais longe, praticar virtudes sem esnobismo, aprender com a análise de situações e do que nos cerca, crer sem exigir dos outros que também creiam, ver a partir de novas perspectivas tudo aquilo com que se está habituado; estranhar e indagar; saber quando parar; considerar que cada pessoa tem sua própria vida; livrar-se da ignorância, a melhor forma de cultivar a liberdade.
Essas são algumas das boas razões para vidas mais satisfatórias.
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* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e doutora em Estudos Linguísticos. É professora aposentada da UFPR e PUCPR.
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