sábado, 29 de dezembro de 2012

BRASILEIRO POR OPÇÃO – XXVI

José Augusto de Castro e Costa


Com o assassinato de Plácido de Castro, a intranquilidade assolara de vez as plagas acreanas, sobressaltando a todos, ante o regime de violências, com o fim de instigar os seringueiros contra os patrões. 

Nessa política de conturbação generalizada, os gerentes de seringais não tinham, naturalmente sobre o seu pessoal, a mesma ascendência que o dono, o que propiciava a rebeldia de ambiciosos “aviados”, pequenos comerciantes, que dispunham de muitos seringueiros, com quem trabalhavam por conta própria, supridos pelo barracão de que eram fregueses, e em parte locatários. 

Em francas e constantes desavenças, alguns seringueiros (capangas), instigados, escondidos atrás de “sapopemas” de enormes samaúmas, emboscavam, fatalmente, os gerentes ou donos de seringais. 

Havia fase em que o sentimento de segurança e tranquilidade consolidava-se e parecia permanecer por algum tempo, porém, logo o sintoma da desestabilização manifestava-se, levando autoridades a abandonar seus postos, a exemplo do Juiz de Direito, Dr. João Rodrigues do Lago e, a seguir, o Juiz Preparador, Dr. Silvio Gentil de Lima, que, igualmente ameaçado de morte, também tivera que desertar, indo relatar minuciosamente os fatos ao Presidente da República, Nilo Peçanha. 

Dizem que em face de tanta coação, passara a reinar no Acre a “paz de Varsóvia”. Era sob essa opressão psicológica e física que se encontrava a terra acreana. A própria história do assassínio de Plácido de Castro era contada em segredo. 

Quando se esperava um desafogo geral com o advento de um novo Prefeito, eis que agravava-se ainda mais a situação, com a medida de algum militar, quando entendia de revigorar o regime de violência, provocando o renascimento de discórdias entre prefeito e militares e seringueiros e autonomistas. Era de se supor que o procedimento do grupo autonomista do Alto Acre, não secundando o movimento verificado nos outros dois Departamentos, tranquilizasse as autoridades federais, quanto à manutenção ali da ordem pública. Parece, entretanto, que essa atitude incrementara as desconfianças e temores dos agentes do governo em todos os Departamentos acreanos, onde a turbulência política era uma constante, e generalizada era a discórdia. 

Os militares reforçavam as medidas de precaução na defesa de sua Companhia Regional. Mais receoso e menos controlado, o Prefeito passava a hostilizar os principais elementos autonomistas, afastando dos cargos administrativos os poucos que os ocupavam, e cercando-se do grupo de adventícios, intrigantes e bajuladores, que iludiam a confiança e exploravam os favores de todos os prefeitos. 

Segue-se nesse impasse até 1920, quando, pelo Decreto nº 14.383, de 1º de outubro, o governo federal unificou a administração do território, o qual passou a ser dirigido por um Governador, tendo sido nomeado para exercer a elevada função, o médico Epaminondas Jácome, militante ativo em prol da autonomia desde 1909, e membro do Clube Político “24 de Janeiro”, presidido pelo coronel Antonio Antunes Alencar, um remanescente revolucionário. 

Ao Governador Epaminondas Jácome competiu organizar a estrutura administrativa do território, no período de 1920 a 1923, cabendo aos seus dois sucessores apenas, ao que se sabe, custodiar os recursos financeiros. 

O quarto governador do Acre, porém, o advogado Hugo Ribeiro Carneiro, firmou sua capacidade administrativa, ao concretizar, no período de 1927 a 1930, as primeiras edificações em alvenaria, tais como o atual Palácio Rio Branco, sede do governo, o Mercado Municipal, os três pavilhões do atual Quartel da Polícia Militar, a instalação da primeira agência do Banco do Brasil no Acre, a construção da primeira Maternidade em Xapurí, além de ativar o exercício da Instrução Pública, instituindo, no “curriculum” escolar, a aplicação de disciplinas relacionadas às atividades cívicas, artísticas e conhecimentos gerais, impondo, como costumava dizer, o uso do “uniforme que pôs termo aos excessos e inconvenientes da moda no Acre”. 

Depois de vivenciar as crises diplomáticas e políticas, vira-se o Acre envolvido com a crise constitucional, quando a Constituição Brasileira de 16.7.1934, preceituara em seu artigo 16, § 1º, que “logo que tiver 300.000 habitantes e recursos suficientes para a manutenção dos serviços públicos, o território poderá ser, por lei especial, erigido em Estado”, e em seu §3º, do mesmo artigo, “o território do Acre será organizado sob o regime de Prefeituras autônomas, mantida, porém, a unidade administrativa territorial, por intermédio de um delegado da União, sendo prévia e equitativamente distribuídas as verbas destinadas à administração local e geral”. 

Fora porém o décimo primeiro  governador, José Guiomard dos Santos, quem dera ao Acre, de 1946 a 1950, os méritos almejados por aqueles que lutaram pela terra que aprenderam a amar, transmitindo-lhes um sonhado sentimento de segurança e tranquilidade. 

Mineiro de Perdigão, era o Major Guiomard dotado de certa experiência, adquirida no período de 1940 a 1943, quando exercera o cargo de Governador do Território Federal de Ponta Porã. 

No Acre, o governador Guiomard dera ênfase à sua administração, promovendo a modernidade do Território, ao pavimentar suas ruas, utilizando tijolos, em vista da completa ausência de pedras no solo acreano. Para facilitar suas visitas aos demais municípios, em número de seis, além da capital, foram adquiridas sete lanchas modernas, com acomodações para seis passageiros, em três camarotes com beliches, distinguindo, cada uma, com a denominação da respectiva sede: Rio Branco, Xapurí, Brasiléia, Sena Madureira, Feijó, Tarauacá e Cruzeiro do Sul. 

Eram destaques do governo a conclusão de obras até então inacabadas, como escolas públicas e hospitais, e a implantação das primeiras monoculturas, levadas a efeito em locais devidamente inaugurados, na capital acreana, para os respectivos fins, como a Fazenda Sobral, a Estação Experimental e o Aviário.

Em junho de 1954, o então Deputado José Guiomard dos Santos, líder do PSD acreano, apresentara à Câmara dos Deputados o projeto destinado a elevar o Território do Acre à categoria de Estado, pleito que se tornou uma constante até sua concretização, oito anos depois. 

Por essa época, no Acre, destacavam-se dois partidos: O PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), liderado pelo Deputado General Oscar Passos e o PSD (Partido Social Democrático), comandado pelo Deputado General José Guiomard dos Santos. Ambos, contemporâneos desde a Academia Militar, haviam governado o Território do Acre, cabendo ao então Major Oscar Passos, o nono a ser nomeado, exercer a administração acreana por um curto período, de 30 de agosto de 1941 a 22 de agosto de 1942. 

Em 7 de setembro de 1961, dada a renúncia de Janio Quadros, assumira a Presidência da República o Vice-Presidente João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), opositor ao PSD, a que pertencia o Deputado José Guiomard dos Santos. 

Ruy Lino
Em 29 de outubro de 1961, fora nomeado o 22º governador do Acre, o petebista, Engenheiro Agrônomo José Ruy da Silveira Lino, acreano de Tarauacá que, na sequência, viria a ser o último Delegado da União no Território. 

Um dos principais pleitos do Governador Ruy Lino era com vistas ao bem estar social dos funcionários do governo que, desde os primórdios da administração acreana, não possuíam a menor estabilidade empregatícia, nem direitos a quaisquer benefícios que os demais funcionários brasileiros já possuíam, sobretudo após a era Presidente Vargas. 

Logo após tomar posse, o governador Ruy Lino, acompanhado do seu chefe de Gabinete, Geraldo Brasil e do Deputado Oscar Passos, líder do PTB acreano, apresentou ao Presidente João Goulart a situação reinante entre os funcionários acreanos, conhecidos como extra-numerários mensalistas, que além de não possuírem salário fixo, não usufruíam de direitos a férias, nem a licenças trabalhistas.

Inteirando e sensibilizando o Presidente da República, o governador Ruy Lino promoveu o enquadramento dos funcionários públicos do Território do Acre, efetivando-os e garantindo-lhes honrosa estabilidade, assegurando-lhes todos os direitos oferecidos através do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Lei 1711, de 28.10.1952), outorgando-lhes, enfim, dignidade e cidadania, vinculados ao Quadro de Pessoal do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. 

Correio da Manhã 25 outubro de 1961
Não obstante às divergências partidárias, mais intensificadas pelos correligionários apaixonados, a alta cúpula do PTB acreano sempre concordou com o projeto de autonomia do Acre, elevado à categoria de Estado. Haja vista a Ata da Reunião promovida pela Associação Comercial do Acre e Classes Conservadoras, com os Deputados José Guiomard dos Santos e Oscar Passos, sobre o tema. Registre-se, ainda, a entrevista do Governador Ruy Lino ao jornal carioca Correio da Manhã, oito meses antes da sanção da Lei nº 4.070, quando o mandatário acreano destacara os esperados benefícios que adviriam com o novo Estado.

Para não fugir às curiosidades do Acre, sua elevação a estado deu-se, justamente, com o beneplácito do Presidente da República, membro do partido opositor ao do autor do projeto, demonstrando respeito ao anseio da maioria dos acreanos. E José Ruy da Silveira Lino, o último governador fora, em toda a história do Território do Acre, o primeiro e único governador acreano de nascimento.

Em 15 de junho de 1962, finalmente, era sancionada a Lei nº 4.070, que elevara Território do Acre à categoria de Estado, vindo a revelar o brilho “de um astro em nossa bandeira, que foi tinto no sangue de heróis”. 

"Adoremos a estrela altaneira, o mais belo e o melhor dos faróis”, a guiar o único Estado que é brasileiro por opção.

F  I  M 


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* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.

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