Fragmentos de entrevista do filósofo Giorgio
Agamben
Para entendermos o que está acontecendo, é preciso
tomar ao pé da letra a ideia de Walter Benjamin, segundo o qual o capitalismo
é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião
que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um
culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro. Deus não morreu, ele se tornou Dinheiro. O Banco – com os seus cinzentos funcionários
e especialistas - assumiu o lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o
crédito (até mesmo o crédito dos Estados, que docilmente abdicaram de sua
soberania ), manipula e gere a fé – a escassa, incerta confiança – que o nosso
tempo ainda traz consigo. Além disso, o fato de o capitalismo ser hoje uma
religião, nada o mostra melhor do que o titulo de um grande jornal nacional
(italiano) de alguns dias atrás: “salvar o euro a qualquer preço”. Isso mesmo,
“salvar” é um termo religioso, mas o que significa “a qualquer preço”? Até ao
preço de “sacrificar” vidas humanas? Só numa perspectiva religiosa (ou melhor,
pseudo-religiosa) podem ser feitas afirmações tão evidentemente absurdas e
desumanas.
“É mais simples manipular a opinião das
pessoas através da mídia e da televisão do que dever impor em cada oportunidade
as próprias decisões com a violência. As
formas da política por nós conhecidas – o Estado nacional, a soberania, a
participação democrática, os partidos políticos, o direito internacional – já
chegaram ao fim da sua história. Elas continuam vivas como formas vazias, mas a
política tem hoje a forma de uma “economia”, a saber, de um governo das coisas
e dos seres humanos. A tarefa que nos espera consiste, portanto, em pensar
integralmente, de cabo a cabo, aquilo
que até agora havíamos definido com a expressão, de resto pouco clara em si
mesma, “vida política”.”
Poucos sabem que as normas introduzidas, em
matéria de segurança, depois do 11 de setembro (na Itália já se havia começado
a partir dos anos de chumbo) são piores do que aquelas que vigoravam sob o
fascismo. E os crimes contra a humanidade cometidos durante o nazismo foram
possibilitados exatamente pelo fato de Hitler, logo depois que assumiu o poder,
ter proclamado um estado de exceção que nunca foi revogado. E certamente ele
não dispunha das possibilidades de controle (dados biométricos, videocâmaras,
celulares, cartões de crédito) próprias dos estados contemporâneos. Poder-se-ia
afirmar hoje que o Estado considera todo cidadão um terrorista virtual. Isso
não pode senão piorar e tornar impossível
aquela participação na política que deveria definir a democracia. Uma
cidade cujas praças e cujas estradas são controladas por videocâmaras não é
mais um lugar público: é uma prisão.
A situação da arte hoje em dia é talvez o
lugar exemplar para compreendermos a crise na relação com o passado, de que
acabamos de falar. O único lugar em que o passado pode viver é o presente, e se
o presente não sente mais o próprio passado como vivo, o museu e a arte, que
daquele passado é a figura eminente, se tornam lugares problemáticos. Em uma
sociedade que já não sabe o que fazer do seu passado, a arte se encontra
premida entre a Cila do museu e a Caribdis da mercadorização. E muitas vezes,
como acontece nos templos do absurdo que são os museus de arte contemporânea, as
duas coisas coincidem.
Esta é a contradição da arte contemporânea:
abolir a obra e ao mesmo tempo estipular seu preço.
Leia aqui na íntegra a entrevista de Giorgio Agamben
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