Rogel Samuel |
1. Quando eu era
menino tive um singular professor no curso ginasial.
Era
o primeiro dia de aula. Turma cheia. Inquieta. Violenta. Moleques dispostos a
bagunçar e brigar. Um perigo.
Então
entrou em sala de aula o professor. Era atarracado, forte, aparência militar.
Não
direi seu nome, seus filhos e netos devem estar em Manaus.
Começo da aula. O
professor avaliava os alunos. Os alunos olhavam, desafiavam, tensos, o
professor.
Algo
secreto pairava no ar. Algo suspeito, uma bomba ia explodir.
O
professor sério, falava, explicava o curso que ia dar. Nós nos entreolhávamos,
ouviam-se risinhos sufocados. O professor começou a sentir-se mal, respirava
fundo, com dificuldade.
Foi
quando o professor voltou-se para o quadro-negro e começou a escrever. Escrevia
rápido, a letra era muito bem feita, alinhada, de calígrafo. Então ele recebeu
a primeira bolinha de papel.
Voltou-se
para nós, branco, os lábios tremiam. Continuou a escrever, novas bolhinhas.
Voltou-se para nós e disse, tinha a voz trêmula:
–
Eu quero avisar uma coisa: eu não reprovo, não ponho aluno pra fora de sala,
não chamo a diretora...
E
abrindo o paletó, onde deixou aparecer um revólver:
–
Eu quebro a cara de quem atrapalhar a aula!
2. Outra
professora, excelente, era nossa professora de música. Dava aula regendo:
–
Dó-ó! – Dividia os tempos, cantando.
Um
dia um gaiato conseguiu por um gato no gavetão de sua mesa de tampa. Quando ela
levantou a tampa e abriu a mesa o gato pulou sobre ela e ela desmaiou. “Estará
morta?” Os alunos de apavoraram. O diretor, espírita, dava-lhe uns passes...
3. Nosso professor
de ciências era magrinho, baixinho, mas muito brabo. Um dia, atravessando a
rua, quase foi atropelado:
–
Idiota! Gritou-lhe o chofer.
Ele
tirou o revólver e deu vários tiros no carro. Não matou ninguém.
Estando
em sala de aula enfureceu-se com o barulho dos alunos e deu um murro na mesa:
seu anel de formatura com vários diamantes espatifou-se. Voaram brilhantes por
todos os lados. Saímos catando pelo chão, para ele.
Já
bem velhinho o encontrei num shopping no Rio de Janeiro.
4. Nosso professor
de história, outro advogado, comunista. Vestia um impecável terno branco que
tirava diante de nós:
–
Na aula passada . – (e acendia o cigarro)... nós nos reportávamos à civilização
bizantina...
Falava
pausado, mas ininterruptamente, com voz nasal. Sua prova era oral: fazia só
três perguntas, durante a chamada. Elegante no vestir, elegante no falar, sua
aula (vejo hoje) era um desenrolar da História aos nossos olhos. A História se
manifestava ali, na sua dialética marxista. O mais incrível era que ninguém o
perturbava. Não usava nenhum livro didático, nós tínhamos de tomar as notas do
que falava para responder às provas. Não era decorar, mas entender a História,
com suas causas e consequências.
Nosso
professor era um advogado. Um advogado da História.
Um comentário:
OBRIGADO, AGRADECEM OS MESTRES DO PASSADO, JÁ MORTOS... SEU BLOG É UM MINISTÉRIO DA CULTURA DO NORTE BRASILEIRO COM AMPLO HORIZONTE... FELICIDADES, ROGEL SAMUEL
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