Poesia brasileira
contemporânea
Cesar Garcia Lima -
Trópico de papel - Editora 7Letras - 64 Páginas - Capa: Alice Garambone -
Lançamento: 2019.
A poesia segura e
madura de Cesar Garcia Lima tem inspiração na fina ironia de Carlos Drummond de
Andrade, nosso maior poeta modernista que, não por acaso, é citado em alguns
poemas deste livro. De fato, Trópico de
papel tem como base aquele mesmo sentimento de inadequação do indivíduo
diante de uma sociedade sem valores, a mesma forma de descobrir o drama e a
comédia nas coisas simples do cotidiano, a expressão do universal na visão do
particular, aspiração de toda obra literária.
Destaquei três
poemas que compartilham dessa visão existencial de Drummond sobre a vida (e a
morte), seja no bem-humorado Indulgências
onde o artista aceita um marcador de livro como pagamento, na rara e sofrida
beleza de Um corpo que cai ou na
crítica social presente em Vale-transporte
da poesia.
Convido o leitor a
conhecer mais sobre Cesar Garcia Lima, repetindo a oração da simplicidade que o
poeta nos ensina: “Senhor, / fazei de mim
/ qualquer um / à maneira de São Francisco de Assis / com moedas imersas / na
fonte dos desejos / as janelas abertas / aos aromas das estações / e os animais
lambendo as patas / depois do jantar.” (Oração a qualquer um)
INDULGÊNCIAS
Sou pai de livros
e por isso estou
vendendo
estes poemas para
me ajudar
Vinte poemas de
amor
para me publicarem
Vinte poemas de
natureza
para me lerem
Dez poemas de
liberdade
para me respeitarem
Aceito marcador de
livro
UM CORPO QUE CAI
O corpo abandonado
é sinal da desimportância
do vivo tornado
morto.
O corpo ao sol
prolonga uma sirene de dor.
O corpo ancorado no
playground é insígnia
alardeada de que
nós, inquilinos da carne,
teremos o mesmo
fim.
O corpo tatuado no
cimento é uma pista
da angústia
grisalha, visível da janela.
O corpo calado
rouba a cena
de quem quer
continuar vivo
e vê-lo convertido
em pequena notícia de jornal.
O corpo
ensanguentado é uma risada sem freio,
chama atenção para
si,
é tragédia que nos
ignora e paralisa.
O corpo, coberto
dos pés à cabeça espatifada,
incentiva nossa
culpa
de algo que
poderíamos ter feito.
O corpo, à espera
dos bombeiros
é memória
transformada em espetáculo palpável.
Seria mais
confortável vê-lo emoldurado na TV
ou no cinema.
O corpo dobrado nos
faz duvidar de Deus
e querer, ao mesmo
tempo, o seu conforto.
O corpo, visível
mesmo depois de retirado,
nos dá ânsia de
fugir da paisagem
do prédio cinza de
onde veio
e adivinhar a
história que caiu
e as que lá
permaneceram.
VALE-TRANSPORTE DA
POESIA
Ao incontrolável
desejo
De ser lido
Sobrepõe-se o
alívio
De ser esquecido.
A compreensão não
se mede
Ao acaso da mídia,
Ao relutar
acadêmico.
Importa que Suely,
Profissão
balconista.
Doméstica por
circunstância,
Peça ao patrão
As obras completas
de Drummond
Para guiar seu
trajeto
Da Baixada
Fluminense
Aos corações de
Copacabana.
Sobre o autor:
Cesar Garcia Lima nasceu em Rio Branco (AC) em 1964. Poeta, jornalista e
professor, participou do grupo Cálamo, de criação e pesquisa literária, em São
Paulo. É autor dos livros de poemas Águas desnecessárias (Nankin, 1997) e Este
livro não é um objeto (edição do autor, 2006). Vive no Rio de Janeiro.
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