terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

O SOL NASCE NO ACRE

José Alcides Pinto (1923-2008)

 

Da densa

geografia

de teu corpo

:

onde nascem

os sonhos

a esperança

a flor

:

onde a(s)cende

vésper

o caule

de fogo

:

que há

de queimar

déspotas

tiranos

:

destruir

hipopótamos

do medo

:

estaremos

contigo

companheiro

:

abraçados

unidos

ao teu flanco

:

para que

nos fortaleça

com tua luz

de granito

e o sal

de tuas narinas

:

Desse mapa-

múndi que

carregas

(na

pele)

:

há-

de brotar

a vermelha

rosa

da esperança

:

cujo fulgor

ilumina

aldeias

proletárias

:

onde

crianças

têm pesadelos

que as sufocam

com hienas

– bruxas do poder

:

Tua mão poderosa

companheiro

como a pata

de pegasus

esmaga

a miséria

que enlameia

a pátria

:

corrói

o pórtico

da história

como a ferrugem

:

(porque

como Bayron

hei de ensinar

se puder

até as pedras

a se levantarem

contra os

tiranos

da terra)

:

Nesta

ou naquela

região

(de norte

a sul)

:

por toda

parte

que se volte

:

teu nome

está inscrito

no vento

:

no pórtico

das catedrais

nos templos

:

está inscrito

nas comunidades

indígenas

:

nas reservas

extrativistas

:

em todo o

território

brasileiro

:

está escrito

no pacto

na aliança

dos povos

da floresta

:

no Sindicato

de Brasiléia

Xapuri

:

no “empate”

no coração

do seringueiro

:

está escrito

nas centrais

operárias

:

praças

ruas

aglomerações

populares

:

porque

és líder

desta nação

e representas

a liberdade

:

Tu sabes

que a esperança

está em ti

como nas

profecias

:

guerrilheiro

do sonho

tu sabes

muito bem

:

não és o

anunciado

mas o que

anuncio

:

neste poema

sem assédio

nesta escritura

sem rascunho

:

para este tempo

de “homens partidos”

prover de vergonha

:

Chico:

homem do

povo

autêntico

revolucionário

:

flor da

esperança

:

pulmão do

mundo

nas mãos

de Deus

:

símbolo

da luta

pela democracia

:

– chama

da justiça social –

:

a canção

do vento

que te embalou

a infância

:

é a mesma

que te agita

a cabeleira

de doces anéis

rutilantes

:

onde os

rouxinóis do amor

fazem o ninho

:

e os caracóis

da volúpia

descem sobre

tua fronte

premonitória

:

conheces

a palavra

e a estratégia

que combatem

o inimigo

:

teu nome, Chico

está em toda parte

do país

:

como a mancha

de sangue

na praça

– sinal de luta

:

como o arranhão

o grafite

no muro

que o tempo

não apaga

:

está nos “retirantes”

das telas de

Portinari

:

está em

“guernica”

da Espanha

de Picasso

:

Teu nome

está no

sambódromo

:

na praça

da apoteose

:

no grito

do samba

na música

do frevo

:

no pé

na capoeira

:

no zumbido

do apito

no estandarte

da porta-

bandeira

:

no ritmo

da passista

no voo

do mestre-sala

:

na alegria

e na explosão

dos fogos

de artifício

:

está no

sangue

de tuas três

raças

:

na tua

miscigenação

:

no feitiço

na magia

negra

das ancas

das mulatas

:

na mise-en-scéne

na coreografia

no futebol

:

está inscrito

no Brasil

como na dança

exótica

de um palmípede

 

PINTO, José Alcides. O sol nasce no Acre. Fortaleza: 1991. p. 9-20

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