Antonio Rodrigues Pereira Labre (1827-1889)
Imagem: Revista Illustrada. Rio de Janeiro. 1888. Ano 13. N.º 506 |
Chegadas as familias que tinhão ido refugiar-se
em Mirityhan, commessaram os festejos da commemoração da victoria; mortos
Arabhuny e todos os prisioneiros, suas carnes foram talhadas, e divididas por
grupos ou familias, que sobdividiam por cada individuo que assava com
sofreguidão[1];
a antropophagia foi completa, danou-se e banqueteou-se três semanas, a meza foi
servida com o vinho de patauá[2]; Achy não tomou parte do
banquete, nem tam pouco Caximaham, seu pretendente, que procurava agradal-a, aceitando
as suas reformas, e segindo o seu exemplo em tudo, pelo que foram ambos
exprobados de todos. Hiyu, Checah, e Uaranah, filhos do cacique Chimarú, d’Aldea
do Sipatiny occuparam-se das exéquias do pai morto em combate, de cujo cadáver separaram
as carnes dos ossos, e depois de haver comido aquellas, desecaram convenientemente
a cabeça e toda ossada, os lavram, e secos ao sol, os pintaram, e, os condusiram
comsigo para serem inhumados na terra natal.
Concluida a festa os chefes das nações visinhas
retiraram-se levanda cada um a preza, que lhes coube.
Canayuha ficou em sua maloca (Aldêa) expansivo,
cheio d’alegria e d’orgulho pelos louros da victoria, apesar d’ainda doente dos
ferimentos recebidos. De prevenção havia mandado extrahir as canellas d’Arabhuny,
as quaes foram bem preparadas, polidas, e transformadas em instrumento de
musica marcial para rememorar os dias d’annos, em que ferio-se a memoravel
batalha d’Upahyhan, comemorando ainda este glorioso feito anualmente para memoria,
animações e orgulho da nação, e das novas gerações.
Os filhos do cacique Chimarú, morto na batalha
d’Upayhan, chegados á sua aldea no alto Sypatiny, reuniram todo o povo da nação
historiarão os factos da batalha, em que teve lugar a morte de seo chefe, cujos
restos mortaes apresentaram, houve muito pranto, e antes do enterro foi proclamado
chefe (Tuxaua) da nação Hiyú, o filho mais velho de Chimarú, e addiou-se as
festas do estylo para a primeira lua depois do funeral de Chimarú; na inhumação
de seus ossos fez-se ceremonias com muito acatamento e cantorias tristes
acompanhados de lamentações, e chorosas despedidas; foi o enterro feito de
baixo de coberta enxuta fazendo-se por esse fim uma chocasinha apropriada e bem
feita; os ossos foram dados á sepultura, em uma urna de barro queimado, espécie
de pote bem tampada; as veses este vaso representa uma figura symbolica ou mítica.
É singular a este respeito o uso dos Ipurinãs
do Sypatiny de comerem o pai ou a mãi, que morrem natural ou accidentalmente, é
isto tradicional; e parece ser um costume religioso, ou sagrado, procuram
evitar a consumpção directa da terra pela decomposição lenta e natural da
putrefacção dos corpos; preferem comel-os, supondo guardal-os em si livres de
profanação, dando ao mesmo tempo mostra de respeito, estima, e grande dedicação,
e assim compenetradas sam a isso levados por dever filial, que consideram
sagrado.
Interram, porem, os ossos, e passados dous anos
mais ou menos, fazem a exhumação do craneo, lavam-n’o, sendo caprichosamente
bem limpo e preparado pintam-n’o denovo e o perfumam com oleo aromatico, e por
espaço duma semana lhe fazem veneração por meio d’adorações, levantando
cantorias tristes em signal de manifestações de despedida final, derramando
lagrimas, e, no ultimo dia destes exercícios fúnebres, o sepultam de novo com
as formalidades do estylo, para não mais revolver o sepulchro, e nem perturbar
o jazigo do morto.
Jornal Commercio do Amazonas, Manaus-AM, 5 de junho
de 1880, ano XI, nº 135, p. 2-3
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