AEROPORTO
Tempo gigantesco é um dia,
para quem perdeu a viagem,
o endereço para onde iria,
seu bilhete, sua bagagem,
para sua alma não vadia,
tempo gigantesco é um dia,
para quem sonhava distância
da própria história e não consegue,
sem asco, lembrar-se da infância,
mesmo com Deus por companhia,
tempo gigantesco é um
dia. p. 415
CASA VAZIA
Poema nenhum, nunca mais
será um acontecimento:
escrevemos cada vez mais
para um mundo cada vez menos,
para esse público dos ermos,
composto apenas de nós mesmos,
uns joões batistas a pregar
para as dobras de suas túnicas,
seu deserto particular,
ou cães latindo, noite e dia,
dentro de uma casa vazia. p. 416
PARQUE 13 DE MAIO
As pupilas velhas disparam
seu rancor nos jovens casais,
que se abraçam no parque em festa,
por entre pombos e pardais,
pálidos de ressentimento,
aqueles anciãos se sentam
vencidos, nos bancos de pedra,
enquanto a noite, muda arqueira,
já lhes aponta a negra fecha,
por não saberem, na partida,
que obscena é a morte, não a vida. p. 422
MELO, Alberto da Cunha. Poesia completa. 1ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2017.
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