Aldisio Filgueiras
o fim do mundo, já
se pode vê-lo, e se
revela, a curto prazo
no rio e na rua.
A pretexto
o circuito das chuvas
varre com apetite
o aluguel dos quintais
para o olho da rua p. 30
A alegria
derruba impostos
e atropela
com sua mudez
de farrapo
os discursos
e as seitas de cada esquina
porque se existe ordem
tudo está no fim da linha:
a fome
dos homens
(qualquer fome
dos homens)
envenena
as formigas
e a terra. p. 40
O riso que esconde
e revela
uma natureza
sem dentes e sem
dinheiro
quer lembrar
que existe ali
onde.
O subúrbio é um aterro
sanitário
de onde oficiais
de justiça despejam (ontem um
a exclusão dos campos deles bebeu
e das fábricas comigo e não
estava feliz)
mas tudo são ordens. p. 56
De tanto que veste
e despe a floresta
(ora mato ora mata)
em concreto armado
de unhas e dentes de aço
a cidade solta o verbo
matar em primeiro grau
e o declina
dinheiro
dinheiro
dinheiro
na camisa das massas
como uma griffe
assassina. p. 69
E como são pequeninas
as bronquites do amor
que aliciam multidões
de cegos nas esquinas! p. 106
Tudo termina na água
onde começa a viagem
da palavra e do homem.
Os bárbaros
barcos barrocos.
O exército de olhos
que sobe primeiro
o barranco do cais.
E depois, os pés
molhados e o medo
faminto de paisano
no convés das calçadas. p. 115
Nem mamelucos nem cafuzos
cabocos mansos também não
muito menos índios letrados
nem nordestinos selvagens
tataranetos de holandeses
filhos de padres mulas-sem-
cabeça judeus errantes árabes
todos mortos como ciganos
armados de facas nas mãos
todos mortos como ciganos
pregados na cruz para nos salvar p. 130
E logo o olho se apruma
já quase vesgo, meu Deus!,
por entre as linhas tortas
dos cronistas e viajantes
para ouviver nos berreiros
civis: cidadãos ou morte!
E as novidades dos outros
de toda sorte: subúrbios!
Todos mortos como cabanos. p. 132
Manaus,
um dia desses um ano desses
Amadas crionças
foferas minhas
e filhotes idem
se vocês não se conformam
como é o figurino cristão
eu trago vocês todos e tranco
em Manaus até o Juízo Final
e vocês aprenderem o bê-a-bá.
Daí que adeus rios e florestas
canibais mundo feliz e tudo
mais onde cantam os sabiás.
Vocês não bem sabem
ainda o que é bom pra tosse
quando se chega em Manaus
como eu cheguei sem um cu
pra dar de troco embora vocês
saibam melhor com quantos paus
se faz uma canoa daquelas gran-
des.
Mundo desempregado é a oficina
do diabo. Estoilhes avisando
e quem aviso amigo é.
E aí, tudo bem?
Mandem logo notícias boas. p. 137
FILGUEIRAS, Aldisio. Nova subúrbios. 2.ª ed. Manaus: Valer, 2008.
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