Constantino Tastevin
“Ego sum pastor bonus, dizia Nosso Senhor Jesus
Cristo, cognosco oves meas et cognoscunt me meae”.
“Eu sou o bom pastor e por isso conheço as
minhas ovelhas e elas me conhecem”.
Dessas palavras depreende-se a necessidade para
um vigário de conhecer os membros da sua freguesia, tarefa muito difícil e
talvez impossível neste recanto da terra onde tudo é anormal.
Procuro pelo menos aproximar-me do ideal, embora
de longe, recolhendo certos dados mais significativos sobre a população dos
rios a quem levo o conforto de nossa religião.
Costumo sempre encontrar a máxima boa vontade da
parte desta excelente população brasileira e é o que verifiquei mais uma vez
durante a minha desobriga no rio Muru.
Vai aqui junto com os meus agradecimentos o
resultado desse sucinto recenseamento:
Homens – 915, mulheres 345; menores de 16 anos –
meninos 370, meninas 349; fazendo um total de 1979, com exceção do seringal “Victoria”
e dos do rio Iboiaçú, mais ou menos 300 almas.
As famílias são: 295, das quais 134 pela
igreja; 54 só civilmente; 37 amasiadas; 32 indígenas; 29 adúlteras; 5 adúlteras
aos olhos da lei; 3 adúlteras e excomungadas; 1 bígamo e adúltero.
Os adúlteros excomungados são aqueles que sendo
casados pela religião, atentam o casamento civil com outra pessoa.
Ficam 620 celibatários para 50 celibatárias,
das quais algumas passaram de sessenta anos.
Daí resulta o desequilíbrio descomunal de mais
de 12 celibatários para 1 mulher celibatária. Desequilíbrio numérico cuja
repercussão se faz dolorosamente sentir na moralidade, como se vê no quadro das
famílias, ao progresso, na higiene moral e física das nossas pobres ovelhas; e
que vai tristemente repercutir, ainda sobre o futuro desta região.
É urgentíssimo que as pessoas de
responsabilidade procurem fixar sobre as suas terras e multiplicar as famílias,
único elemento estável e progressivo na sociedade.
Devem para isso oferecer-lhes algumas
vantagens, facilitar-lhes o acesso à propriedade ou pelo menos seriamente garantir
o resultado do seu trabalho agrícola, para que elas se afeiçoem a terra, e aí
se desenvolvam.
Os sacrifícios aparentes do primeiro momento
serão largamente recompensados quando crescer a nova geração mais numerosa,
mais amante ao seu torrão natal, mais adaptada ao meio e, por isso, mais
produtora de riquezas, e base de lucros maiores. Caveant consules: o perigo é
grande. Basta notar que de 1920, para cá, em 3 anos, a população do Muru tem diminuído
da metade.
Padre Constantino
Jornal A Reforma, Tarauacá-AC, 16 de março de
1924, Ano VII, n. 295, p. 2.
Nota I: O Pe. Constantino (Constant) Tastevin
(1880-1962) esteve em Tarauacá, pela primeira vez, em fevereiro de 1923.
Nota II: “O padre Constant Tastevin,
missionário da Prefeitura Apostólica de Tefé (AM) visitou Cruzeiro do Sul (AC)
pela primeira vez em setembro de 1911, tendo retornados mais duas vezes, em
1913 e em 1914. No início de 1924, sobe o rio Muru e volta em fevereiro a
Seabra (hoje Tarauacá); de 5 de abril até fins de maio, sobe parte do Tarauacá
e Jordão. Em junho e julho, sobe o Tarauacá até suas cabeceiras. Visita pelo
menos três aldeias kaxinawá que foram "amansadas" e fornecem serviços
para os seringais. Até a década de 1980, o que se conhecia linguística,
geográfica e etnograficamente do Juruá e do Jutaí reduzia-se essencialmente aos
seus trabalhos.”
Nota III: A grafia foi atualizada conforme o acordo ortográfico vigente (2009).
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