sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

POEMAS DE MADY BENZECRY

O REGATÃO (BUFARINHEIRO)

                                              (a Paschoal Carlos Magno)

 

ALEIVANTA A POITA

E ARRIA AS AMARRA!

 

Manhãzinha chega.

Café com farinha d’água,

banana, café, mandioca,

cachaça pra arrematar,

na ceia, piramutaba,

o mandii, o surubim,

e a rede na proa armada

pru caboclo cochilar.

 

O toqueiro na viola

Sob a tolda cantarola:

 

O periantã me disse,

que as enchente vai chegá,

se eles num mente, espera

que eu vô enchê a igarité

de capoeira de criação,

de frasqueira de cachaça,

vô pô bilha, cobertô,

pinico, rede e jabá

prus padre da roça grande

nus benze e ajuntá.

 

E como um cavalo brabo,

botando fogo nas ventas,

o bufarinheiro, bufa,

empina-se, arfa e guina

trotando as águas barrentas.

 

E o toqueiro na viola,

sob a tolda cantarola:

 

Eu vô arrancá um oio

de boto pra tu botá

pru cima do teu pescoço

prus ôio grande afastá...

 

Muié casada num deve

a meia noite saí,

o boto vermeio anda

cantando pra elas ouví.

 

Arrepara os pé desse macho

que canta pra te encantá,

é rabo de peixe, é o boto

que veio te enfeitiçá.

 

Menina pruque tu foi

nos igarapé te lavá?

Cumpade cun candirú

tua fia tem de casá

 

E o bufarinheiro bufa

em meio da cerração,

relincha como um cavalo

sem rédea e sem bridão.

 

Em dia de calmaria,

é como um cavalo manso

pastando aos raios de sol;

e quando a noite aparece,

por onde quer que ele siga,

o Rio é a sua rua,

a lua é o seu farol. p. 71-73

 

O FUNERAL DE FRANCISCO SANTOS VALADÃO DE MOURA REIS

(Xácara única e derradeira)

                                                A Jorge Amado

 

Trebentino Falcão Neto,

filho de Trebentino Falcão

Filho e neto de Trebentino

Falcão,

herdou (por herança do avô)

5 cabeças de boi,

7 porcos, 11 patas,

3 gordass vacas leiteiras,

1 casa e um terreno

com 200 seringueiras.

Desde então,

Trebentino Falcão Neto,

Tornou-se na região

às margens do Rio Purús

“São Luiz de Mamuriá”,

coronel, seringalista,

doutor, juiz, conselheiro

e até bom capelão.

 

Em todos os seringais

vizinhos, corria a fama

do cabra Francisco Santos

Valadão de Moura Reis,

vulgo “Chico Peixeira”

que viera do sertão

nordestino e se dizia

contra-parente direto

do temível Lampião.

 

Há muitos meses não havia

gingado ou arrastapé,

que não findasse “cun as briga

desse cabra por muié,

e o Coroner Trebentino

arresorveu acaba

cun a arruaça de Chico

aperparando uma festa

no seu próprio seringar.

 

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DOMINGO

(à boca da noite)

 

Arrastapé na sala principar do seringar

Do coroner

 

TREBENTINO FALCÃO NETO

 

É puribida as entrada sem camisa.

As muié pode vim cumu quizé.

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No dia da dita cuja,

da Boca do Acre, Tefé,

Rio Branco e Manocoré,

chegavam igarités,

gaiolas, barcos, ubás,

e em uma delas Rosinha

Limadura de Alenquer,

que era a favorita

da casa do “Coroner”.

 

Aluá e cachacinha

correu e se iniciou

a festança com viola,

carimbó, flauta e corneta

e até, “magine” um pandeiro!

mas a música estancou

quando na sala apontou

“o tar do Chico Peixeiro”

 

Marido pegô nos braço

das muié, as mães das fías,

mas Francisco Valadão

foi direto na Rosinha

(logo do seu Coronér

Trebentino Falcão Neto!)

 

“Minha Nossa Senhora dos Seringar!

Foi horrive, pois um home

magrinho que nem cipó,

disse assim pru Coroner:

 

Deixa qui eu cuido dele,

minha muié tem 10 filho,

dos 10, um ele fez,

ardepois, seu Coroner,

já matei 10, e mais um

num faz diferença não

nas ponta do meu facão.”

 

E avançando pru cabra,

numa facada certeira,

enfiou até o cabo

no bucho do Chico Peixeira.

 

“E o cadavre, teu Trebentino?

bota lá no tendar

com 4 velas em vorta.

No tendar de secá pirarucu, Coroner?

Então home? Te avia,

que a festa vai continua

e só finda lá pras 6,

agora é pra festeja

a festa dos funerar

do cabra Francisco Santos

Valadão de Moura Reis. p. 74-78

 

 

BENZECRY, Madi B.,. Sarandalhas (poemas). Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1967.

*Mady Benoliel Benzecry, Artista plástica e poeta amazonense. Nascida em 1933, em Manaus, Mady radicou-se, aos 30 anos, no Rio de Janeiro, onde faleceu, em 2003. Era casada com o artista pernambucano Eugênio Carlos de Almeida Barbosa.

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