Profª. Inês Lacerda Araújo
A noção de sujeito para Descartes é a de pessoa com uma mente autoconsciente e a de um corpo como uma máquina; a de Kant é a de pessoa dotada de liberdade de decidir, absoluta, incondicional, e também de capacidade racional para pensar o real por meio de formas invariáveis, que possibilitam conhecer tudo o que está no tempo e no espaço, que tem uma causa e pode ser determinado.
Pois bem, Foucault tem outra noção de sujeito. Ele pensa um pouco como Nietzsche, nada além de atos e práticas que pertencem à história pode nos constituir, seja para pensar, seja para agir, seja para valorar. Sujeito e história se constituem um ao outro. Como?
Pois bem, Foucault tem outra noção de sujeito. Ele pensa um pouco como Nietzsche, nada além de atos e práticas que pertencem à história pode nos constituir, seja para pensar, seja para agir, seja para valorar. Sujeito e história se constituem um ao outro. Como?
Foucault, sem negar que é possível entender a história humana pelas guerras, nações que nascem e morrem, grandes líderes, grandes descobertas -, inaugura outro modo de olhar a história. Ele analisa acontecimentos que passam batido, como a história da loucura, história do surgimento da clínica médica, do nascimento das ciências humanas, da sexualidade, dos modos de constituição do sujeito, da violência nas prisões, do hospital psiquiátrico, das modificações no governo de si mesmo e no governo dos outros.
O modo de abordar tudo isso também é inédito:
- Pelas práticas discursivas, por exemplo: a produção de verdade de tipo classificatória, que põe os seres em um quadro geral como a história natural de Lineu, século 17; isso sofreu uma mutação com Darwin: não mais um quadro estático, mas evolução natural. No século 18, novas práticas discursivas fazem surgir novos objetos de saber: a vida que evolui, as gramáticas e suas regras para que haja línguas, e os modos de produção pelo trabalho.
- Pelas práticas não discursivas, exemplos: o hospital psiquiátrico que encerra o louco e permite um saber sobre a loucura que se torna objeto médico; a forma prisão de punir, que reúne saber sobre o delinquente e um tipo ágil e rápido de poder, que requer o exame, a vigilância, o isolamente celular. Não mais o corpo orgânico, mas dobrar, corrigir, modificar o comportamento individual (fins do século 18);
- Pelas práticas de governo dos outros: o antigo soberano governa súditos e tem o poder sobre território; o Estado moderno surgiu de práticas de governo sobre populações, é necessário atuar sobre a saúde, o meio, a produção, o mercado. Deixar o mercado agir livremente numa ponta e na outra manter a população governável, cuidando de cada um e de todos como o pastor cuida de suas ovelhas. Poder governar na modernidade exige mecanismos de segurança da vida (biopoder).
- Pelas práticas de governo de si: desde o conhece-te a ti mesmo de Sócrates, até o divã freudiano, passando pela confissão dos pecados cristã. Essas práticas nos levam ao domínio de si, ao prazer de escarafunchar o inconsciente, à invenção de uma alma a ser salva.
Enfim, somos pensados, punidos, governados, objeto de saberes, alvo de poderes. Ainda assim, mais livres do que sonhamos, pois somos capazes de enfrentar, denunciar e às vezes até de modificar aquelas práticas!
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* INÊS LACERDA ARAÚJO - doutora em Estudos Linguísticos, filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
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