Profª. Inês Lacerda Araújo
A pergunta acima pode parecer descabida. É claro que o real existe, as pessoas dirão.
Mas em filosofia, na área da teoria do conhecimento, a questão é pertinente. Para conhecer algo, é preciso um sujeito com certo grau de aprendizado e desenvolvimento de suas capacidades psíquicas, com um mínimo de recursos para se comunicar e para enfrentar situações às quais precisa responder. Será que conhecemos o real tal como ele é, ou tal como essas capacidades nos fazem pensar que ele é?
Se todos os homens subitamente morressem, o real permaneceria o mesmo? Aquela árvore naquela ilha do Pacífico permaneceria tal e qual?
Os filósofos assumem posições diferentes quando tentam compreender o conhecimento. A realidade é permanente, identificável e é possível se certificar disso afirmam os realistas. Pedra é pedra, árvore é árvore. Basta abrir os olhos e ver, constatar. Para eles, o mundo seria o mesmo sem a presença do homem.
Para os empiristas, são nossos sentidos e a nossa percepção que fazem a experiência e verificam os objetos e suas características.
Mas não é assim tão simples, argumentam os idealistas, se o sujeito não dispuser de um aparato para ir da imagem que ele vê, para a identificação do que há fora dele, não há conhecimento. Para os idealistas, o real depende do sujeito, mortos os homens, morre também nosso modo de conhecer o mundo. Se há ou não tal ilha com tal árvore, é uma pergunta que cai no vazio.
Para os céticos, ainda que batam sua cabeça na árvore e sintam dor, isso não elimina duvidar de tudo, nossas impressões são fugidias, tudo muda, nós inclusive, o tempo todo.
Como se vê, a pergunta filosófica feita no título acima não é tão estapafúrdia.
Cabe ainda refletir sobre o conceito de "existir", de "existência". Você diria que uma pedra é tal e tal, ou que uma pedra existe? Pedras não existem, apenas seres vivos, como cães e homens, têm uma existência. Logo, a realidade não existe!?
A argúcia filosófica nos conduziu a um beco sem saída?
Não para Wittgenstein (cf. Investigações Filosóficas - 1953).
Para ele há diferentes usos de expressões e de jogos de linguagem em situações de fala. Alguém quer dizer algo para outro e este, em geral, o compreende. Exemplos:
"Essa realidade, à qual você se apega, não existe". Esse jogo de linguagem pode ser dito para persuadir alguém a mudar seu ponto de vista.
Outro jogo de linguagem bem comum: "na realidade, acho que fulano não presta". Aqui o termo recebe outro significado, o de uma convicção.
Em outras palavras, a linguagem cotidiana, as circunstâncias vividas em nossa existência diária é que decidem quanto ao significado que se dá a "real", "realidade", "existência".
Wittgenstein deflaciona os conceitos filosóficos, faz terapia filosófica.
Duas pessoas discutem:
"Isso é uma árvore" diz um. "Não sei, diz o outro, tenho apenas impressões de algo duro, rugoso, marrom, etc.". Wittgenstein replicaria: "São dois filósofos discutindo"...
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* INÊS LACERDA ARAÚJO, filósofa e escritora.
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