segunda-feira, 28 de março de 2011

UM POUCO DA HISTÓRIA DA AVIAÇÃO NO ACRE

“O avião, no Acre, tornou-se o meio mais eficiente de comunicação e transporte e assim o será, ainda, por longos anos, até que o progresso venha rasgar o seio virgem da floresta, implantando estradas que permitam intercâmbio permanente entre as cidades.”
Mário Maia
Houve um tempo em que o único meio para se chegar às terras acreanas era por via fluvial. Gaiolas, chatas, vaticanos, paquetes rompiam o setentrião solitário e, por longos anos, tornaram-se os únicos meios de interligação e de comunicação com a dita “civilização”. Subiam lotados de aviamentos, com seus porões, muitas vezes, abarrotados de “brabos”... e desciam abastecidos com o ouro negro da Amazônia. Longos dias e mesmo meses duravam as viagens pela hinterlândia ou aos grandes centros urbanos. Por isso, quando “a grande Águia metálica riscando o azul solitário do firmamento amazônico, tendo o infinito do céu por cima e por baixo o verde sem fim da floresta” cruzou pela primeira vez os céus acreanos a população inteira parou para admirar tão extraordinário acontecimento.

Nos conta o saudoso médico e senador Mário Maia que nos idos de 1936, quando os serviços aéreos no Brasil eram realizados por companhias estrangeiras, como a Condor alemã, e a Panair de origem francesa, um certo interventor do Acre, por nome Martiniano do Prado, cismou de fazer com que os pássaros de alumínio com homens dentro chegassem até esse limite oeste de nossa Pátria. Martiniano era paulista e havia sido nomeado Interventor do Acre por Getúlio Vargas. Com seu prestígio de interventor conseguiu, junto aos dirigentes da Panair, que os voos da companhia fossem estendidos até Rio Branco.

Os aviões da empresa eram aquáticos, isto é, hidroaviões. Para que o avião chegasse a Rio Branco necessitavam-se algumas providências importantes por parte do Interventor: preparar uma porção do leito do Rio Acre, que fosse relativamente reta. Então, o Dr. Martiniano mandou destocar um grande estirão próximo à cidade, logo acima da “Volta do Quinze”, chamado pelos locais de “Estirão do Bagé”, para que o avião pudesse aquatizar.

Naquele dia o Interventor suspendeu o expediente nas repartições públicas, convidou o comércio, ordenou que não houvesse aulas, mandou convidar todos os colonos, determinou que os soldados da Polícia Militar que não estivessem de serviço fossem para o local, designou a banda de música para a recepção e convidou todas as demais autoridades civis, eclesiásticas e militares e providenciou que se matassem vários bois.

O povo acorreu para o local cedo. E as horas foram passando, o povo se inquietando e nada do tal avião surgir. Já passava do meio dia quando alguém gritou: “Lá vem ele”. Foi uma agitação geral. O avião passou três vezes baixinho. Da segunda vez, quase triscou na água de tão baixo. E na terceira vez quando muitos esperavam que fosse pousar tomou um voo reto e sereno e começou a ganhar altura, na mesma direção de onde havia surgido. E sumiu no horizonte, para frustração de todos e o encolerizamento do Interventor, fato decisivo que o levou a iniciar a construção do primeiro campo de aviação do Acre.

Passados alguns meses desse desencanto, coube a “CONDOR”, companhia alemã de aviação, inaugurar a linha aérea ligando Rio Branco ao sul do país. Era o dia 5 de maio de 1936. Um avião JUNKER–W–34, da Companhia Aérea Alemã “CONDOR”, monomotor, batizado com o nome de Taquary, com dois botes de alumínio pendentes de seu delgado corpo e com suas asas largas e compridas. Em seguida tomou a direção do Estirão do Bagé e fazendo grande curva no horizonte, começou a perder altura, na tomada da aquatização, e finalmente pousou. Na parte traseira do corpo, sobre as asas e sob as mesmas, em letras pretas bem grandes, o prefixo: PP–CAP. Da cabine, que se abrigava logo atrás do motor, sairam o tripulantes que glorificaram as páginas da aviação no Acre: comandante: JOÃO URUPOKIM; mecânico-pivot: GUIDO KLEINAT e rádio operador: DURVAL PINHEIRO GARCIA. – Para o historiador acreano Marcus Vinicius, o hidroavião fora pilotado pelo alemão Frederico Hoepken –. Eram os heróis do ar; homens do espaço que pela primeira vez baixaram a tocar as terras acreanas, no extremo ocidental do país, numa rota que, partindo de Corumbá, no sul de Mato Grosso, em pleno pantanal, veio pousando sucessivamente nos portos dos rios em Cuiabá, São Luiz de Cáceres, Forte Príncipe da Beira, Guajará-Mirim, Porto Velho, Lábrea, Boca do Acre e, por fim, Rio Branco. Estava inaugurada a aviação nestes longes do Brasil.
Hidroavião Taquary, o primeiro a "pousar" no Acre, em 1936.
Pessoas às margens do rio contemplam um hidroavião.
Os voos continuaram alternando-se de modo incerto, às vezes, com um longo período de ausência até que, em 6 de dezembro de 1939, estabeleceu-se o Servico Semanal regular, com transportes de passageiros, carga e Correio Aéreo.

Ao término da II Guerra Mundial, a CONDOR foi nacionalizada, transformando-se na Companhia Aérea Cruzeiro do Sul, que, em seguida, adquiriu uma frota de aviões Douglas, dos E.U.A., desativados de suas funções bélicas e adaptados às funções civis.
No Acre, quase toda carne era exportada da Bolívia. Daí a necessidade de aumento e melhoria do rebanho bovino. No ano de 1948 foi coroado de inteiro sucesso o transporte de reprodutores zebuinos, por via aérea diretamente de Uberaba, em avião Curtiss C-46.
AVIÃO DA FAB C-47- acidentado.
Anteriormente a 1946, era perigosa uma descida no campo de pouso da capital do Acre, durante o inverno. Nessa fotografia vê-se o avião da Companhia Cruzeiro do Sul, acidentado. Durante um semestre, Rio Branco era, das capitais brasileiras, a única separada do resto do país. Por via fluvial, passando por Manaus e Belém, era de quatro meses a viagem ao Rio. Fotografia de 1946.
Não havendo verbas para a construção de um campo de aviação, o Interventor Martiniano do Prado convocou a população para uma concentração em frente ao Palácio do Governo. Lá requisitou machados, terçados, foices, picaretas e instrumentos e arregimentou o povo numa passeata “cívico-agrário”, com gente de todas as idades e categorias sociais e se dirigiram para o local que o Interventor havia escolhido para o futuro campo de aviação. Ao virar da tarde havia no sítio escolhido para o futuro campo de aviação, uma considerável clareira de uns 500 metros de extensão por uns 40 de largura.
Campo de pouso, no ano de 1946.
Não satisfeito o Interventor na semana seguinte, contratou uma turma regular de trabalhadores. Estes continuaram a brocação e derrubada, até chegar ao Igarapé das Ciganas, quando desemboca no Rio Acre, delimitando as terras do Aprendizado Agrícola, cobrindo uma extensão de 800 a 1000 metros. Era o espaço requerido para um pouso regular de avião dessa época. E assim, de forma cooperativista, o povo de Rio Branco, com suas próprias mãos, construiu o seu campo de aviação – o primeiro do Acre, inaugurado em 1937 pelo interventor Epaminondas Martins, com extensão inicial de oitocentos metros, por sessenta de largura, e recebeu o nome de “Santos Dumont”. Aí passaram a pousar os aviões da Panair, da Cruzeiro do Sul e do Correio Aéreo Nacional. Pena que o Interventor Martiniano não estava mais aí quando o primeiro avião inaugurou o campo, porém, ficou sua iniciativa imorredoura.
Aeroporto de Rio Branco, em 1948.
Aeroporto de Rio Branco em 1948 – estação de passageiros, vendo-se ainda o conjunto de instalações de água e luz.
Salão de passageiros do aeroporto de Rio Branco em 1948.
Com a experiência de Rio Branco, já sob a administração de outros interventores, os prefeitos dos municípios do interior começaram a construir também seus campos de pouso. Os interventores Fontenele de Castro e Pedro de Vasconcelos Filho transladavam-se para os municípios para capatazear e orientar a feitura desses campos. Mas eles foram muito mais que mestres de obras; muito mais que capatazes. Tornaram-se, com sua abnegação e prática, verdadeiros engenheiros de campos, dedicados e apaixonados por suas obras. Cada prefeito tinha nesses dois homens, a mola mestra e o segredo com que se construíram os campos de aviação de Brasiléia, Xapuri, Sena Madureira, Feijó, Tarauacá e por fim Cruzeiro do Sul.
Abrigo de passageiros no aeroporto, no ano de 1946.
Não tardou muito e um teco-teco monomotor, de corpo azul e asas alaranjadas raspava os céus acreanos, interligando os municípios pelo ar, dirigido pelo primeiro piloto acreano, o capitão João Donato Filho. Depois, fundaram um aeroclube, com um hangar coberto de palha de ouricuri. Tiveram outros teco-tecos, outros pilotos.

E assim se deu o início das construções dos campos de aviação do Acre (construídos pelo próprio povo, com seus esforços e recursos) e o início da aviação, onde se destacaram figuras lendárias como o Interventor Martiniano do Prado, o Capitão Pedro de Vasconcelos, Capitão Pedroca e do Coronel Fontenele de Castro, os dois últimos da Polícia Militar do Território do Acre. Cabe ressaltar ainda a importância dos aviões da FAB, no Acre, os que realizavam o Correio Aéreo Nacional (CAN), estes além de ônibus populares, foram verdadeiras ambulâncias, a transportar correspondências, valores, documentos oficiais, autoridades, funcionários e o povo em geral. Tanto a aviação militar (FAB-CAN) quanto a civil (Cruzeiro do Sul e VASP) foram imprenscidíveis para minorar as necessidades do povo acreano. Prestaram ao Estado um serviço inestimável.
Batismo do avião Barão de Mauá pela esposa de Guiomard dos Santos, Lydia Hannes. Avião de propriedade do governo do Território. Ano de 1946.
Avião Barão de Mauá - Propriedade do Governo do Território.
Avião Douglas C-47 “Juruá”, também de propriedade do território. Efetuou a primeira ligação do Rio de Janeiro ao Acre no mesmo dia.
Transporte aéreo de borracha laminada, pelo processo-Arantes, do Acre para São Paulo. Ano de 1948.
Momento em que um bezerro zebu salta do avião, depois de uma viagem direta de Minas Gerais ao Acre, no ano de 1948.
AVIÃO DA CRUZEIRO DO SUL
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MAIA, Mário. Rios e barrancos do Acre. Niterói: PRENSA, 1968.

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Nota: A maior parte do texto acima encontra-se às páginas 147 a 183 do belíssimo livro “Rios e Barrancos do Acre” do acreano Mário Maia. Fiz apenas alguns recortes e o acréscimo de outras informações ao texto.

II Nota: Algumas fotos foram retiradas do livro “Território Federal do Acre 1946-1948” sem autoria, disponível no acervo digital da Biblioteca do Amazonas. Outras foram cedidas gentilmente pelo meu amigo R. Palazzo, do blog Tarauacá Notícias.

5 comentários:

Simone Bichara disse...

Isaac seu blog é cada dia mais indispensável, o Acre inteiro precisa conhecer!

Preciso do seu e-mail, vc pode me passar?

Beijos e muitas bênçãos!

Luciane Moraes disse...

Quantas informações...
Amigo, você é uma fonte de conhecimento...
Parabéns, pelo post!

Falando de avião, lembrei de um artigo "A selva moderna",que eu estava lendo ontem - fala de José Guiomard dos Santos...aí, tem uma imagem: gados sendo transportados de avião para o Acre
....

Abraços
http://olharacreano.blogspot.com/

Palazzo disse...

Isaac, o Post ficou ótimo. Parabéns!
abraços

Jalul disse...

Excelente matéria! Um arquivo fascinante e raro!
Parabéns, Isaac!

Aélico Alves disse...

gostei muito das informações, espero que vc dê continuidade nesse tema, é de grande relevancia para nosso estado, Deveriamos, inclusive, termos um museu e monumento sobre a aviação Acreana. Onde estarão o que sobrou da aeronave Barão de Mauá? como eu gostaria de vê-la...