Inês Lacerda Araújo
Se algum escritor ou
pensador se aventurasse a dispensar o verbo ser, conseguiria que seu leitor o
compreendesse? Alguém poderia ousar eliminar "ser"?
Impossível, por
inúmeras razões. "Ser", "être", "to be", e
certamente nas diferentes línguas, algo semelhante à função de "ser"
deve ocorrer.
Sequer questionamos,
nem poderíamos, que conjugar tal verbo seja imprescindível (acabei de escrever
"seja"...). Simplesmente porque nomear, é (novo uso do verbo ser)
distinguir algo para que nós ou para que os outros nos compreendam.
Identificar, classificar, opor, destacar, apontar, e muitas outras ações
linguísticas requerem por detrás a pressuposição de que coisas, pessoas,
lugares, temporalidades, situações, sejam, no sentido de existirem, de estarem
aí à nossa disposição.
Desde que a Filosofia
nasceu, a pergunta é pelo ser e pelo não ser. A mais essencial de todas as
questões, como apontou Heidegger é essa: por que existe o ser e não antes o
nada?
Mesmo no uso banal,
e, talvez mais importante nesse mesmo uso cotidiano, "é",
"era", "sou", "não é", "não sou", se
apresentam o tempo todo. "Ele é", invoca quem, o que, como.
"Isto é", acarreta indagar o que, como, e também, duvidar, afirmar,
pressupor.
Sujeito, predicado e
objeto: "Algo ou alguém é tal". Essa proposição, o núcleo da lógica e
da gramática durante séculos, foi analisada como resumindo todo tipo de
pensamento.
No sentido
tradicional, o ser pertence à realidade entendida no sentido metafísico, quer
dizer, como inerente a tudo. Ser ideal, ser substancial, ser como consciência
de si, ser como ideia se autoproduzindo na história, ser aí no tempo, ser como
existência humana, assim a filosofia rondou em torno ao SER.
Não mais. A Filosofia
da Linguagem mais recente deslocou a questão para a diversidade dos usos do
verbo ser na medida em que não identifica o verbo empregado na linguagem usual
com o ser na acepção de que tudo é, tudo tem uma essência, de que todos os
entes existem ou subsistem no ser.
Hoje a Filosofia
retira do ser esse caráter absoluto e essencial, as coisas se dispõem para nós,
para nosso uso e nosso conhecimento.
A afirmação
"algo é isso", passou a ter um uso entre inúmeros outros. Para
Wittgenstein, após quebrar a cabeça com a proposição geral que resumiria tudo o
que é o caso, tudo o que ocorre, concluiu que é na e pela linguagem de todo o
dia que faz sentido afirmar que algo é. E mais em um sem número de usos. Pense
na comunicação entre falantes e como passa despercebido o verbo ser, e falar
acerca do ser em si fica restrito ao linguajar do filósofo.
Indispensável no uso
normal da linguagem, e dispensável ou como disse Wittgenstein, dissolvido
enquanto eixo fundamental da metafísica. Assim é "ser", ou "o
ser".
Faça
o teste, pergunte para si mesmo "o que eu sou?"
* Inês Lacerda Araújo - Professora de Filosofia durante 40 anos, na UFPR, e nos últimos anos na PUCPR. Autora de livros sobre Epistemologia, História da Filosofia e Teoria do Conhecimento. Atualmente aposentada.
* Inês Lacerda Araújo - Professora de Filosofia durante 40 anos, na UFPR, e nos últimos anos na PUCPR. Autora de livros sobre Epistemologia, História da Filosofia e Teoria do Conhecimento. Atualmente aposentada.
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