quarta-feira, 29 de novembro de 2017

CRÔNICAS DE GARIBALDI BRASIL

MOZAICOS DA CIDADE NASCENTE
Garibaldi Brasil (1908-1986)


Garibaldi Brasil
O retângulo da cartolina passou das mãos do contínuo para as do Diretor que, ao lê-lo, sorriu e passou-me. Li: Fulano de tal, “enfermeiro desempregado”. Sim, de fato, aquele era um cartão de visitas sui generis mas eu conheço cousa melhor e mais divertida. Por exemplo, em Manaus, terrinha fértil em nomes estrambólicos, certa feita, uma senhorinha loquaz que usava um “lorgnon” impertinente, deu-me o seu cartão, onde se lia: Fulaninha, “poetisa moderna”. E ainda na capital baré houve aquele outro, meu colega acadêmico de Direito que, depois de confraternizar conosco, estendeu-me, enfaticamente, o seu cartão: Rabindranath Tagore Barbuda Thury, Sargento do Exército, tipógrafo e Acadêmico de Direito... E por aí vai.

Há também o histórico cartão de visitas de Georges Clemenceau que continha somente o nome Clemenceau mas isso era o suficiente porque o mundo inteiro conhecia o “Tigre” da França.

Quando, em plena ditadura, os interventores nortistas eram substituídos, a cada passo, pelo falecido Major Carneiro de Mendonça, no Ceará, no Pará, não sei onde mais, houve quem, fazendo a sua blaguezinha, aconselhasse o pupilo do sr. Getúlio a mandar imprimir o seu cartão com o seguinte: “Interventor profissional”.

Aqui no Acre há o caso conhecido e gozado do Rachid Duck, recém chegado de Beyruth, siriozinho elegante e namorador, que, tendo ingressado no comércio, mandou fazer o seu cartão da seguinte forma: “Rachid Duck, jovem e simpático comerciante”.

A lista é enorme mas o mais engraçado e oportuno cartão de visitas do mundo era, decerto, aquele que o Julio Mascarenhas, também daqui do Acre, mandou fazer para ele, depois de penosa experiência no ramo de vendedor de enceradeiras, em Belém do Pará. Dizia assim: “Se não quiser a enceradeira não precisa me bater. Sou Julio Mascarenhas e esta é a minha profissão”.

*

O mal não é só do Acre... Infelizmente existe por esses Brasis afora. É uma espécie de gente retrógrada, sempre descontente e improdutiva. São os do contra, os que tomam Sal de Fruta... Um amigo meu os denominava de “jabotis” do progresso...

Quando o então governador Hugo Carneiro inaugurou, há 21 anos atrás, o mercado público da cidade, moderna obra de alvenaria com todos os requisitos de higiene, houve uma celeuma: aquilo era uma obra suntuária como o Palácio Rio Branco e o Quartel da Força Policial! O Acre não comportava aquilo! Era um desperdício! Duas décadas são passadas e o nosso Mercado, que hoje está completando a sua maioridade, está pequeno, exíguo, insuficiente.

Ainda me lembro da festa de inauguração do Mercado. Muita gente, banda de música, discursos e aquele sorriso de satisfação estampado no rosto vermelho do Dr. Martin, o prefeito dinâmico e enérgico. E que zelo pelo próprio municipal, que rigor de limpeza que o Prefeito exigia! Por causa do chafariz que fornecia água ao Mercado, muita gente pagou multa por haver deixado pingar algumas gotas de água das torneiras. Hoje a cidade está muito maior e sua população aumentada de 5 vezes mais. E o Mercado Público, que é a nossa despensa, precisa de mais espaço ou de um outro pavilhão para melhor servir à capital. Por isso é que o cronista se exalta de satisfação e orgulho quando se põe a contemplar esses novos monumentos arquitetônicos que o dinamismo progressista de Guiomard Santos está dotando a nossa Rio Branco: o Grande Hotel, a Maternidade, a Escola Normal, o Aeroporto... Mas os “jabotis” do progresso continuam a falar. É demais para o Acre... como se o Acre não fosse também filho de Deus... É o caso de dizer-se, embora como pilhéria: Deixa-los falar que eles calarão-se-ão-se.

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Ao maj. Isidoro Pereira

Dizem e com bastante acerto que as melhores essências se guardam em frascos pequenos e deve ser verdade mesmo porque esses homens pequeninos são um colosso de tenacidade. Ponho muita fé nos homens de estatura baixa porque a História do Mundo está cheia de exemplos e sempre os vejo produzindo, aqui e ali, animados duma estranha e poderosa força de vontade que tudo consegue.

É o caso desse paraense de Soure que há vinte anos porfia contra toda a sorte de dificuldades para realizar um velho e acalentado sonho: projetar o seu clube como a sociedade líder da nossa capital, o Rio Branco Futebol Clube.

Isidoro da Cunha Pereira é, sem dúvida, o incansável baluarte do grêmio esportivo que ele elegeu como um verdadeiro “hobby” na sua vida de pacato funcionário da Fazenda, com aqueles outros três quixotes da boa vontade: José de Melo, Nembri de Brito e Nilo Bezerra. Um deles, o primeiro, partiu cedo para o cinzento país dos mistérios mas os que sobraram, continuaram na faina. Foi uma longa e movimentada trajetória, cheia de idealismo e de entusiasmo que nunca esmoreceu, a vida do grande clube, na qual se revezavam, periodicamente, como numa legítima corrida olímpica, aqueles quatro teimosos. E agora, depois de anos de lutas, de incompreensões e fadigas de toda a espécie, a meta está próxima e quem traz o facho sagrado é Isidoro da Cunha Pereira.

O Rio Branco tem, quase pronta, a sua sonhada sede. Condigna e erguida à custa sabe Deus de quantos sacrifícios, ela ali está, moderna e elegante, dominando a velha Praça que já mudou de nome três vezes, testemunha de quanto pode a persistência de um caboclo de Soure.

O Rio Branco Futebol Clube é, antes de tudo, um patrimônio da cidade como tão bem compreendeu o nosso governador, quando veio a última fase da construção do prédio, em auxílio da tradicional agremiação, como um Cirineu oportuno e generoso... E assim pouco já falta para que, dentro em breve, tenhamos um clube à altura dos fósforos da capital, isto é, um ambiente social condigno e civilizado. Amplos salões, modernas dependências, campos de esportes, de tudo terá a linda sede do glorioso Rio Branco. E, então, o caboclinho de Soure descansará feliz, dentro de casa, com direito a tudo, por sua autêntica vitória... inclusive um “bosó de ouro”...

– “Olha os dados, Zé Bezerra!”.


BRASIL, Garibaldi. Mosaicos da cidade nascente. Rio Branco: Gráfica e Editora Poronga, 1993. p.18-19; 28-29; 42-44;  (edição em fac-simile do original de 1950).

2 comentários:

Agnes Brasil disse...

Oi, como faço para conseguir um exemplar de BRASIL, Garibaldi. Mosaicos da cidade nascente. Rio Branco: Gráfica e Editora Poronga, 1993. p.18-19; 28-29; 42-44; (edição em fac-simile do original de 1950).?

Alma Acreana disse...

Agnes Brasil,
entre em contato pelo meu e-mail: almaacreana@gmail.com
posso providenciar uma cópia para ti, se desejares. Quanto a um exemplar, não sei se é possível. É um livro difícil de se encontrar.