segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

UMA SELFIE DO ACRE (pra minha irmã do Rio)

PRIMEIRA TEMPORADA (alagação de 2000 e alguma coisa)
João Veras 

Estou me vendo quando vejo lá atrás. Estou na frente da paisagem que me atravessa, me transversa, me versa. Ver & s.a.

Eu estou enfermo, meus semelhantes também estão e todos os demais que não são. Os cachorros latem muito à noite. Eles enxergam e ouvem muito melhor do que os lobos que tentam dormir em seus travesseiros pálidos e magros.

Daqui dá pra ver, tá todo mundo internado onde quer que esteja. A menos que não esteja, ai é o imaginário do reino de não querer se ver.

Os muros e cercas não são suficientes para proteger o sonho de uma vida bélica. Ninguém se salva. E tudo acontece acontecendo o já acontecido. A cidade é um hospital com suas enfermarias quentes e apartamentos com ar rarefeito. A infecção hospitalar se esconde no corredor da morte.
Vejo um campo de desconcentração. Cada um por si. Quem pode! E muitos poucos podem nas disparada de seus carrões, vilões mascarados.

Há quem procure saúde em bênçãos pagas nos lances de leilões de fé nos templos da contrafé. Há quem se alimente de retórica sem saber que ela mata. E há quem encontre armas de fogo em suas cabeças.

Psiquiatras para psicólogos. Psicólogos para psiquiatras. Conheço uns profetas que em seus saraus se auto aplicam egos na veia e cheiram seus próprios rabiscos literários chucros anti metafóricos fedidos. Não fazem mal a uma formiga. Não adianta se há pílulas de auto ajuda – alertam os que não sabem viver sem, mais um tipo de vício – o da não fé. Elas só fortalecem a bactéria da ilusão. As mais resistentes. A taxa de animalidade cresce, mas só a sua parte considerada maléfica. Quem não tem isso come bala contaminada de armas contrabandeadas de lugar nenhum. O mesmo lugar que entrerte perdidos com alegres replicantes de sertanejo universitário nas naites, com empregos provisórios pré eleitorais e com cinemas de violência e ingenuidades dubladas.

Os artistas locais estão sem arte mas vestem seus lindos pijamas de primatas. O que importa é seus silêncios capengas à espera de uma cadeira elétrica. E os dirigentes riem tanto em suas festas privadas com dinheiro público selfiado.

E a arte só serve pra acalmar e esquecer quem tem tempo pra se acalmar e se esquecer. Arte e vida, combinação démodé enquanto se executa rapazes que não dormem. Quem não dorme não sonha, quem não sonha nunca morre, é executado sob o aplauso poético de quem não consegue vê de onde vêm os tiros e saber quem dá as ordens.

Um ser desenvolvido – nos ensinam em inglês - é um não-ser. Ainda um projeto de ser que só o progresso salvará. A todos que estão fora, na exterioridade da boa governança - aos índios, aos seringueiros, aos camelôs, aos pipoqueiros, aos vendedores de picolés, aos artistas plásticos, aos atores e atrizes do teatro amador, aos cinegrafistas, vendedores ambulantes, aos donos de tabernas, aos músicos, aos agentes públicos, policiais, médicos, aos porteiros de teatros, aos jornalistas, aos mototaxistas, aos colonheiros, aos comissionados e a todos os outros agentes de desenvolvimento - a sorte que nunca se tem senão a que virá um dia com os brancos, com a fé, com os dólares, com as armas, com os ecos, com a promessa, com a jura e seus juros nas bolsas de compaixão oficial como cura da pobreza nas companhias das campanhas publiciotárias da segurança da privada. Tem gente! Tem gente! Tem gente!

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