João Veras
Estou me vendo
quando vejo lá atrás. Estou na frente da paisagem que me atravessa, me
transversa, me versa. Ver & s.a.
Eu estou enfermo,
meus semelhantes também estão e todos os demais que não são. Os cachorros latem
muito à noite. Eles enxergam e ouvem muito melhor do que os lobos que tentam
dormir em seus travesseiros pálidos e magros.
Daqui dá pra ver,
tá todo mundo internado onde quer que esteja. A menos que não esteja, ai é o
imaginário do reino de não querer se ver.
Os muros e cercas
não são suficientes para proteger o sonho de uma vida bélica. Ninguém se salva.
E tudo acontece acontecendo o já acontecido. A cidade é um hospital com suas
enfermarias quentes e apartamentos com ar rarefeito. A infecção hospitalar se
esconde no corredor da morte.
Vejo um campo de
desconcentração. Cada um por si. Quem pode! E muitos poucos podem nas disparada
de seus carrões, vilões mascarados.
Há quem procure
saúde em bênçãos pagas nos lances de leilões de fé nos templos da contrafé. Há
quem se alimente de retórica sem saber que ela mata. E há quem encontre armas
de fogo em suas cabeças.
Psiquiatras para
psicólogos. Psicólogos para psiquiatras. Conheço uns profetas que em seus
saraus se auto aplicam egos na veia e cheiram seus próprios rabiscos literários
chucros anti metafóricos fedidos. Não fazem mal a uma formiga. Não adianta se
há pílulas de auto ajuda – alertam os que não sabem viver sem, mais um tipo de
vício – o da não fé. Elas só fortalecem a bactéria da ilusão. As mais
resistentes. A taxa de animalidade cresce, mas só a sua parte considerada
maléfica. Quem não tem isso come bala contaminada de armas contrabandeadas de
lugar nenhum. O mesmo lugar que entrerte perdidos com alegres replicantes de
sertanejo universitário nas naites, com empregos provisórios pré eleitorais e
com cinemas de violência e ingenuidades dubladas.
Os artistas locais
estão sem arte mas vestem seus lindos pijamas de primatas. O que importa é seus
silêncios capengas à espera de uma cadeira elétrica. E os dirigentes riem tanto
em suas festas privadas com dinheiro público selfiado.
E a arte só serve
pra acalmar e esquecer quem tem tempo pra se acalmar e se esquecer. Arte e
vida, combinação démodé enquanto se executa rapazes que não dormem. Quem não
dorme não sonha, quem não sonha nunca morre, é executado sob o aplauso poético
de quem não consegue vê de onde vêm os tiros e saber quem dá as ordens.
Um ser desenvolvido – nos ensinam em inglês - é um não-ser. Ainda um
projeto de ser que só o progresso salvará. A todos que estão fora, na
exterioridade da boa governança - aos índios, aos seringueiros, aos camelôs,
aos pipoqueiros, aos vendedores de picolés, aos artistas plásticos, aos atores
e atrizes do teatro amador, aos cinegrafistas, vendedores ambulantes, aos donos
de tabernas, aos músicos, aos agentes públicos, policiais, médicos, aos
porteiros de teatros, aos jornalistas, aos mototaxistas, aos colonheiros, aos
comissionados e a todos os outros agentes de desenvolvimento - a sorte que
nunca se tem senão a que virá um dia com os brancos, com a fé, com os dólares,
com as armas, com os ecos, com a promessa, com a jura e seus juros nas bolsas
de compaixão oficial como cura da pobreza nas companhias das campanhas
publiciotárias da segurança da privada. Tem gente! Tem gente! Tem gente!
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