O fato aconteceu
com o dr. José Tomaz da Cunha de Vasconcelos, chegado a Tarauacá em 1916, como
prefeito do Departamento, nomeado pelo Presidente da República. Homem enérgico
e trabalhador, porém de um autoritarismo adentrando às raias da violência, o
novo governante, durante a sua gestão, procurou pôr um freio aos abusos
cometidos por alguns coronéis, cuja fama de prática de maus tratos contra
seringueiros era de todos conhecidos.
Com
tal postura, em pouco tempo, o prefeito conseguiu arregimentar contra ele a
maioria dos coronéis locais, que inclusive, lhe deram logo o apelido de
“Surucucu”, face a certas atitudes atrabiliárias tomadas contra tais
seringalistas.
Conta-se,
por exemplo, que um desses coronéis, habituado que era a pôr seringueiros no
tronco e açoitar, certa vez, não satisfeito apenas com essa forma de castigo,
obrigou a uma de suas vítimas a correr no campo em volta do barracão, com um
chocalho pendurado no pescoço, como se um burro fosse.
Chegando o fato ao
conhecimento de tal governante, este, indignado, determinou que tão logo o tal
coronel viesse à cidade, o levassem à sua presença, pois que ele o iria
obrigá-lo a caminhar, da mesma maneira, pelas ruas do ainda pequeno vilarejo.
Ignorando a humilhante ameaça que pairava sobre a sua pessoa, um belo dia o
coronel deixa o seu seringal no rio Muru, com destino à sede do município, onde
pretendia tratar de negócios e desenfastiar-se do isolamento em que vivia.
Alertado,
porém, por um amigo, a quem quis visitar já bem próximo à cidade, de que o
“Surucucu” estava querendo acertar contas com ele, o coronel desceu às pressas
o barranco que mal acabara de subir e, retomando, rapidamente, a embarcação,
tão fortes e rápidas foram suas remadas rio acima, que jamais, a um transporte
daquela espécie, velocidade tamanha fora imprimida contra a corredeira.
Durante
o tempo em que o dr. Cunha permaneceu na Prefeitura, o coronel, por precaução,
não mais saiu do seringal.
Verdade
é que, na gestão do tão temido prefeito, pessoas importantes foram postas a
rolar cumaru-ferro com machado cego, enquanto outras, vestida de fraque e
cartola, capinaram ruas da cidade, sem falar das vezes que saíam corridas e se
valiam da proteção de algum coronel mais respeitado, como aconteceu, por mais
de uma vez, com o jornalista Pedro Leite, dono do jornal “O Município”.
O
clima contra o prefeito, no entanto, ficava cada vez mais tenso e, um certo
dia, uma bomba havia explodido, debaixo da sua residência, ferindo gravemente
sua esposa. Um modesto comerciante de nome Amin Kontar, tendo sido preso como
suspeito por um delegado que já era seu inimigo, foi torturado até a morte na
prisão, sendo que, só muitos anos mais tarde, veio se saber quem foram os
verdadeiros autores da façanha.
Quando,
chamado, tempos depois, ao Rio de Janeiro, pelo Ministro da Justiça, em virtude
de seguidas denúncias à sua pessoa, deveria substituí-lo na Prefeitura, na
qualidade de primeiro suplente, o seu genro dr. Rafael Guedes Correa Godim,
cuja posse, todavia, não aconteceu, impedida foi por um levante armado liderado
pelo cel. Júlio Pereira Roque, o segundo suplente, sendo intenção ainda do
movimento, colocar o impedido numa canoa, rio abaixo, coisa que só não chegou a
se concretizar, graças ao prestígio e coragem do coronel e seringalista Joaquim
Pinheiro Cavalcante, que o tomou sob sua proteção, levando-o para sua
residência, na chácara “Corcovado”, onde o mesmo permaneceu até o dia em que,
desanimado, deixou de vez o município. Por ironia do destino, tempos depois
deu-se a sua volta à Tarauacá, dessa feita como juiz de Direito do lugar.
Educado como era, nunca demonstrou, contudo, qualquer interesse de vingança
contra os seus inimigos. O dr. Cunha, por sua vez, anos depois (1930), voltou
ao Acre, como governador do Território, já na vigência da nova organização
administrativa, adotada a partir de 1920, elegendo-se, em 1934, deputado
federal pela Chapa Popular.
FILHO, José Higino
de Souza. A LUTA CONTRA OS ASTROS. Rio Branco: edição do autor, 1994.
JOSÉ HIGINO DE SOUZA FILHO (1929–2010) escritor, membro da Academia
Acreana de Letras. Era filho de José Higino de Souza, então grande pecuarista
de Tarauacá, dono da Fazenda São José. Foi o fundador do SESI e SENAI no Estado
do Acre, o qual esteve à frente por 17 anos. Escreveu SENAI – 10 anos
contribuindo para o desenvolvimento do Acre; O trabalho vence tudo (1993); A
Luta Contra os Astros (1994); e Segundo Hound (2009).
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