José Potyguara
(1909-1991)
Hugo Carneiro |
Terça-feira
passada, 13 de maio, 42º. Aniversário da sanção do projeto que, sob número
3.353 e com a denominação de Lei Áurea, extinguiu a escravidão no Brasil, tive
ocasião de assistir um espetáculo dos que mais de perto falam à nossa alma de
patriota.
De
acordo com resolução governamental recentemente baixada, o exmo. sr. dr.
Governador do Território, em circular dirigida a todos os srs. Intendentes
Municipais, recomendou fosse, naquele dia içada, pela última vez, e em seguida
arquivada a bandeira acreana.
Embora
à primeira vista, possa parecer um desamor às nossas tradições, o gesto de s.
excia., após exame mais detido, apresenta-se acompanhado do mais patriótico
intuito, qual seja, a unificação da Pátria comum e a extinção do injusto
sentimento de regionalismo. Espírito culto e inteligente a serviço do mais
acrisolado patriotismo, compreendeu, com acerto, o dr. Hugo Carneiro a sem
razão da existência de bandeiras regionais e o prejuízo daí advém à
fraternidade brasileira.
–
Porque uma bandeira para cada Estado, se todos são células do mesmo organismo,
fibras do mesmo coração?
–
Porque conservar diversos símbolos dentro de uma mesma pátria se, na hora da
refrega, marcharemos todos, desde o gaúcho dos pampas sulistas ao filho das
florestas do norte, em defesa do glorioso Pavilhão auriverde?
Seria
bom que todos os presidentes e governadores das diversas unidades da Federação
seguissem o exemplo do jovem estadista que dirige os destinos do Acre, abolindo
as bandeiras e os hinos estaduais. Se a pátria é uma única e indivisível, um só
deve ser o símbolo.
Foi
com estes pensamentos que subi as escadas do Paço Municipal, à tardinha de
terça-feira, última, levado pela curiosidade de assistir aquele inédito
espetáculo. Quando cheguei, já encontrei lá diversas autoridades convidadas
para solenizar o ato. Em frente ao edifício, estava postado um pelotão do
destacamento policial e, mais adiante, a banda municipal executava número de
seu repertório.
A
tarde estava lindíssima; foi aquele um dos mais belos ocasos que já me foi dado
presenciar. Contrastando com o tom azul claro de todo o céu, para o lado do poente,
colunas de pesados nevoeiros, bronzeados pelos raios do astro rei, refletiam em
cambiantes irisados sobre as águas do Tarauacá que deslizavam num murmúrio
suave como uma carícia. Parecia que a natureza se havia vestido de galas,
ostentando os seus ornamentos mais caros para assistir aquela última homenagem
à bandeira acreana.
Às
18 horas em ponto começou a solenidade com o arreamento da Bandeira Brasileira,
aos compassos marciais do Hino Nacional. O pelotão apresentou armas e, por
alguns minutos, ficamos todos em religioso silêncio, olhos fitos no símbolo da
Pátria, corações unidos pelos mesmos sentimentos de fé, de amor e de esperança
no futuro do Brasil!
Em
seguida foi içada a bandeira acreana. Ostentando os seus dois triângulos
separados por uma diagonal a linda bandeirinha, obediente aos impulsos da
driça, subiu rápida e, ao atingir o topo do mastro, desfraldou-se por alguns
instantes como que abençoando, pela última vez, os filhos desta gleba heroica
conquistada pela bravura de indômita de Plácido de Castro.
Da
sacada da janela, onde me achava, avistei, no meio da rua, um grupo de mimosas
senhorinhas, todas acreanas, que ali se achavam, qual lindo ramalhete de
perfumadas flores, ornando aquela última homenagem à bandeira da terra natal.
E, cá de longe, pude divisar nos semblantes daquelas jovens o misto de tristeza
e de saudade que lhes ia n’alma ao verem pela última vez o símbolo do berço
querido.
Fiquei
sinceramente comovido e tive ímpeto de lhes dizer as seguintes palavras de
consolação: – Minhas caras patrícias, compreendo e partilho as vossas mágoas.
Mas não esqueçais que, antes de serdes acreanas, sois brasileiras. Confie no
futuro. A bandeira acreana desapareceu, porém a estrela encarnada que nela
simbolizava o atual Território do Acre há de reaparecer um dia na esfera azul
do Pavilhão Nacional, para representar o futuro Estado do Acre, figurando ao
lado da constelação do Cruzeiro, alva e brilhante como as suas 20 irmãs que
simbolizam os Estados da Federação.
E,
enquanto eu assim pensava, a bandeirinha foi descendo lentamente, aos últimos
ecos do hino acreano, a linda e inspirada composição do maestro Mendo Luna que,
também naquela tarde, foi executada pela última vez...
Poty
Seabra, 16 – Maio –
1930
A REFORMA,
Tarauacá-AC, 18 de maio de 1930, Ano XIII, N.602, p.1
Nota 1: “Notas a lápis”
foi uma série de crônicas escritas por José Potyguara publicadas no jornal A
REFORMA, de Tarauacá, na década de 1930.
Nota 2: Hugo Ribeiro Carneiro governou o Território do Acre de 15 de
junho de 1927 a 3 de dezembro de 1930.
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