“MAX MARTINS nasceu em 20 de junho de 1926, em Belém do Pará. Companheiro de geração de Benedito Nunes, Mário Faustino Haroldo Maranhão, Alonso Rocha, Jurandyr Bezerra, Francisco Paulo Mendes e Ruy Barata. Primeiros textos publicados no jornal O Colegial. Em 1948, colaborou na revista literária Encontro, dirigida por Mário Faustino e Haroldo Maranhão. Entre 1946 e 1951 passa a publicar regularmente no suplemento literário da Folha do Norte, editado por Haroldo, os poemas que viriam a integrar o seu livro de estreia, O estranho (1952). Em fins de 1949 casa-se com Maria Laïs Teixeira Godinho Martins, que lhe dá duas filhas, Graça e Nazaré.
Benedito Nunes, no longo prefácio que escreveu para a edição de Não para consolar (“Max Martins, Mestre-Aprendiz”, 1992), afirma que “Dois fatos relevantes em nossa vivência geracional contribuíram para o desenvolvimento da poesia de Max, ulteriormente à publicação de O estranho: a convivência intelectual com Robert Stock e o impacto do livro de Mário Faustino, O homem e sua hora”. Poeta de grande erudição e afeito ao pensamento não conformista do pós-Guerra, Bob Stock (1923-1981), como era chamado entre os amigos paraenses, impunha-se também pela figura inspiradora e singularíssima, certamente excêntricas para os padrões de então, “um hippie avant la lettre, anarquista sem ser materialista, misto de asceta e de esteta santificando a ética, egresso da mesma comunidade de Big Sur, na Califórnia, a que pertencera Henry Miller”, cuja dedicação exclusiva aos trabalhos da poesia levou-o à obediência de “um voto de franciscana pobreza”, ainda segundo Benedito no mesmo ensaio. Max nunca o esqueceria, divulgando-o sempre entre os amigos.
Com edições esparsadas durante as décadas de 1950 até o final da de 1970, Max publicou intensamente durante toda a década de 1980 e pela primeira vez participa de viagens para leituras de poesia (Rio, Salvador e a mais longa delas, a que o levou a Missouri, EUA, a convite do poeta norte-americano James Bogan). É nesta década também que constrói a sempre sonhada cabana na praia do Marahu, na ilha do Mosqueiro, emblemática dentro de sua obra, e mantém intensa cooperação com Age de Carvalho, com quem passará longa temporada de seis meses em Viena, Áustria, em 1990. De 1991 a 1994 dirigiu a Fundação Cultural Casa da Linguagem, em Belém. Em 1993, recebeu o Prêmio Olavo Bilac de poesia, da Academia Brasileira de Letras, pelo livro Não para consolar. Sai na Alemanha a tradução de Para ter onde ir (Der Ort Wohin), de Burkhard Sieber, em 2006.
Foi funcionário público da extinta Sucam, órgão do Ministério da saúde, mas, sobretudo, “viveu a poesia que escreveu”, ainda nas palavras de Benedito Nunes, a verdadeira profissão e ocupação de toda a vida.
Max Martins faleceu em 9 de fevereiro de 2009, em Belém, aos 82 anos.”
No princípio era o verbo
E o verbo se fez carne
escrita
se precipita
esfinge fácil
dedilhável
frui/rui
e se desfaz
escorre o seu discurso
Expele
o oxibelo ofídio
ungido
a sua ferrugem
a dociácida esponja
ávida
a sua saliva
seu suor
sua mancha
A frase é triste
Epístola e pústula
um rosto
coroado de música
se delindo
e de espinhos
se deslinda: as rugas
Que desleio
lia
verso perverso. Verborragia p. 29
Rasuras
Um buraco sem fundo cheio de palavras. HAKUIN
Meu nome é um rio
Meu nome é um rio que perdeu seu nome
Um rio
nem sim
nem não
Nenhum
Somenos correntezas
Água masturbada em vaus
peraus
em po
luído orgasmo entre varizes
Sêmen sem mim
Mesmice
Onde está meu nome Lá nesse rio de lama sem memória e rumo?
Nesse amarfanhado leito de inchada falha?
Meu nome é um rio cotoco – um Ícone
De barro
Barroco
Um rio que só se-diz
Seduz-se
Se afaga e afoga
em ego e água: Aquário
Meu nome é um rio tapado
(poço)
E aqui se quebrantou meu nome
sua viagem e osso
É esta a sua fissura? E o seu rosto é este
escuro
atrás da porta
espelho
exposto à febre
à fera de si mesmo?
Ensimesmado
meu nome é um rio que não tem cura p. 35-36
As serpentes, as palavras
Domador quase domado
já as palavras
é que me lavram
e escrutam nos refúgios
da recusa
as serpentes
as palavras
De acordá-las e dormi-las
instigando-as
já me inferem inserem
seus venenos
e se calam
entre os dentes desta jaula
e ejaculam
o entre tido não havido
o não sucedido
– meros guizos
de serpentes
as palavras
Da ruína e seus ruídos
restam poucas as palavras
(ocas?)
para o engate
da serpente com a semente
e o seu resgate p. 66
Homo poeticus
Em nome do Pai filho do Nome o homem
clama por seu nome
ao Ermo
a esmo
Chama
e se consome
O poema é fome
de si mesmo p. 74
Num bar
Num bar abaixo do Equador às cinco da manhã escrevo
meu último poema Arrisco-o
ao azar do sangue sobre a mesa mapa
de crises cicatrizes moscas
Gravo-o
fala de mim demão e nódoa
nós e tábua deste barco-bar
que arrumo e rimo:
verso-trapézio osso
troço de ser
escada onde
lunar oscilo
solitário
quando
vieram uns anjos
de gravata e me disseram: Fora! p. 98
MARTINS, Max. O risco subscrito. Belém: ed.ufpa, 2016.
Indo para o Norte
E se fracassares?
Se o êxtase do punhal não alcançar a alva
seda boreal e a bala
errar o morto e o morto apodrecer em paz
no alvo
iate, âncora para sempre, liquidado o mar
o mar cediço
passadiço?
Antes do tiro
antes do fim (— o teu princípio) todo o trigal já estava louco
os corvos indo
e vindo idem
agora sobre a cova
do sol Do teu poema?
Enquanto danças nesta noite às bruxas
às tuas viúvas
uma
folha na relva se corrompe
frutos se viciam, pecam
e se laceram
— o céu em cima
a terra em baixo —
Nada se associa p. 43
A cabana
É preciso dizer-lhe que tua casa é segura
Que há força interior nas vigas do telhado
E que atravessarás o pântano penetrado e etéreo
E que tens uma esteira
E que tua casa não é lugar de ficar
Mas de ter de onde se ir p. 59
MARTINS, Max. Para ter onde ir. Belém: ed.ufpa, 2016.
Espirais
Este é o próprio respirar da seda
Ou a arte
(e a sede)
De se dar
sedar-se
rumo ao Oriente
Ou um aspirar aos céus
da forma a conduzir-nos
— as espirais
o espírito p. 33
Febre
Acendes cravos de ouro na pele da bandeira
A última. E te agradeço:
Ponho na tua boca as cinzas
Da minha insígnia p. 41
Arco,
da lua negra sobre os ombros
E as antenas trêmulas
Bocas
de violência alegre errando entre
fibras
e febre ácida
O i do fio
da lâmina
o gosto
cítrico de um sim
enfim afim
do som
que o teu silêncio chama p. 43
Wien, Westbahnhof
Real perfeito, o ato
a cerimônia de um poema
teve-me p. 54
Navegar por mim
a Laïs
O que (tão nu) a mão impura apaga de meus olhos
O que só as folhas do meu livro em branco veem
vindo dos teus seios desde o começo tristes
O que só os meus ouvidos ouvem quando os amantes cansam saciados
ou o que eles calam e perdem no nevoeiro
O que a festa do teu vestido branco caindo
equilibra na intensão do escuro
O que me vê e não (o) vejo e dialogamos
— meus olhos ferozmente encarcerados
O que afinal não tem importância mas assusta os pássaros
e tua enternecida eternecente navegação por mim
Ou isto
— o que não veio
com o ciciante silêncio desta noite
com o abrir-se a porta
com o favor do outono p. 63
Saltimbanco
O não mais espumoso vinho dos abismos
O cauterizado testemunho de um instante de beleza:
O ritmo do oceano
O palco
e a metade da cama para o falso poema
O saltimbanco
Ou o sangramento
da perda de um deus a cada assalto
O cadafalso
O semidestroçado frêmito de um destino cego de antemão
O não mais aceito rito do ofício O ofício:
esta rasura do corpo sendo esquecido
O esquecimento
O desabitado segredo das palavras p. 65
MARTINS, Max. Marahu poemas. Belém: ed.ufpa, 2018.
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