quinta-feira, 6 de outubro de 2011

NÃO APRESSE O RIO

Leila Jalul

Ela saiu do mar da Paraíba num navio caindo aos pedaços, na ala destinada aos sem classe. Chegou de pernas inchadas pelas horas passadas no porão. E aportou num desses seringais, com um marido que de pouco lhe valia, duas filhas pequenas, uns contados vestidos, alpercatas e fotos das pessoas queridas.
Mulher de têmpera, dessas que não fraqueja diante de qualquer pé de vento. Tiradas rápidas e certeiras para qualquer situação. Fossem alegres ou tristes os fatos ou os envolvidos, sempre uma sabedoria na ponta da língua. Nem era sumo de bondade e paciência, nem poço de maldades. Tinha lá seus dias de avesso.
Pouco afeito aos trabalhos pesados de seringais, Seu Mulato, como era chamado o esposo, logo deu as costas para a família. Sobrou para a mulher trabalhar que nem demente e aguentar firme e forte os abusos dos seringalistas.
E foi então que a mão divina lhe amortiza o peso. Vai-se a primeira filha, empestiada pela varíola. A segunda, que ainda lhe era onerosa, foi pro reino de Juramidan, recebida com festas. E Dona Otília continuou vivinha. Tinha contas para acertar, tinha tarefas para dar acabamento, tinha defeitos para endireitar.
De seringal em seringal, até chegar a ver as luzes da capital. Com o ofício de costureira, bate à porta de um comerciante próspero, libanês do Líbano (turco era a puta que pariu!).
O velho ainda fazia as vezes de regatão, junto com seu sócio, Manoel Julião. Prato feito para os sócios, pois, além de tabaco, mixira, fósforo, vela, quinado, vermute, querosene e outras coisas de primeira necessidade, levavam confecções do atelier montado pela nova empregada.
Não sei não, mas tenho a impressão que essas medidas intermediárias hoje usadas (PP, MM e GG), foram descobertas e nomeadas por ela. Os gabirus eram diferentes do padrão americano. Eram baixos e gordos ou baixos e magros. Pernas normalmente cambotas, barbas ralas e sorrisos largos quando esqueciam as mazelas.
Agora sim, as festas seriam mais bonitas. Calças de gabardine cáqui, camisas de risca de giz, muita seiva de alfazema garrão, um bom conhaque, e todos felizes. Os seringais Barro Vermelho, Pontão e Calafate tinham os arigós mais bem vestidos e mais sedutores da paróquia.
O sírio-libanês bem que sabia que aquela dona ia ser sua. Já separado da primeira mulher, com quatro filhos, de 11, 12, 13 e 15 anos, tinha que dividir com alguém a criação daqueles entes. A costureira não era de todo feia, porém infinitamente menos bonita que a primeira, com quem casou quando esta tinha, apenas, 12 anos e, com 13, lhe causou o infortúnio de ter uma filha mulher. Essa não vai me dar trabalho!
Do status de costureira, subiu muitos degraus. Agora tinha dono e sobrenome. E com ele viveu, feliz, pelo que parecia. Ele, com a exigência de bem ser servido; ela com a preocupação de bem servir. Aprendeu rudimentos de árabe e manejava um velho ábaco com habilidade de chinês. Coisa bonita de ver! Somar e multiplicar eram suas operações favoritas. Segundo a filosofia, dividir e subtrair, disso a vida se encarrega, repetia sempre.
Somou e multiplicou. Ajudou a todos, inclusive os indignos. Já anciã e muito doente, apenas a enteada mais velha tinha tempo para, todos os dias, passar para asseá-la e alimentá-la, não sem antes pedir:
– Sua bênção, madrinha.
Pediu para ouvir o trecho de uma música (“... e lá no outro mundo, em vez de inferno, encontre glória, e que apague de minha memória o quanto sofri”), tomou um copo de leite e dormiu.
Percorreu todo o rio da sua vida com paciência de monja budista.


*Publicado originalmente no site Lima Coelho.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

CHUVA OBLÍQUA (excerto) – Fernando Pessoa

Metáfora belíssima de Fernando Pessoa numa analogia entre a chuva e a missa. Coisa de gênio.

Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...

Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro...

O esplendor do altor-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...

Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no fato de haver coro...

A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste...
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel...

E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa...

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PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p. 114
Fotografia.: Flickr Wagner Araújo CWB

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

OS VINHEDOS DE FREDERICO II E O QUARTO DE VAN GOGH

Profª. Inês Lacerda Araújo
Filosofia de todo dia


Entre as mais vívidas impressões de um breve percurso recém feito a alguns países europeus, há duas que são contrastantes e marcantes. Ambas dão a pensar.
Frederico II, rei da Prússia (1717-1786) construiu um castelo para lazer onde passava muito de seu tempo, em Potsdam, arredores de Berlim. Entre jardins, estátuas de filósofos e de personagens mitológicos, o rei poliglota, que não se recusava a participar de batalhas e conquistou vastos territórios, ambicionava ser filósofo de estilo platônico, tendo por modelo Marco Aurélio. Foi amigo de Voltaire, a quem hospedou várias vezes e com o qual se correspondia. Flautista, amigo de grandes compositores, não casou, não teve descendentes, há rumores de que seria homossexual. Aberto, brilhante, tolerante, pregou a liberdade religiosa em tempo de dogmatismo. Permitiu que Kant publicassse em Berlim escritos sobre religião, que foram proibidos no resto da Europa.

Ao castelo ele deu o sugestivo nome de Sans Souci (Sem Problemas, em francês). Em estilo rococó, se chega a ele por uma enorme escadaria entremeada de vinhedos, que lá estão até hoje, mas sem produzir. Um sistema de calefação abrigava e ainda abriga as vinhas do frio de 15 a 20 graus abaixo de zero. No verão cada porta era aberta e vinhas e figueiras davam seus frutos.
Na outra ponta, o quarto de Van Gogh, a simplicidade, a austeridade, apenas o estritamente necessário. O museu a ele dedicado em Amsterdam realizou um detalhado e perfeito trabalho de restauração, e ali está o quarto, como também as botas, as flores, as paisagens, a tentativa de aproximar-se de um suposto gosto comum para vender as obras e poder sobreviver, primeiro em Paris, depois retira-se para o sul da França. Voluntariamente se interna, mas a solidão é demasiada.

Em uma das mais emocionantes cartas a seu irmão, Van Gogh escreveu: "Na natureza está tudo pronto para ser pintado, mas é preciso saber interpretar". Quer dizer, o real nada é sem a interpretação do artista, de seu traço, da pincelada, da cor.

Sem ser filósofo, Van Gogh foi mais e melhor filósofo do que muitos prestigiados acadêmicos.

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É possível usar o fausto para promover a grandeza como fez Frederico II.
É possível usar o simples para chegar ao essencial, como fez Van Gogh.

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* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e doutora em Estudos Linguísticos. É professora aposentada da UFPR e PUCPR.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A ESCOLA DO CORAÇÃO - Isaac Melo

À Magda Guimarães, Ir. Braz Lanius,
Gil da Silva e Doca Monte
Quem passa pelo fogo leva no rosto as cores do arco-íris. Parafraseando as palavras do educador e poeta Rubem Alves diria: quem passa por uma escola e se permite por ela tocar leva no coração a indelével marca do amor. Num país, como o nosso, em que ainda se maltrata tanto a educação, parece idealismo falar de amor. Porém, o que o amor pode fazer, o amor ousa tentar. Inspirado por esse pensamento shakespeariano ouso contar a minha experiência de amor numa e por uma escola.

O ano era 1994. Juntamente com meus irmãos acabávamos de chegar à cidade, provenientes do seringal. Um de meus irmãos tivera um problema de saúde grave. Depois do tratamento, os médicos recomendaram a meus pais que não o deixassem mais trabalhar no “pesado”, sob o sol causticante amazônico. Então resolveram comprar uma pequena casa na cidade, e para lá nos enviaram. Assim, além de sanar o problema de meu irmão, daríamos continuidade aos estudos. No seringal, o muito que havia era até a quarta série do primário. Considero a atitude de meus pais como um ato abnegado de amor, pois preferiram assumir todas as responsabilidades do trabalho na roça, que era farto, em prol de nossa educação. Sim, a vida encerrada na densidade da floresta amazônica havia sido dura para com eles. Não desejariam ver suas sinas repetidas em seus filhos.

No bairro Senador Pompeu, vulgo Praia, ficava e até hoje permanece nossa casa. Trata-se de um bairro periférico, com todas as dificuldades que se possa imaginar... Concentra a maior parte da população de Tarauacá. Geograficamente está numa área de várzea, o que, anualmente, com o aumento das águas dos rios Tarauacá e Muru, provoca inundações. Alagações, no popular. Aí se estabeleceram a maior parte daqueles que haviam deixado os seringais. Um bairro de gente aguerrida, que traz no rosto as marcas da luta diária pela vida. Mas é gente que ousa sonhar, e não se cansa de sorrir para esperança. Era (é) também o bairro mais agitado, onde fica a praia de rio, dos meus inesquecíveis banhos, de inverno a verão; o clube de dança mais tradicional da cidade; a igrejinha em que fiz a primeira comunhão; a escola em que tudo começou.

Poucos dias separam nossa história. Às margens do Rio Tarauacá, seringal Sumaré, minha mãe me lançava ao mundo. Era agosto (12) de 1985. Sob o mandato do então governador Nabor Teles da Rocha Júnior, em 26 de setembro, também de 1985, era fundada a escola ROSAURA MOURÃO DA ROCHA. Recebeu tal nome em homenagem a mãe do próprio governador.

Havia chegado o primeiro dia de aula para o menino de seringal. Lembro-me que minha mãe havia feito o meu próprio uniforme, a farda como costumávamos dizer. Consistia numa camisa branca, com um short azul marinho feito de tergal. Metido em minha farda, com minha havaianinha nos pés, um caderno, um lápis e uma borracha dentro de um saco plástico, daqueles de arroz de cinco quilos, caminhei feliz rumo à escola. Mochila era coisa que filho de pobre não se dava ao luxo. Tive que esperar alguns anos até o governo distribuir “gratuitamente”.

Naquele ano de 1994, duas turmas distintas, da qual fazia parte, dividiam a mesma sala, um antigo auditório caindo aos pedaços. E para piorar, quando chovia, com as infiltrações, o piso, cimentado e desgastado, ficava tomado por água. Realidade que não diferia muito das salas restantes. Abstenho-me de fazer qualquer juízo de valor em relação aos governos. Porém, as escolas acreanas desta última década, sobretudo, deram um salto estrutural e qualitativo como nunca se registrou antes. Há muita coisa a ser feita, é verdade, mas, acredito que se estar a percorrer o caminho certo.

Por ser uma escola de periferia, é claro que sofríamos preconceitos por aqueles que se criam num outro nível. Bagunceiros, baderneiros, marginais... eram alguns dos adjetivos que se costumava a nos atribuir. Mas tudo isso a gente juntava e comia com farinha. Pouco nos importava. Talvez fosse inveja. Os rosaurenses eram aguerridos nas competições esportivas, naquilo que faziam. Gente pobre, como nós, não se pode dá o luxo de ser fraco.

Como uma semente que é enterrada em terra boa e diariamente recebe a luz do sol e água, além dos cuidados generosos do jardineiro, assim me ocorrera na ROSAURA. Fui uma semente cultivada, cultivada com amor, até mais do que merecia. Ah, como tinha razão Paulo Freire quando dizia que não se pode falar de educação sem amor. Não é à toa que a escola ROSAURA “tem como filosofia trabalhar num ambiente familiar primando pelo respeito mútuo; cultiva os valores cívicos; respeita a pessoa humana; aceita cada aluno como um ser único, original e diferente, com capacidades e limitações; incentiva o desenvolvimento do pensamento crítico”.

O que sempre faz a diferença numa escola, a meu ver, são as pessoas, isto é, a capacidade de amar de cada um que está envolvido no processo educativo. Amar é essa capacidade de se dedicar ao outro incondicionalmente. De modo que um professor que trabalha motivado apenas pelo que vai receber no final do mês, poderá ser até um bom profissional, mas nunca será um educador (etimologicamente o que cria, nutre). Lógico, a remuneração é indispensável e necessária, mas não deve ser aquilo sobre a qual o educador deposita seu coração. Na ROSAURA tive bons educadores, que demonstraram o ser em várias circunstâncias.

Mas deles trago fortemente o gosto pela leitura, pelos livros, pela literatura. Fora aí que aprendi a ler. A ler a vida e a ler o mundo. Lembro-me que certa vez determinada professora nos levou uma versão adaptada de “Os Miseráveis” de Victor Hugo. A cada aula líamos um trecho. Jean Valjean ainda hoje frequenta meus pensamentos. Muitos foram os projetos de leitura, de redação. A cada dia um aluno era responsável por trazer um texto, a seu gosto, para ler no início da aula para os demais colegas. Prezava-se muito para que cada aluno soubesse realmente ler. Por isso, até a oitava série houve exame de leitura. Lá íamos nós, um a um. Quem é o autor do texto? Qual é o tema? Quem é a personagem principal?... Parecem coisas pequenas, mas não é. A mim, quanta diferença fizeram.

Ir. Braz Lanius
Outra coisa marcante foi a criação de um caderno de registro, uma espécie de diário em que se registrava a vida e os acontecimentos da turma. A cada dia um aluno era responsável por redigi-lo. Havia sido implantado pelo coordenador pedagógico, nada mais nada menos que o Irmão Marista Braz Lanius. Ir. Braz é um ícone da dedicação à educação em Tarauacá, que o faz um dos educadores mais respeitado. Quem não sabe do zelo e do empenho à educação de Ir. Braz em Tarauacá? Fato curioso era quando ele caminhava pelos corredores da escola, não se avistava um aluno sequer. Até hoje ele continua lá, com seu serviço e testemunho de amor.

“De repente do riso fez-se o pranto, silencioso e branco como a bruma... Estas doces palavras deram início as nossas atividades escolares nesta 4a. feira do mês do outubro”. Assim escrevi em nosso “Caderno de Registro” naquele ano de 2002. Ao percorrer aquelas páginas, quanta coisa interessante e mesmo hilárias estão registradas, como esta de um de meus colegas: “Iniciamos nossa aula com uma grande confusão fora de nossa sala, um menino acertou os beiços do outro e saiu sangue, os alunos curiosos sairam atrás da briga parecendo uma procissão”. Era assim que nos exercitávamos na prática da escrita. Nosso olhar ingênuo abriu espaço para voos mais altos.

Precisamos contribuir para criar a escola que é aventura, que marcha, que não tem medo do risco, por isso que recusa o imobilismo. A escola em que se pensa, em que se cria, em que se fala, em que se adivinha, a escola que apaixonadamente diz sim a vida. A Rosaura Mourão da Rocha realiza muito desse sonho de Paulo Freire. Não se trata de uma escola ideal, mas foi uma escola em que sair mais humano, mais gente. Eu que tantas vezes, em minhas rebeldias, recebi compreensão em vez de castigo. Hei de sempre ser grato a pessoas como a professora Nonata Tavares, minha primeira diretora, a Socorro Bandeira, a Gil da Silva, a Doca Monte, a Maria Senhora, a Magda Guimarães, minha última maravilhosa diretora, ao Ir. Braz Lanius, e tantas outras pessoas. Em meu coração há um cantinho só para eles.

Hoje quem chega a ROSAURA, admira-se com a qualidade estrutural e qualitativa da escola, que sofreu uma significativa reforma em 2003. A reelaboração de espaços e a criação de um jardim deram a escola um novo tom. Mas as mudanças vão além do plano físico. Há alguns anos a escola vem sendo finalista do Prêmio de Gestão Escolar do sistema público de ensino do Acre. É o reconhecimento pelo empenho na busca de novas maneiras de transmissão, fomentação e partilha de saberes.

Thomas Merton, um grande místico cristão, em um de seus livros expressou: “Que alegria, que gratidão sentem os homens quando aprendem com os outros o que já haviam determinado em seus corações acreditar”. A escola não pode fazer muita coisa se também não houver uma disposição do coração daqueles que a buscam. Se educar é um ato de amor, o aprender também o é. A escola assim deve ser esse chão em que o amor há de desabrochar. Então recebam amigos minha gratidão, pois meu coração palpita forte quando ainda ouço pronunciar: escola Rosaura Mourão da Rocha.

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Ir. Braz Lanius.

Doca Monte.
Professora Socorro Bandeira.
Maria Senhora.
Gil da Silva.
Meu amigo prof. Luis Carlos.
Professora Nonata Tavares.
 
Magda Guimarães, atual diretora da Rosaura Mourão da Rocha.
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Fonte das imagens:

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

LIÇÕES DE ANTÔNIO MULATO BENEVIDES - Leila Jalul

BR 364 depois do asfaltamento.
De tanto bater roda naquele trecho, de cor e salteado e até de olhos fechados, Antônio Mulato Benevides sabia de cada curva, cada buraco e dos caminhos onde os bichos atravessavam a pista mais comumente e de forma inesperada. Já lá se iam vinte e cinco anos de pneus furados, calor massacrante, chuvas impiedosas, atoleiros a perder de vista e quase intransponíveis, poeira maldita e passageiros desnorteados.

A hora de parar se aproximava. Seu espinhaço não mais respondia a uma freada brusca. As pernas arroxeadas anunciavam uma trombose a qualquer momento. Era hora de parar, sim, mas antes deveria treinar dois novos motoristas para a renovação do quadro da empresa. Ensinar, precisamente, não o caminho. Este e outros, inclusive os descaminhos, qualquer um poderia aprender sozinho. Deveria, isto sim, dizer das armadilhas e dos percalços. Regras básicas de defesa e de ataque, inevitáveis e necessárias à arte do bem viver de um trotamundos.

Pé de Chumbo e Pega à Unha, como eram conhecidos Odonias Firmino e Joel de Souza, acreditando, ou não, prestavam atenção ao que dizia Mulato Benevides. Às vezes, pelo pecado do excesso, eram tantas as marolas e tão detalhadas as fantasias que, em coro, apenas diziam: – “conta outra, Benevides!” Durante a viagem, de forma sacana, se revezavam nas perguntas cretinas.

– Conte, vamos!

– Ó, bando de otários, vou contar não! Rezem para que nunca aconteça com vocês o que já aconteceu comigo. Nesta BR eu já vi caboclo peludo atravessando a estrada em noite de lua cheia. Já vi mulher parindo menino com cabeça do tamanho de uma coité grande e sem dar um único gemido. Vi índios segurando sucuri de quase oito metros e com um bezerro na pança. Vi de tudo, moços! Mais até do que precisava ver.

– Vá dizendo, vá!

– Eu já carreguei o menino Zezé de Camargo quando ele começou a cantar.

– Virgem Maria! E ele cantou pro senhor ouvir?

– Não, seu bestalhão, ele cantava pra quem quisesse ouvir. Até hoje sou fã desse menino, pelo tanto que era humilde. Se um dia encontrar com Zezé, pergunte se ele já cantou na praia da Base e na balsa do Madeira?

– E o Roberto Carlos? Carregou?

– Não, quem carregou o Roberto Carlos foi teu pai, filho duma égua! E nas costas! Cabra besta! Só burro carrega alguém nas costas, ouviste bem?

– Qual foi o pior passageiro que o senhor já transportou nesta vida?

– Ó, rapaz, já carreguei até defunto. O pior dos piores entre os piores, entretanto, foi uma mulher. O castigo dos castigos e o maior desgosto que já passei na minha vida. Deixem chegar ali na balsa que eu conto. É uma longa história.

– Era bonita ou requenguela?

– Era uma mulher. Uma mulher... Espera chegar à balsa, demente! Não sabes que o apressado come cru!

Travessia balsa do Rio Madeira - RO.
A fila de espera para a travessia do Rio Madeira era quilométrica. Os passageiros desceram para comer os brebotes gordurosos e os três motoristas ficaram na cabine conversando. Pelo fato de serem responsáveis pelas vidas que conduziam eram terminantemente proibidos de ingerir “quebes” de macaxeira e arroz. Na maioria deles havia bactérias e todo tipo de porcarias próprias das comidas de beira de estrada. Naquelas bandas, sim. Isto posto, só biscoitos Maria e bolachas Cream Cracker. Para engolir com refrigerantes ou sucos naturais.

– Desembucha, Benevides! Como é que era a sua mulher fatal? Loura, linda, morena, magra, gorda, nova, velha, sorriso Colgate ou desdentada?

– Vejam, a senhora era de meia idade e forte, tipo setenta e cinco a oitenta quilos bem distribuídos. A BR-364 ainda era (e é!!!) um inferno de piuns, mucuins e carapanãs. Peguei o carro em Vilhena, tão logo depois da vacinação contra a febre amarela e o colega antecedente me avisou que tinha uma passageira trabalhosa e impertinente, com destino a Rio Branco. Ela queria fumar quando as janelas estavam fechadas e descompunha quem tentasse sentar na cadeira vazia ao seu lado. Era bonita a danada!

- Passaste ela no toco e no rolo?

Fazendo de conta que não ouviu a insolência de Pega à Unha, Antônio Mulato Benevides continuou.

– A dona acendeu um cigarro bem na hora em que um senhor de idade entrou e sentou-se ao lado dela. Tossindo e espirrando como se tivesse cheirado rapé o velhinho foi à cabine para fazer a reclamação. Parei o carro, fui falar com ela e o desaforo veio na hora: - “Negro filho da puta, quem você pensa que é? Por esta e por outras razões é que não gosto de preto nem de pobre! Ô raças vagabundas!”. A “zinha” era negra como eu, fiquem sabendo!

Pega à Unha, revoltado, vociferou: – “Benevides, homem, mas tu foste muito frouxo demais da conta! Eu teria jogado esta égua na beira da rodagem e metido o pé no acelerador”.

– Não é assim, meu caro! Houvesse um posto policial eu teria tomado a decisão acertada e registrado uma queixa. É assim que deve ser, e assim é de lei. O comandante do navio, o do avião, o condutor de veículos coletivos, seja trem, seja ônibus, é o responsável por manter a ordem e a segurança, ouviram? Não havia posto policial e tive que continuar. Agora, por favor, não interrompam mais. D’uma encarrilhada só eu conto o fim do drama.

E continuou:

– Durante a travessia da balsa, vocês sabem, nem que seja a mãe de vocês, pode ficar a bordo. Jamais esqueçam essa regra de segurança! É sempre melhor tirar um afogado de dentro de um rio do que tirar um afogado de dentro de um ônibus afogado num rio, entenderam? E a dona queria porque queria ficar lá dentro, mas, sem alisados e com voz grossa, obriguei-a a descer. Lasquei-me de cabo a rabo, mas cumpri minha obrigação. A dona desceu e, na rampa de pranchas de madeira, enfiou a canela numa das brechas e ficou engatada.

– Bem feito! Deus é justo!

– Cala-te, Pé de Chumbo! Posso acabar? Tu queres ser motorista, açougueiro, carrasco ou Deus?

– Nestas horas, juro, só queria mesmo ser era doido!!!

– Pois bem, o grito de dor que a dona deu, nem que eu viva duzentos anos vou esquecer. Foi um verdadeiro esturro de fera ferida...

E seguiu contando:

“Corri, meti meus braços debaixo dos sovacos dela e puxei-a pra cima. A canela já estava roxa e sangrando. Juntei-a do chão, carreguei aquele monte de quilos para o ônibus e fui fazer um primeiro socorro. Peguei minha toalha de banho no encosto da cadeira, tirei as pedras de gelo da minha frasqueira de água e embrulhei a perna da distinta. Rapazes, ela se urinava de tanta dor. Ainda assim ela me xingava de negro filho da puta, corno e de veado pra baixo! A diaba blasfemava contra Deus e contra todos. Confesso que nunca ouvi tantos palavrões duma boca só!

Minha coberta de lã, para que o mijo da braba dama não escorresse pelo ônibus inteiro, lhe serviu de fraldas. A cada mijada, debaixo de gritos, eu parava o carro, descia e torcia a coberta para recolocá-la debaixo da bunda da sofredora e irascível criatura.

Quando cheguei ao primeiro local que tinha telefone, ainda cumprindo minha obrigação, liguei para a empresa e pedi que fosse mandada uma ambulância para a rodoviária a fim de encaminhá-la para atendimento. Também dei o número do telefone da casa de uma irmã da madame para que fosse aguardá-la e providenciar internação e tudo o que fosse necessário. É assim que vocês têm que fazer numa situação dessas. Esqueçam as raivas, ofensas e tudo o mais”.

– E pode ter mais?

– Pode! Pega à Unha e Pé de Chumbo, entendam de uma vez por todas: aqui nesse “finzão” de trecho e de mundo, sem lei e sem ordem, tudo pode! Tanto é que, ao retirar a senhora acidentada de dentro do ônibus e colocá-la dentro da ambulância, a irmã dela cuspiu na minha cara e, por ser influente na cidade, através de um político, conseguiu que eu fosse dispensado da empresa.
Nesse momento a fisionomia de Benevides mudou. Mãos crispadas, olhos avermelhados pela retenção das lágrimas e parecendo ter trazido o ontem para o agora, disse aos futuros motoristas que o escutavam atentamente: – “Ao chegar em casa encontrei minha esposa muito doente. Ela veio a falecer logo em seguida, e, creiam, sem que nada disso soubesse. Paguei o preço por ser negro e honesto em total silêncio. Meses depois fui recontratado pela mesma empresa que agora emprega vocês. Espero que tenham a mesma sorte e a mesma serenidade que tive no cortar estradas e lidar com gente e animais. Honrem a profissão”.

O restante da viagem foi com pouca prosa e muitos pensares. Pé de Chumbo e Pega à Unha entenderam o pranto e a dor de Mulato Benevides. Sequer pediram para escutar os CDs com as músicas do seriado Carga Pesada e os da Sula Miranda, consagrada e reverenciada rainha dos caminhoneiros e viajantes das estradas deste bravo e esburacado país.

Em Vilhena, no ponto de apoio, a janta foi tranquila, mas não tanto. Pega à Unha mexia-se na cadeira como se tivesse pregos na bunda. Captando as razões, ouviu de Mulato Benevides: – “Pergunta logo, homem! O que queres saber mais?

- O que aconteceu com a mulher? Ficou sabendo de alguma notícia dela?

– Não sei. A vida dos passageiros não importa. O próprio nome já diz que são passageiros, que passam... Espero que ela tenha sido muito feliz e arranjado dinheiro para só viajar de avião.

No outro dia, pela manhã cedo, embarcaram para a viagem de volta. Conferidos os passageiros, bem na primeira poltrona, Mulato Benevides viu uma índia com duas crianças. A “mais” grandinha tinha cara de capeta e, antes mesmo da partida, já estava dando uma ideia do que poderia aprontar. Não deu outra!

O moleque fazia cooper, salto com vara e salto à distância no estreito corredor. Era um atleta. Depois tropeçava, caía, levantava e abria um berreiro enlouquecedor. Uma melequeira danada escorria da boca e do nariz do cabeça de bagre olímpico. Ainda assim, corria novamente, se esfregava nos passageiros, limpava o nariz na capa das poltronas, até que, exausta, deitou no colo da mãe e dormiu. De repente, danou-se a vomitar e a chorar.

– Pega à Unha, vai ver o que está acontecendo ali e cuida! Tens que limpar o carro! Ninguém aguenta pixé de vômito. Cuida!

– Logo eu, Benevides?

– Sim! Depois o Pé de Chumbo, se precisar, vai atender o pajé mirim. Cuida, homem!

Ao voltar para a cabine, cara de poucos amigos, foi recebido pelos colegas com galhofas e piadinhas. Benevides, muito sério, olhando para o ajudante roxo de raiva, faz a pergunta pronta e ajustada para a hora:

– Queres dirigir?

– Por qual motivo?

– Ora, ora, para que possas parar o carro, jogar o indiozinho filho d’uma égua na beira da rodagem e pisar no acelerador!!! Não é assim que pensas?

– É o que dá vontade! Bom seria poder estrangular!!! Vida de merda!

– Calma, amigo! Muita calma!

Daí pra frente, muito esperto, o indiozinho ainda fez umas danações. Nada que atrapalhasse o trânsito e a audição da música Fogão de Lenha, nas vozes dos arrepiados canarinhos Chitãozinho e Xororó e muitas outras dos novos e velhos cantantes que sabem da vida errante, inclusive as dos filhos de Francisco, Roberta Miranda e as do eterna cara de sofrença, mais conhecido por Amado Batista.

Estava cumprida a missão de Antônio Mulato Benevides

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Publicado originalmente no site Lima Coelho.


terça-feira, 20 de setembro de 2011

CHICO, O CONTADOR DE HISTÓRIAS

"Não sei da complexidade dos animais, sei da complexidade do ser humano. Cada um é cada um. Cada indivíduo tem uma história para contar diferente da do outro. Cada pessoa constrói sua história singularmente. Ninguém é igual a ninguém. Somos todos semelhantes e diferentes."
Francisco Gregório Filho


Francisco Gregório Filho, recém empossado na Academia Acreana de Letras, nasceu encantado. Sim, porque só quem nasce encantado é capaz de encantar a outros. Gregório Filho é mais que um contador de histórias, é um encantador de gentes. Encanta pelo que conta. Encanta pelo que escreve. Encanta pelo que faz.

Suas lembranças amarosas, inebriadas de grávidas histórias, para nós se tornam guardados do coração na difícil passagem do tempo e da gente. Um menino pipeiro há de se enconder sob aquela alva barba. Chico nascido de tantos chicos revela a força de um nome e a vocação de um coração. Quem aprendeu a contar há muito aprendeu a amar.

Como acreanófilo que sou é meu dever partilhar as coisas que aquecem nosso coração e nos despertam ainda mais para a vida. Eis duas agradáveis leituras.

Lembranças amorosas foi o primeiro livro publicado por Gregório Filho, em 1997. Como denuncia o próprio título, aí estão as histórias, as lembranças amorosas do Chico dos tempos de menino, histórias que anotava em cadernos sem pauta adquiridos especialmente com essa intenção ou presenteados pelo avô. Ao todo, vinte e uma historietas que se ler sem vontade de parar. Sobre o fascínio que exerce a escrita de Gregório Filho, recordo-me dos versos de Cecília Meireles: “Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência, a vossa!”.

Difícil Passagem, de 2003, é outro encanto de leitura. Chico vai desenrolando sua história desde a avó, uma Kaxinawá das margens do Rio Jordão até as suas primeiras paixões e romances. É a difícil passagem do Chico menino para o Chico homem, do Chico que usava “calça, cinto, meia, sapato, camisa, relógio, carteira com documentos, carteirinha de estudante, um pente, lenços de papel no bolso e ainda uma caneta” para o Chico dos livros e dos amigos do Clube da Leitura. É ainda o Chico apaixonado por pipas. A pipa e o menino vivem no deslizar dos sonhos sob o céu que passa.

Sou um pobre cego que vivo do coração da humanidade é o que expressa uma das personagens de Fogo Morto de José Lins do Rego. Também, às vezes, me creio como esse cego, só que vivo do coração da literatura, que pulsa no peito de cada poeta, de cada romancista, de cada cronista... tal como ocorre em Francisco Gregório Filho.

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DOS  GIRASSÓIS
Francisco Gregório Filho

Década de sessenta, estudante do ginásio no Colégio Acreano. Uma passagem de minha história de leitor:
Com as repercussões que as leituras de meus livros particulares e do acervo do nosso clube de leitura me proporcionavam na escola junto aos professores, resolvi me afastar dos livros de literatura. Tinha ganho apelidos, tinha sido suspenso por três dias, minha professora de português zangara-se comigo, entre tantos problemas que se iam acumulando, causados pelo gosto de ler e de escrever.

Percebi que o excesso de imaginação estava custando caro para mim. A literatura, os contos, a poesia, os romances me estimulavam a escrever e a imaginar licenças poéticas. A criar palavras e textos que a escola não aceitava. E isso estava dificultando minha relação com os professores.

Queria interpretar os textos de um outro ponto de vista, de um outro ângulo. Queria dizer dos horizontes que as histórias me faziam ampliar. Mas sempre me envolvia em embates com os professores e, como eles detinham a palavra final, acabava repreendido e até mesmo constrangido. Mesmo com a torcida a meu favor, dos colegas de classe, o ponto de vista dos professores era o definitivo. Queríamos, eu e meus amigos, criar argumentos sobre as questões. Mariazinha, minha colega, chamou nossos argumentos de teses cambiantes. Desejávamos cambiar idéias e percepções diferentes. Mas, observávamos que os professores temiam nossas propostas. Chegaram nos acusar de delirantes.

Pois bem, resolvi me afastar dos livros de histórias de ficção e de poesia e me dedicar mais aos livros didáticos. Foi um tempo mais calmo. Combinamos, eu e meus amigos, em fazer uma aliança com os professores em torno dos livros didáticos para poder receber sua simpatia e obter notas melhores. Essa aliança surtiu efeitos. Passamos a concordar com as respostas que vinham nesses livros e a merecer boas pontuações.

Um dia, nossa professora de artes comentou que observara nossa mudança de comportamento e não concordava com a nossa aliança. Explicamos a ela nossa estratégia para poder passar de série. Então, ela nos convidou para formarmos um grupo de teatro na escola. Um grupo de teatro em que poderíamos colocar nossos pontos de vista. Foi uma vibração geral. Todos nós, excitantes, eufóricos. A partir daí, o grande barato da escola era o grupo de teatro. O nome dessa professora: Dalva. Nossa grande mestra. Dalva promovia a leitura de textos dramáticos, comentava sobre os dramaturgos, nos estimulava a escrever nossas cenas e as experimentava nas dramatizações. Incentivava a criação e confecção de cenários e de projetos de iluminação. Nós criávamos, confeccionávamos e representávamos. Participávamos de todos os momentos da produção dos espetáculos. Benza Deus... Foram os melhores tempos de escola.

Além de todo o prazer de participar do grupo, nesse período, aconteceu um fato que me fascinou: a professora Dalva propôs, num dos exercícios de improvisação, que eu fizesse um girassol nas quatro estações. Confesso a vocês que até então não observara nenhum girassol nem tinha ainda me aventurado nas leituras sobre girassóis. Fiquei travado, sem saber por onde iniciar. Levantei os braços, comecei a circular lentamente. Senti um vazio. Não estava sendo convincente para mim mesmo, nem possivelmente, para mais ninguém.

Parei o exercício, olhei para a professora e confessei: “Professora, nunca vi de perto um girassol, nunca li sobre girassóis, ignoro todas as reações do girassol às estações do ano. Sei que girassol é uma flor, bonita, de tons amarelados e que, como sugere o nome, gira com o sol.”

Dalva era mesmo uma professora instigante e pediu que eu desenvolvesse outro exercício: que atravessasse um túnel escuro, pisando ora em pedras, ora em areia, ora em lama e finalmente em asfalto. Demonstrei com o corpo essas diferentes sensações que imaginava experimentar.

Victor, um colega de turma, disse-nos que seu pai tinha um sítio com alguns canteiros de girassóis. A professora conversou então com o pai do Victor e organizou um passeio ao sítio para que observássemos de perto os girassóis. Depois, convidou-nos para uma pesquisa na biblioteca. Levantamos uma bibliografia sobre girassóis. Foi uma descoberta e tanto. A Dalva e os girassóis. Nossa estrela Dalva. Mestra. Professora. Voltei aos livros de literatura pelas mãos da professora Dalva e pelo grupo de teatro. Assim, penso, tornei-me um interessado por leitura e por essas questões complexas, em torno da formação de leitores.


Nota: crônica retirada do site Lima Coelho, publicada originalmente em: www2.uol.com.br/pagina20/10072005/cronica.htm. Faz parte do livro Lembranças Amorosas, editora Global.

sábado, 17 de setembro de 2011

A VIDA É UM PRESENTE…

Luísa Galvão Lessa
A vida nos dá pessoas e coisas,
Para aprendermos a sorrir...
Depois, retoma coisas e pessoas
Para ver se somos capazes de seguir
Com a caminhada madura...
Mas muitas vezes bate a melancolia
Não se chora, não se sorrir, apenas vem a meditação, a reflexão
A vida não é brincadeira, mas uma arte em retidão,
Por vezes um remanso, um rio, uma maresia
Um vulcão, uma ventania...

A vida nos dá vida, calor, sol, noite, dia,
Depois vem o frio, a chuva, a ventania...
A vida nos dá presentes belos, fascinantes
Por vezes momentos inebriantes...
Mas n'outros dias nem sorrir
É áspera, inquieta, uma acrobacia
Salta, revolta, peregrina em noites frias...

Então a gente se pergunta: o quê é a vida?
- A vida é um presente,
Uma dádiva sublime de cada ente...
A vida é como peça de teatro, não permite ensaios.
Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente,
Pois um dia a cortina se fecha e a peça termina
Sem adeus, despedidas, com um suspiro somente...
Por isso ame, chore, sorria, grite, cante,
Faça dos dias um encanto
Porque viver é amar...

Amar é sorrir por nada e ficar triste sem motivos
É sentir-se só no meio da multidão,
É o ciúme sem sentido,
É desejo de um carinho,
É abraçar com certeza e beijar com vontade,
É passear com a felicidade,
É ser feliz de verdade!

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                                           Linguagem e Cultura
                                          Série A Poesia Acreana