segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O DESEJO POR IMORTALIDADE

Profª. Inês Lacerda Araújo*
FILOSOFIA DE TODO DIA 


Desde tempos imemoriais, quando os homens se descobriram mortais, negar a morte, prolongar a vida, preservar corpos, cultuar os mortos por meio de túmulos, pirâmides, monumentos, oferecer sacrifícios, enfim, tentar de alguma forma ser imortal - esse tem sido o desejo maior das pobres e mortais criaturas... 

A literatura e a filosofia, entretanto, com seu poder de abstração, de reflexão e de imaginação, ensaiam como seria a realização desse desejo em personagens e obras. 

Simone de Beauvoir Em Todos os Homens são Mortais (1946), descreve o drama de um personagem imortal, que, pasmem, é infeliz com essa condição. O efeito mais drástico, é o da solidão.

Jorge Luis Borges no conto O Imortal, relata a vida de um soldado da época de Diocleciano, que ouvira falar do Rio da Imortalidade e sai em busca desse rio. Para essa empreitada recruta soldados e mercenários, que, uns após os outros, morrem. Após dias de busca solitária, e de uma noite de pesadelo, acorda com sede e bebe de um arroio. Ele chegara a um país estranho, de trogloditas que moravam em cavernas. Ao fundo há uma cidade abandonada. Penetra em um palácio cuja "arquitetura carecia de fim", escadas que levam a lugar algum, sem simetria, sem serventia.

Acontece que os trogloditas eram imortais, e aquela cidade foi sua última obra, depois a vida deles se tansformou numa espécie de letargia, de volta sem fim, de ensimesmamento. Nada faz sentido, nada tem valor. Sofrer sede e fome, e nem assim precisar de alívio. A imortalidade os condenou à indiferença, não há mérito, não há vício nem virtude. O que não significa estarem eles para além de bem e mal, nem poderiam ser confundidos com ascetas do deserto, pois viver absorvidos em seu pensamento, era seu único consolo.

O soldado vai embora da cidade, sai em busca de um rio que lhe devolva a mortalidade, a humanidade, o desejo, o prazer, a dor. Séculos depois, sabe que os encontrou quando se percebe ferido, sangra, sente dor.

Morrerá...

E hoje? Cirurgia plástica para rejuvenecer, botox, academia, vitaminas, bailes de terceira idade, namorar, pílulas azuis -, são recursos alardeados por governos e pela indústria da saúde. É preciso a todo custo buscar a juventude, negar a morte, sob o pretexto de ser saudável. Amar se transformou em vitalidade sexual. O prazer de uma caminhada se transformou em passos medidos e avaliados pela eficácia. O que faz mal, o que faz bem: a vida transposta para essas duas colunas do que fazer (para não morrer!?).

Cultivar o sossego, a paz de espírito, o despreendimento, a sabedoria dos que se sabem mortais, aceitam essa condição, e dela usufruem, agora é visto como esquisitice.

Interessante essa "evolução" que passou da preservação de cadáveres, múmias com direito à vida eterna, às quase múmias plastificadas nos centros de estética. Incrível que estética tenha também sofrido uma mutação, passou de busca do belo, à busca de beleza à custa de bisturi, agulhas e picadas.

Quase ia esquecendo: a moda dos vampiros, glamorização e tragédia se juntam em mais um espetáculo sobre a vida eterna, que, aliás, vende muito bem! 

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* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e doutora em Estudos Linguísticos. 

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