sábado, 14 de julho de 2012

BÓSON DE HIGGS, DEUS E A METAFÍSICA

PROFª. INÊS LACERDA ARAÚJO



Bóson de Higgs
A Física teórica, que usa cálculos e comprova suas hipóteses pela experiência e/ou pelos produtos técnicos e tecnológicos, é de certo ponto de vista, recente. Surgiu nos século 16, com Galileu, foi aperfeiçoada por Newton no século 17 e deu enormes saltos no século 20 com o modelo atômico.

Partículas já foram pressupostas pela filosofia natural com Demócrito, século 6 a. C., mas a intenção dos primeiros filósofos era dar uma resposta metafísica sobre a causa natural e primeira da existência de corpos e de seu movimento.

Há diferenças importantes entre a fé em Deus (monoteísmo cristão), a ciência natural e a indagação filosófica. Essa diferença reside em métodos, propósitos, perspectivas, resultados e visões de mundo. A religião e a crença em Deus dispensam provas, não requerem experiência sensível, muito menos resultados aplicáveis.

É muito estranho e mesmo absurdo, paradoxal, que a comprovação da existência de uma partícula, por mais essencial que ela seja para entender a relação entre matéria e energia, seja "a partícula de Deus", como tem sido chamado o bóson de Higgs.

Nesse caso Deus ou seria materializado ou então teria que fazer parte de sua própria criação. Então, não seria Deus como os cristãos o concebem, e como pressupõe a fé em um ser absoluto, transcendente, que tudo sabe e que não está em lugar ou espaço algum. Criar algo, a tal partícula que decifraria todo o universo, significa que o próprio Deus seria perfeitamente inteligível pelos humanos. Mas como Deus criou, precisou sair de si? E partir do que, como? De sua vontade?

Faz parte da religião e mesmo da ciência e da filosofia, o desconhecido, o misterioso. Nossa mente, nossa inteligência e o modo como significamos e nos comunicamos resultou de uma evolução histórica; o modo como produzimos conhecimento depende de teorias, cálculos, fórmulas, instrumentos. A ciência progride com esses recursos. E todos eles são produtos de nossa história e de nossa evolução. Não há como sair dessas situações e circunstâncias. Quer dizer, o modo como indagamos e as razões que nos incitam dependem dos tipos de conhecimento, da curiosidade, da linguagem e dos signos. São eles que permitem fazer essas perguntas. Respondê-las pode abrir caminhos, ou não...
E essas são reflexões filosóficas.

A metafísica é aquela parte da filosofia que indaga pelas causas primeiras de todas as coisas, os princípios do ser, como é possível que haja ser e não nada. É um pouco difícil entender essas perguntas em torno do ser, do nada, do vir a ser, se os seres são determinados, como identificá-los, se todos têm uma finalidade ou não, se são fruto do acaso ou de um princípio superior.

A ciência até pode ser reflexiva e mesmo crítica quando os cientistas se perguntam sobre os limites de seu conhecimento e os objetivos mais gerais da ciência, sobre seus fundamentos e modelos (matemático, empírico, lógico, tecnológico).

Mas a ciência não deve e nem pode pretender ter a verdade última ou ter descoberto e decifrado a origem do universo.

Certa dose de ceticismo é uma precaução contra a risível pretensão de, com nossos instrumentos e recursos, responder a todas as nossas dúvidas.

Inclusive porque o tipo de pergunta que fazemos, pela causa ou origem, é característica de nosso humano modo de ser.



* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.

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