JOSÉ AUGUSTO DE CASTRO E COSTA
Don José Paravicini após a abordagem ao vapor "Franklin", ainda prosseguiu subindo o rio Acre por mais uns três dias, chegando um pouco acima da volta da Empresa, onde travara conhecimento com Neutel Maia e Raimundo Sargento, precursores da notável jornada migratória brasileira, arrojados ao trabalho, com vistas a prosperar seus seringais.
A todos, a autoridade boliviana cientificara de seus propósitos e projetos, dando ênfase, sobremaneira, ao domínio da Bolívia na região acreana.
Razoavelmente satisfeito com a investida, D. Paravicini retorna à Puerto Alonso, para avaliar o andamento dos afazeres recomendados e concretizar a cobrança do imposto de exportação dos produtos retirados daquela área considerada boliviana, equivocamente por autoridades brasileiras.
É bom lembrar que os bolivianos não haviam esquecido de que o "Rio Tapajós" havia sido fretado da "Amazon Steam Navigation" ao valor de quarenta e cinco contos de réis, pelo período de um mês, acrescido de um conto e quinhentos réis por dia que excedesse ao prazo. O vapor "Rio Tapajós", conduzindo a comitiva de D. José Paravicini, havia zarpado de Belém na madrugada de 14 de dezembro de 1898 e o vencimento do frete estaria para ocorrer dentro de poucos dias. Do dia 14 de janeiro para adiante, o frete do "Rio Tapajós" correria por conta do acréscimo, avaliado em um conto e quinhentos réis, fato que poderia ser sanado com o dinheiro da exportação dos produtos acreanos.
Os bolivianos agradaram-se da aparência de Puerto Alonso, transformada em tão pouco tempo, destacando-se o adiantado estágio das primeiras construções de pequenas barracas na clareria aberta na floresta, deixando à vista uma extensa planície.
Instalado o posto alfandegário em Puerto Alonso, pode-se dizer que também instalados estavam os ânimos acirrados de brasileiros e bolivianos na área.
Desencalhado alguns dias depois, o vapor "Franklin" transpôs o porto de Puerto Alonso sem dar a menor atenção aos sinais do pessoal da alfândega, cometendo uma tremenda desobediência às formalidades e exigências das autoridades bolivianas, o que foi considerado um estupendo desacato e revoltante hostilidade.
Decididos a não se submeterem às novas ordens, o Superintendente da Vila Antimarí e o Juiz de Direito da Comarca manifestaram-se por escrito ao Comandante do "Rio Tapajós", solicitando melhores esclarecimentos sobre a exagerada e acintosa fiscalização dos que se diziam representantes do Governo da Bolivia. Intimavam a que o Comandante do "Rio Tapajós" levasse imediatamente ao conhecimento da comissão boliviana que as autoridades do Amazonas estavam firmemente resolvidas a fazer cessar o abuso que os bolivianos praticavam, e os certificassem de que deveriam, dentro de 24 horas, lhes fornecer provas que justificassem plenamente aquela norma de conduta, responsabilisando ao comandante do navio e à respectiva empresa, por tudo quanto pudesse ocorrer.
Como não obtiveram respostas conclusivas, porém dúbias, inconsequentes e preocupantes, o Superintendente e o Juiz tomaram por bem interpelar pessoalmente a Don José Paravicini, que os informou, em alto e bom tom, que não lhes devia satisfações, de vez que era um Plenipotenciário e só privava entendimentos de potência a potência.
Os brasileiros, por medida de prudência, retiraram-se de Puerto Alonso com destino ao Antimarí, donde o Superintendente designou, de imediato, o Secretário José de Carvalho para, em Manaus, expor, os que julgava serem sérios e preocupantes acontecimentos, ao Governador do Amazonas, solicitando providências.
A autoridade boliviana continuaria baseada em Puerto Alonso, representando seu país e tentando imprimir nova ordem administrativa, sob a inspiração das leis de sua nação.
Como reflete o binômio organização e método, gerador de um natural efeito administrativo, o exercício de D. Paravicini agradara a uns (principalmente bolivianos), mas desagradara grandemente a outros.
Observe-se que o desempenho de Don José Paravicini na região acreana prendia-se sobremaneira ao objetivo de cumprimento do dever em seu torrão patriótico. Tudo que se fizera seria para o bem da Bolívia. Por isso ele se dedicara, de corpo e alma, à construção de uma estrutura organizacional composta de um Governo a oferecer serviços administrativos, judiciários e econômicos, sem descuidar-se da proteção religiosa.
A conduta de D. Paravicini, talvez por exagerar no passionalismo patriótico, temperado com o propósito de firmar e ampliar o domínio da Bolívia com rígida severidade, revelando visível arrogância em ambiente brasileiro, começara a propagar-se de modo negativo em Manaus, repercutindo por todo o Brasil, veiculado pela imprensa amazonense e carioca.
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* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.
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