JOSÉ AUGUSTO DE CASTRO E COSTA
Don José Paravicini estava à frente da
administração do Alto Acre há três meses quando, de repente, rebenta um tumulto
revolucionário na Bolívia, sob o comando do general Pando, em oposição ao Presidente
Don Severo Alonso.
Na qualidade de funcionário público, ocupante
do cargo de Ministro Plenipotenciário da Bolívia, Don Paravicini tomara a providencial
atitude de reassumir seu posto na capital brasileira, onde ficaria aguardando o
desenrolar das medidas adotadas pelo novo governo boliviano.
Em Puerto Alonso, assumiria a função de
delegado-substituto Don Moisés Santivañez, titular do cargo de Cônsul em Belém
do Pará.
O General Don José Manuel Pando é justamente
aquele militar boliviano que por volta de 1894, após uma tentativa de golpe
contra seu governo, refugiou-se no rio Beni, atingindo o Acre, de onde
testemunhara o sucesso extrativista brasileiro.
Ao assumir as atividades em Puerto Alonso,
Don Moisés Santivañez encontraria a seu serviço, deixado por Don Paravicini, um
armazém bem provido de mercadorias, uma serraria manual, grande quantidade de
ferramentas, móveis e utensílios, material de expediente e mais de quarenta
barracas construídas.
Enquanto a Bolívia respirava, sufocada, nova
atmosfera política, com alteração de
comandos, transformação de gabinetes e transição de encargos, em Manaus
os ânimos dos brasileiros aqueciam-se e alastravam-se, alimentados pelo
combustível inflamado e lançado por José Carvalho, transformando a imprensa brasileira
num porta-voz dos periódicos amazônicos,
que transcrevia artigos, notícias e comentários sobre o que ocorria de negativo
no Acre.
As representações políticas do Amazonas e do
Pará levam ao conhecimento do Congresso Nacional e da Presidência da República
os sentimentos de um povo em uma demanda, na qual se acham envolvidos não
apenas os dois estados, mas a integridade do território brasileiro – a alma de
uma nação.
O espírito de rebeldia dos brasileiros
inconformados estava realmente bastante inflamado, tomado por uma espécie de
paixão, ardente.
As autoridades bolivianas, ao tomar ciência
das manifestações dos brasileiros, passaram a argumentar, em correspondência ao
governo brasileiro, acusando a imprensa amazonense de jornalismo exacerbado,
tendencioso e agressivo.
Os fatos intensificavam-se e ardiam em
progressão geométrica acerca da problemática acreana, focalizado na suposta
invasão boliviana.
Entretanto, apenas os que se aproximavam do
fogo poderiam sentir sua veemência e teriam a percepção de que, a qualquer
momento, uma séria refrega poderia ocorrer.
Em Puerto Alonso, o gabinete de Don Moisés
Santivañez, buscava desarmar o espírito de rebeldia, insinuando-lhe maus pressentimentos.
Esse espírito de obstinação de um grupo de
discordantes, inconformados e inflamados, sob a coordenação do advogado José
Carvalho, que acabara de regressar de Manaus, deu início a um movimento que
viria perturbar o ânimo em Puerto Alonso.
Desde a noite de 30 de dezembro de 1898, no
barracão da Intendência da Vila do Antimarí, que o bisneto da heroína da
revolução pernambucana, estupefato, estranhara, espantara-se e incomodara-se
com a invasão boliviana, vindo a debruçar-se diuturnamente sobre meios de combatê-la.
Nasce, de José Carvalho, a primeira insurreição acreana.
Esse jovem cearense, era mais um exemplo de
tantos outros nordestinos, que por uma razão ou por outra, costumavam, no final
do século XIX, depois de formados, tomar
a decisão de realizar seus desejos de
conhecer o Amazonas e o Acre, que tanto seduziam seus espíritos aventureiros.
Após vencer, pesarosos, amistosas oposições,
embarcavam em algum vapor e, a poucos dias de viagem, estavam penetrando na
imensa planura de matas gigantescas, sob o equador, onde o sol desce
verticalmente para o ocaso, e a ausência de horizonte e de crepúsculo causa uma
impressão que jamais será esquecida.
Para a região acreana seguiram outros jovens
das mais diversas profissões, como Dr. Acauã Ribeiro, Martinho Rodrigues,
Francisco Mangabeira (autor da letra do Hino Acreano) e muitos e muitos outros
jovens que, verdadeiramente, sentiam arder o patriotismo no coração, que não
sujeitavam-se ao domínio estrangeiro no solo pátrio, que como tal haviam descoberto e desbravado – é bom frisar!
Acendendo, então o facho da insurreição, o
advogado cearense partiu do seringal Caquetá, de Joaquim Victor da Silva, numa
canoa com oito homens, saltou, duas horas depois em Puerto Alonso e intimou, em
nome do povo acreano, o Cônsul Moisés Santivañez a abandonar o Acre e embarcar
com todos os bolivianos, cerca de cinquenta, no vapor “Botelho”, ali esperado,
a qualquer momento com destino a Manaus.
Houve um princípio de discussão áspera, com rebates
ríspidos de ambas as partes, que durou alguns minutos. O jovem advogado concluiu
seus argumentos fazendo ver que, não estando as demarcações devidamente
aprovadas, pelos poderes competentes de ambos os países, e, sobretudo, sendo
brasileiro o utis possidetis, aqueles acreanos não reconheciam legal o
governo da Bolívia no Acre.
No dia seguinte, a 1° de maio de 1899, José
Carvalho voltaria com trinta homens para receber a rendição, sem resistência,
da praça fortificada, donde foi arreada a bandeira boliviana, perante o
majestoso silêncio dos brasileiros, em respeito à tristeza dos vencidos.
Todavia, prestigiados pelo governo do Brasil,
voltariam depois os bolivianos a ocupar o Acre, dando lugar a uma série de
revoltas de seus habitantes, que optavam para continuar brasileiros. A única
opção seria tornar aquele torrão brasileiro!
Essa heroica e desamparada resistência,
inflamou por fim a sensibilidade patriótica em todo o Brasil.
Leia também:
* José Augusto de Castro e
Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.
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