Manoel de Barros
Eu queria usar palavras de ave para escrever.
Onde a gente morava era um lugar imensamente
e sem
nomeação.
Ali a gente brincava de brincar com palavras.
tipo assim: Hoje eu vi uma formiga ajoelhada
na pedra!
A Mãe que ouvira a brincadeira falou:
Já você com suas visões!
Porque formigas nem têm joelhos ajoelháveis
e nem há pedras de sacristia por aqui.
Isso é traquinagem da sua imaginação.
O menino tinha no olhar um silêncio de chão
e na sua voz uma candura de Fontes.
O Pai achava que a gente queria desver o
mundo
para encontrar nas palavras novas coisas de
ver
assim: eu via a manhã pousada sobre as
margens do
rio do mesmo modo que uma garça aberta na
solidão
de uma pedra.
Eram as novidades que os meninos criavam com
as suas
palavras.
Assim Bernardo emendou nova criação: Eu hoje
vi um
sapo com olhar de árvore.
Então era preciso desver o mundo para sair
daquele
lugar imensamente e sem lado.
A gente queria encontrar imagens de aves
abençoadas
pela inocência.
O que a gente aprendia naquele lugar era só
ignorâncias
para a gente bem entender a voz das águas e
dos caracóis.
A gente gostava das palavras quando elas
perturbavam
o sentido normal das ideias.
Porque a gente também sabia que só os
absurdos
enriquecem a poesia.
BARROS, Manoel de. Poesia Completa. São
Paulo: Leya, 2010. p.449-450
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