Cassiano Ricardo (1895-1974)
Quando eu nasci, já as lágrimas que eu havia
de chorar, me vinham de outros olhos.
Já o sangue que caminha em minhas veias pro
futuro
era um rio.
Quando eu nasci já as estrelas estavam em
seus lugares definitivamente
sem que eu lhes pudesse, ao menos, pedir que
influíssem
desta ou daquela forma, em meu destino.
Eu era o irmão de tudo: ainda agora sinto a
nostalgia
do azul severo, dramático e unânime.
Sal – parentesco da água do oceano com a dos
meus olhos,
na explicação da minha origem.
Quando eu nasci, já havia o signo do zodíaco.
Só o meu rosto, este meu frágil rosto é que
não
quando eu nasci.
Este rosto que é meu, mas não por causa dos
retratos
ou dos espelhos.
Este rosto que é meu, porque é nele
que o destino me dói como uma bofetada.
porque nele estou nu, originalmente.
porque tudo o que faço se parece comigo.
porque é com ele que entro no espetáculo.
porque os pássaros fogem de mim, se o
descubro
ou vêm pousar em mim
quando eu o escondo.
RICARDO, Cassiano. Melhores Poemas. Seleção Luiza Franco Moreira. São Paulo: Global, 2003. p.78-79
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