Lá fui eu ao armazém
comprar açúcar e mel.
Voltei com um quilo de sal
na boca o gosto do desgosto
lágrimas no rosto embutidas.
No balcão ao pedir vinho
vinagre me foi servido,
queria um maço de fogos
chuvas de prata e estrelas
para comemorar a noite
porém só havia velas
com que imitar o dia.
Lá fui eu ao armarinho
(tangida por que ventos
por que pérfidas sereias?)
comprar um dedal de amor.
Voltei com este coração
são sebastião de alfinetes.
O peito? retrós entaniçado
por mil linhas de aflição
euzinha toda por dentro
que nem pano em bastidor:
bico de agulha finoferoz
sobe-desce-sobe bordando
minha vida em ponto de cruz.
CABRAL, Astrid. De déu em déu: poemas reunidos (1979/1994). Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998. p.42
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