quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

JOÃO VERAS: alguns poemas

NA TEOLOGIA DOS NEO-PROTESTOS
João Veras

Religam a vida ao medo
A crença à prosperidade
A política aos bens
A educação ao poder
A felicidade ao status
A miséria à covardia
A ética à canalhice
O humano à coisa.

18.01.17


MANIFESTO
João Veras

Esse garoto vai morrer
Alguém avise à sua mãe
Alguém deixe as câmeras ligadas
Alguém poste o evento no face
Alguém acuse a policia
Alguém denuncie o bandido
Alguém aponte o político corrupto
Alguém diga que não viu nada
Alguém se prepare em vão para ligar pro socorro

Alguém finalmente faça alguma coisa depois do crime
Leve rosas ao túmulo, lembranças ao amigos,
condolências aos parentes
nunca deixe de lembrar quem foi ele quando menino
Choros e depoimentos na tv ao vivo são essenciais
E os discursos da sociedade:
mais uma morte a merecer alguma função

Esse garoto daqui a pouco morre
Alguém pelo menos avise a sua mãe, corre!
Ele não sabe de nada, e ela não saberá mais
De tudo agora no silêncio:
só as manchetes dos jornais
e a reiterada falta de resposta ao que tanto se pergunta...

13.02.14


TESTEMUNHO ACREANO
João Veras

Eu hoje vi uma mulher indígena pedindo esmola.
Ela estava sentada no chão da calçada suja com uma criança ao colo
que procurava se alimentar em seu peito.
Era no centro da cidade, próxima à escola infantil Menino Jesus.
Ali todos passam, olham para baixo e passam.
O que vi hoje, vi ontem...

Hoje eu vi vários indígenas pintados em alerta e em movimento.
Eles estavam para a guerra na defesa da sobrevivência.
Eles reclamam dos péssimos serviços de saúde prestados pela burocracia do Estado.
Serviços esses que não conseguem impedir que várias crianças indígenas morram de diarreia.
o que vi hoje, vi ontem...

Hoje eu vi alguns indígenas com as suas penas fabulosas e vestes idem.
Esses participavam de um evento público promovido pelas autoridades governamentais.
Eles estavam para a festa.
Eles compunham o quadro da participação indígena em um governo democrático.
o que vi hoje, vi ontem...

28.02.14


BRINCADEIRAS DO VER
João Veras

Quero ver rio branco nua
Mais que rua, mais que sua, mais que lama

Quero ver rio branco esperta
Mais que alerta, mais que aberta, mais que cama

Quero ver rio branco turva
Mais que chuva, mais que curva, mais que drama

Quero ver rio branco só
Mais que dó, mais que pó, mais que fama

Quero ver rio branco amiga
Mais que briga, mais que figa, mais que gama

Quero ver rio branco ao léu
Mais que véu, mais que céu, mais que mama

Quero ver rio branco junta
Mais que fruta, mais que luta, mais que rama

Quero ver rio branco lá
Mais que pá, mais que lar, mais que dama

Quero ver rio branco solta
Mais que louca, mais que touca, mais que trama

2013


COMO USAR UM MORTO NA VÉSPERA DE SEU NASCIMENTO
João Veras

Retrate ele ao seu lado
Não desfoque, não trema, não se assuste
Sorria que ele não tem tempo
E antes que se revele o embuste
poste tudo, não hesite, é megaevento

Estampe a grife na camiseta desbotada
Saia em disparada no seu velho carrão
E pra dar tudo certo nesta cartada
bata asas ao anoitecer que de dia todo santo é cagão.

16.01.17

Um comentário:

Jalul disse...

Grita, Poeta! Conte-nos o que sabes do acreano jeito de viver, de uma povo e de uma cidade que perde sua identidade de forma galopante. Não nos esconda nada!