Seu João era o prenome de célebre tipo
popular de Rio Branco, o Camaleão Ovado, há décadas no outro mundo. Morreu com
oitenta e oito anos. Consumiu seus dias perambulando pelas ruas da cidade,
bebendo nos botecos de bicão, esgoelando-se em palavrões. Interrompia o
“trabalho” de “alma das ruas” apenas para o almoço e o jantar. De lata na mão,
batia em qualquer casa, implorando pelo amor de Deus um pouco de comida. Se não
fosse atendido promovia escarcéu dos diabos, apostrofando abusivamente quem lhe
dava o passa-fora. Doido manso que era, mesmo assim voltava dias depois a
pirangar o baco-baco.
Só pedia comida, a água bebia era a do rio Acre. Passeava sempre de paletó doado, puído, sujo, as calças frouxas e bamboleantes, expondo a protuberância do baixo ventre causada por uma hérnia estrangulada, e causa do odiado apelido que o punha fora de si. Dormia no curral do fazendeiro Amadeu Barbosa. Como enlouqueceu é um mistério.
Só pedia comida, a água bebia era a do rio Acre. Passeava sempre de paletó doado, puído, sujo, as calças frouxas e bamboleantes, expondo a protuberância do baixo ventre causada por uma hérnia estrangulada, e causa do odiado apelido que o punha fora de si. Dormia no curral do fazendeiro Amadeu Barbosa. Como enlouqueceu é um mistério.
Conheci-o na profissão de alfaiate, dos primeiros e melhores de Rio Branco, desde quando aqui aportara, nos anos 20, vindo do Ceará. Era o preferido dos sírios que mandavam no comércio. Existe a hipótese de que sua loucura era resultado de uma desilusão amorosa, a mulher com quem se casara lhe teria traído miseravelmente, tornando-o literalmente doido por amor. As pessoas de bom coração davam-lhe roupas usadas, sapatos, chinelos, uma vez ganhou de presente um paletó de casemira Aurora. Quando a molecada lhe perseguia motejando o apodo “Camaleão Ovado”, o coitado perdia a paciência e jorrava impropérios, palavrões, maldições, brandindo o cajado de maçaranduba no ar. Jamais se separava da surrada maleta de couro velho, furta-cor, sua única bagagem, onde guardava trapos, latinhas, miudezas para ele um tesouro valioso.
Finou-se num plúmbeo de intenso frio, sem choro, vela, orações. Está enterrado no Cemitério São João Batista, na vala comum dos marginalizados pelo destino, desses que não deixam pegadas da passagem pela Terra e nem recordações, saudades, lembranças. Os anônimos na vida, são anônimos na morte.
SANTOS, Napoleão Costa dos. A Empresa de Napoleãozinho. Rio Branco: S/E, 1996. p.14-15
Um comentário:
Gostaria de uma cópia desse livro do A empresa de napoleazinho e a bibliografia do autor.
Gostei do texto e essas histórias devem ser resgatadas.
samueldutra@hotmail.com
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