Mário de Oliveira (19??-1977)
Faz pouco, o rio
parecia um veio
D’água, humilde, a
fluir calmo e cantante,
Modulando saudades,
se bem creio,
Do recôndito berço
já distante...
Agora, entanto,
alçando o colo, cheio,
Outro parece, –
bélico, arrogante,
Arrasando, sem dó,
qualquer bloqueio,
Que à cavalgada
infrene surja diante!
É belo, assim, na
galopada louca,
Qual um corcel
fogoso, espuma à boca,
Espumantes balseiros
conduzindo!
Espraiando-se,
túrgido, iracundo,
Parece até querer
tragar o mundo,
– Castigo da Bíblia
repetindo...
jornal O Acre, 10 de abril
de 1943, Ano XIV, N.689
SIMILITUDES
Mário de Oliveira
Quanto tempo a
dormir, ó pobre coração!
Qual, da lenda
vetusta, o castelo encantado
Da “Bela Adormecida”,
assim, também, coitado,
Vives, há muito
tempo, em longa hibernação...
Reza a lenda que,
um dia, o “Príncipe Esperado”,
Cumprindo do Destino
antiga predição,
Penetrou os umbrais
da silente mansão,
Despertando a “Princesa”,
e livrando-a do fado...
Semelhas, coração,
à princesa lendária:
– Teu destino,
também, é voltar para a vida;
Mas a ventura é
curta e a tua sorte é vária...
Quanta vez redivive
o teu sonho esplendente,
Despertado em contato
a outra alma querida,
E volves, a seguir,
ao castelo silente!...
O Acre, 7 de
setembro de 1943, Ano XIV, N.710
PANORAMA
Mário de Oliveira
Por sobre a mata
verde, que se estende
Qual um tapete
gigantesco, imenso,
O pássaro metálico
distende
As asas brancas,
como um pando lenço.
Em baixo, o oceano
florestal resplende
Em pujante beleza,
que até penso
Pairar sobre um
mar, de onde rescende
Um odor estranho,
inebriante e denso.
Além, flocos de
nuvens, como ovelhas
De um rebanho
celeste, de que Eólo
É o pastor sideral,
correm parelhas...
E o Acre,
silencioso, serpenteia
Em baixo, em mil
volteios, sobre o solo,
Qual anaconda
imensa, que coleia...
O Acre, 12 de
setembro de 1943, Ano XIV, N.711
MANHÃS DE BRUMA
Mário de Oliveira
Antemanhã de
inverno. Apenas, no levante,
Surgem do dia, ao
longe, os primeiros albores.
O sol, a
espreguiçar-se, oculta-se distante,
No inconsútil
lençol de brumas e vapores.
A úmida cortina
estende-se triunfante
A mata, ao campo,
ao rio, insinuando langores,
Até que o astro,
desperto, afinal dominante,
O velário descerra,
espargindo fulgores.
A resistir,
entanto, à vitória da luz,
O pesado nevoeiro
aos poucos se reduz,
Esgarçando se em
véu de nitente neblina.
Por momentos,
então, a cortina suspensa,
– O rio se transforma
em nívea toalha imensa,
Toda argêntea, a
brilhar, em líquida platina.
O Acre, 14 de
Novembro de 1943, Ano XIV, N.720
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MÁRIO DE OLIVEIRA era
natural Rio Branco, onde faleceu em 1977. Licenciou-se em Ciências e Letras e
em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade do Estado do Ceará, tornando-se,
assim, o primeiro acreano a formar-se em Direito. Homem de grande erudição, foi
poeta, jornalista, orador, advogado e educador. Membro-fundador da Academia
Acreana de Letras, escreveu “Jardim Fechado” (1971).
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